Economia

Baixo consumo, crédito apertado e problemas internos: os sinais de crise no varejo brasileiro

Lojas tradicionais, como Americanas e Marisa, fecham lojas e se endividam em um cenário de pouco consumo, presença de estrangeiras no mercado brasileiro e Selic alta

Foto: Divulgação/Americanas
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Na última segunda-feira 12, a empresária Luiza Trajano, dona de uma das maiores redes varejistas do país, o Magazine Luiza, disse ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que o varejo não vai aguentar a falta de uma sinalização do órgão para a redução da taxa Selic no país. “Quantas lojas aqui já foram fechadas? Quantas pessoas já foram mandadas embora?”, questionou Trajano. 

A crítica da empresária ao patamar de 13,75% ao ano da taxa básica de juros não é novidade. Tampouco ela, como representante do varejo, é voz isolada: comunicados oficiais de entidades ligadas ao setor vêm se somando às declarações do governo federal contra os juros altos – que, segundo os grupos, inviabilizam a retomada econômica do país, especialmente o consumo das pessoas.

No contexto dos embates, está uma crise ligada ao varejo brasileiro. O primeiro trimestre deste ano foi marcado por uma diminuição generalizada nas vendas, pelo fechamento de unidades de algumas das principais redes e pela percepção – confirmada em números – de que a maior parte da população vem experimentando uma diminuição da sua capacidade de consumir.

Como a maior parte das crises, a do varejo brasileiro não pode ser explicada apenas por um fator. Além do patamar atual da Selic, há os problemas internos de algumas das principais redes (Americanas, Marisa e Tok&Stok, só para citar algumas), o alto endividamento das famílias brasileiras e a respectiva perda de capacidade de consumo da maior parte da população. Também entra nesta conta a atuação de empresas estrangeiras no país.

O baque das Americanas

Fundada em 1929 no Brasil, a Americanas passou a ser controlada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira no início dos anos 80. Presidida pelo último, a Americanas adotava, internamente, uma política de gestão que valorizava o cumprimento de metas como condição básica para a remuneração dos seus diretores. 

Em outros termos, a cúpula da empresa era conhecida pela valorização na distribuição de dividendos pelos acionistas. Não à toa, a Americanas liderou, nos últimos anos, rankings de discrepância entre as remunerações dos principais diretores e dos demais funcionários, em comparação com as suas concorrentes. Não são poucos os artigos de opinião e livros de gestão que, nos últimos anos, citaram os métodos do trio, conhecido como o que há de mais avançado no capitalismo brasileiro, como referência de modelo.

O que o mercado não esperava é que no dia 11 de janeiro deste ano a empresa revelasse, através de um Fato Relevante, a existência de um rombo bilionário nas suas contas que, até o momento, vem sendo qualificado como o maior caso de fraude contábil da história do mercado brasileiro.

Os números, antes conhecidos por poucos executivos, tornaram-se públicos: a empresa tem uma “inconsistência contábil” de cerca de 20 bilhões de reais, além de dívidas de 22 bilhões de reais com bancos e 6,67 bilhões em debêntures. O total – quase 50 bilhões de reais – é mais de três vezes maior que o patrimônio líquido da Americanas.

Pela robustez não apenas do número, mas da própria posição da Americanas no mercado, o caso vem repercutindo no varejo, como um todo. A empresa está em processo de recuperação judicial.

Entretanto, não apenas a Americanas passa por problemas internos neste primeiro trimestre. A Marisa, fundada em 1948 e uma das mais tradicionais do país, anunciou, neste ano, o fechamento de quase 100 lojas, após três anos seguidos de prejuízos. Depois de apresentar uma perda líquida de 148,9 milhões de reais no primeiro trimestre deste ano, a empresa comunicou que a sua dívida bruta gira em torno de 1,4 bilhão de reais. A Marisa vem sendo alvo de ações judiciais e alguns dos seus fornecedores decretaram recuperação judicial. 

Há pouco menos de dois meses, a Justiça recebeu um pedido para que a Tok&Stok tivesse a falência decretada. A demanda vinha de uma fornecedora que alegava não ter recebido uma dívida de 3,8 milhões de reais. O valor, a princípio, não parecia ser significativo, em se tratando da varejista de móveis. Por outro lado, os desdobramentos do caso revelaram uma dívida geral de cerca de 600 milhões de reais da Tok&Stok, que vem fechando lojas nos últimos tempos.

Outro caso que não escapa à questão é o da Livraria Cultura. Símbolo de um modelo de negócio que envolvia não apenas a venda de livros físicos, mas a ideia de se impor como um polo cultural, onde estivesse, a Cultura se vê em um longo processo de recuperação judicial, com diversas acusações de calote.

Se observados apenas do ponto de vista das empresas varejistas, os problemas não são, exclusivamente, internos. Nos últimos anos, grupos como Shein, AliExpress e Shopee vêm ampliando as suas atuações no Brasil. Além da atuação da norte-americana Amazon.

Segundo relatório do banco BTG Pactual, do início de 2023, somente a Shein registrou um faturamento de mais de 8 bilhões de reais em vendas para clientes brasileiros em 2022. Um crescimento 300% em relação a 2021. 

As atividades das empresas estrangeiras – especialmente, as três citadas primeiro – tornaram-se objeto de debates da equipe econômica do governo. O centro da discussão está na questão tributária.

Endividamento das famílias e baixo consumo

Uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era resolver dois problemas importantes ligados à economia real: valorizar o salário mínimo e tirar o máximo de pessoas possível do endividamento. Dois aumentos quase sucessivos no valor do mínimo e a Medida Provisória (MP) do programa Desenrola Brasil se concretizaram neste semestre.

Ainda assim, problemas estruturais na economia demandam tempo para serem resolvidos e, significativamente, não são poucos os efeitos ainda presentes da derrocada da economia brasileira nos últimos dez anos. 

A pandemia de Covid-19, embora próxima de ser encerrada em termos de saúde pública, ainda tem consequências: neste início de 2023, as famílias brasileiras estão mais endividadas do que estavam, por exemplo, antes de março de 2020. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, do último mês de maio, 78,3% das famílias brasileiras possuem.

É aqui que se pode começar a estabelecer a relação entre juros altos e dívidas. Quanto maior a inadimplência, maior a dificuldade de ter acesso a crédito, por exemplo. Isso vale para instituições financeiras e para as próprias lojas do varejo, na hora de fornecerem melhores condições de pagamento aos consumidores. Além disso, o fato do pagamento de dívidas, normalmente, ser uma questão prioritária para as famílias faz com que a demanda sobre o consumo caia.

A diminuição do consumo, aliás, segue sendo detectada pelos números oficiais. No último dia 1, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados da atividade econômica brasileira no primeiro trimestre deste ano. Positivamente, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,9% no período, em comparação ao trimestre anterior, o que, visto por si só, indica um cenário favorável à economia do país.

Por outro lado, um dado importante veio na esteira do PIB: o consumo das famílias cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre, na comparação com o quarto trimestre de 2022. “Consumo das famílias” costuma ser visto como o principal indicador do PIB, em termos de demanda.

Tudo isso em um cenário de inflação alta, apesar do horizonte de queda. Em outros termos, enquanto o agronegócio vem ampliando a sua capacidade de exportação e o real vem se valorizando frente ao dólar, as famílias não têm experimentado, até o momento, um cenário econômico positivo.

Ao se dirigir ao presidente do BC, Luiza Trajano pediu uma sinalização de juros baixos e reconheceu: o varejo está tendo um excesso de produto. E disse: “a nossa realidade é diferente. O varejo puxa tudo: a indústria, a construção”. 

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