Diversidade

Quem foi Audre Lorde e o que ela nos ensina sobre autocuidado feminino

Hoje usada para vender batom, ideia nasceu de uma feminista lésbica para a autopreservação das mulheres negras

Audre Lorde (Foto: Getty Images)
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Autocuidado feminino é um conceito tão importante quanto rentável, e diferenciar uma coisa da outra é fundamental. Sem atenção, a autopreservação das mulheres, especialmente das mulheres negras, tende a ser banalizada e transformada em mera mercadoria.

A ideia de que a mulher deveria dar mais atenção a si mesma, sua saúde, seus desejos, emoções, levar-se mais em conta, não saiu de revistas de moda, cosméticos, propagandas para vender maquiagem. Audre Lorde, responsável por cunhar o termo na década de 1980, foi uma escritora, feminista, negra, lésbica, filha de imigrantes caribenhos que viviam nos Estados Unidos.

Ferrenha defensora dos direitos humanos, Lorde era poetisa, espaço onde se afirmava como mulher negra. Participou das lutas pelos direitos civis nos EUA e não passou pano para as colegas feministas brancas, ressaltando a opressão que elas exerciam sobre as negras. Ela é uma das pioneiras do conceito de feminismo interseccional – que pontua as diferentes opressões que mulheres de diferentes condições vivem, levando em conta essencialmente as diferenças de raça e classe social. “Eu sou definida como a outra em todos os grupos de que participo. A forasteira, tanto pela força como pela fraqueza.”

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O fato é que o empoderamento feminino entrou, de vez, na ordem do dia. Muitas mulheres que não se identificam como feministas passam, cada dia mais, a questionar os papéis tradicionalmente atribuído a elas. E a cultura do care tem tudo a ver com isso. Os cuidados gerais – casa, filhos, familiares doentes, idosos, administração da vida em comum – tudo isso sempre foi entendido como uma atribuição da mulher. Mas é trabalho não remunerado, a chamada dupla, tripla jornada.

E quem cuida das cuidadoras? Quem cuida de si tendo de cuidar de tantas pessoas e coisas ao mesmo tempo? Se há escala de opressão, como nos ensina Lorde, a mulher negra é a última a ser lembrada. Por isso, a poetisa profetizou: “Cuidar de mim mesma não é autoindulgência, é uma autopreservação e isso é um ato de guerra política”. Ou seja, um ato de resistência das mulheres aos papéis condicionadas.

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Mas se buscarmos pelo termo na internet aparecerá tudo e nada ao mesmo tempo. É um conceito superficial, indo desde comerciais para maquiagem, cursos sobre terapias naturais, alimentação, quase tudo vinculado ao consumo. Em um mundo atropelado, pensar a alimentação não é algo trivial, e evidentemente trará benefícios.

O ato em si não importa tanto, mas sim o que está por detrás dele, a intenção. Um prato de comida saudável, por exemplo, pode ser um cuidado consigo, com a saúde, ou sinônimo de uma vida de dietas, prisões estéticas e distúrbios.

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(Foto: Getty Images)

As fotos de mulheres perfeitamente dentro dos padrões de beleza em sirshasana (posição de yoga invertida sobre a cabeça) ou lendo livros bonitos com uma xícara de chá ao lado fazem parecer que é simples, mas não é. Autocuidado é um processo, um aprendizado de vida para as mulheres. Cuidar de si tampouco deve servir para agradar aos outros, para estar agradável ao paladar alheio.

O autocuidado idealizado por Lorde tem mais a ver com se dar o que se necessita, buscar ajuda, redes de apoio, e também estabelecer limites, contornos. Saber dizer não em contextos de opressão, por exemplo, é um grande ato de autocuidado que não aparece nas fotos ou nas tags do Instagram. Porque não é bonito, palatável, nem vende produto algum — pelo contrário, assusta.

E, o mais importante, cuidar de si para ajudar as que estão ao lado a romper, juntas, o ciclo de opressão.

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