Diversidade

Carga mental: pedir ajuda também dá trabalho

#PorraMaridos traz de volta debate sobre o ‘trabalho invisível’ das mulheres na vida doméstica. Ele pesa, inclusive, sobre a saúde delas

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Aos 17 anos, o irmão não varre a casa. Ela, aos 12, faxinava a casa toda. O marido deixou de colocar a roupa do filho no molho por um só motivo: não sabia se usava o balde ou a bacia. Um homem usava o celular tranquilamente ao lado da esposa. Ela, desesperada, gritava por uma enfermeira: a bolsa havia acabado de estourar.

Essas e outras tantas histórias ganharam a internet com a hashtag #PorraMaridos há duas semanas. O tema voltou às redes socais na última sexta-feira 3, em uma versão mais careta, #PoxaMaridos, impulsionada pelo programa Encontro, da Rede Globo.

A hashtag, seja na versão original ou global, ganhou força pela identificação das mulheres com esse tipo de situação. Quase todas sentem o peso da responsabilidade de cuidar das tarefas domésticas – e dos filhos, do trabalho, do marido e de si mesma, se sobrar um tempinho. Não param por quase nenhum segundo. Quando relaxam a cabeça ainda segue atenta às necessidades da casa.

Se antes poucas entendiam de onde vinha tanto cansaço, no ano passado uma história em quadrinhos da francesa Emma (veja ao fim do texto) e traduzido pelo coletivo Bandeira Negra deixou bem claro: vocês não estão sozinhas, é comum e tem nome – carga mental.

Enquanto as mulheres funcionam como gestoras da casa, os maridos servem como executores. E por isso cabeça de mulher não desliga nunca. O tempo todo, mesmo durante os momentos de lazer, elas  se preocupam com os afazeres de casa. Ou com as compras do mercado. Ou com o uniforme das crianças. Ou com a consulta no médico. Ou com a chuva que vai molhar a roupa no varal. Ou com a viagem das férias. Ou com as contas da casa.

Eles, por outro lado, terminam uma tarefa e não se preocupam com mais nada. Como executores, precisam de ordens. E ordens bem claras. “Favor colocar a roupa de molho, com sabão em pó, dentro do balde”. 

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Essa predisposição a não fazer nada – ou esperar por ordens e soltar o clássico “você não pediu” – vem de décadas atrás. Eles eram provedores, elas donas de casa. Mas difícil ainda ver famílias com essa formatação tradicional. Elas saíram para trabalhar. Eles não fizeram questão de cuidar da casa. Por falta de costume.

Essa falta de preocupação se mantém com as brincadeiras de infância. Aquela velha história: eles brincam com carrinhos, elas com bonecas. “É um problema de socialização de gênero. Meninas aprendem a cuidar de bebês com as bonecas. Ou ganham um fogãozinho. Meninos ganham bolas”, explica Paula Prates, psicanalista e diretora do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e coordenadora da Inconsciente Real, uma rede de saúde mental.

Na hora de ajudar em cada, ainda na infância, eles já contribuem menos. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas, meninos menores de idade gastam duas horas por semana com serviços domésticos, enquanto que as meninas da mesma idade passam sete horas ajudando em casa.

E pior: quando esses homens alcançam a maioridade, ainda fazem menos do que essas garotas – passam apenas sete horas semanais dedicados aos afazeres domésticos. Mulheres acima dos 18 anos gastam quase um dia todo (23 horas) por semana com esse trabalho.

Fazer tarefas domésticas não é um agrado para a esposa ou uma “ajuda”. Muito menos um favor. É (ou deveria ser) parte dos afazeres de um casal – e os homens precisam entender isso de uma vez por todas. Os dois moram juntos, trabalham e dividem as contas. Logo, se duas pessoas moram na mesma casa, nada mais justo do que duas pessoas tomarem conta dela.

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“As pessoas precisam conversar. Relacionamentos são trabalhosos, precisam de acordos e contratos”, diz Prates. “Cada caso é diferente. Cada pessoa vem de um histórico específico. Então, é preciso ver como funciona para você – pode ser com listas e definições bem claras de cada tarefa.” Nessa missão, vale acabar com qualquer estereótipo do que é uma tarefa masculina ou feminina. Tudo bem se ela lavar a louça e ele cuidar da comida. O que importa é que as coisas sejam equilibradas – cada casal a seu modo.

Só que essa divisão de tarefas não acontece por mágica. Gera conflitos. “Uma amiga teve filho com um americano. Ela cuida da criança sozinha. E quando ele veio visitá-los, ela achou mais fácil cuidar dele sozinha mesmo, por que assim não precisa negociar nada”, conta Prates. “Então a primeira orientação que dou às mulheres é sobre o controle. É difícil largar o osso. É difícil quando as coisas não acontecem do jeito delas. Aí parece mais fácil fazer sem eles. Mas isso tem um custo: a carga mental.”

E o custo não é baixo. Segundo pesquisas recentes, o infarto passou a ser o maior causador de morte entre mulheres do mundo todo. Entre os motivos está a carga mental. Com tantas coisas para pensar e cuidar, elas ignoram os primeiros sinais da doença, como fadiga, dificuldade para respirar, indigestão e fraqueza. Afinal, normal sentir esses sintomas todos com uma agenda tão atribulada. Quando descobrem que o problema é maior, geralmente, passou o tempo ideal para correr ao hospital.

Então, homens, vamos dividir a responsabilidade pela casa e aliviar um pouco o fardo delas?

Leia abaixo o quadrinho de Emma sobre carga mental

Parte1

Parte 2

 

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