Diversidade

“A mulher lésbica soma opressões: por ser mulher e por ser lésbica”

A jornalista Larissa Darc tem 21 anos e está disposta a derrubar o preconceito que envolve a saúde sexual de lésbicas e bissexuais

(Foto: Reprodução)
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Larissa Darc tem 21 anos, mora na periferia de São Paulo e é bissexual. Aos 18 anos contraiu uma infecção e, por isso, marcou sua primeira consulta ginecológica em um posto de saúde do seu bairro, Itaquera. O dia da consulta demorava a chegar e a infecção piorava. Com medo, comprou um antibiótico sem receita. No dia da consulta, a adolescente queria saber se estava tudo bem, mas para sua surpresa o médico se recusou a examiná-la.

Ao sair do consultório, Larissa ficou com uma pulga atrás da orelha. “Quantas meninas lésbicas já tiveram atendimento médico negado?”, pensou.

Alguns anos mais tarde chegava o momento do Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Jornalismo e Larissa estava decidida a falar sobre a população LGBT. O recorte para mulheres bissexuais e lésbicas veio automaticamente. Achava que havia poucas abordagens sobre o tema. Nas primeiras pesquisas de campo já ficava claro o desejo das meninas em relatar seus casos e vivências de negligência no atendimento ginecológico.

Aquela pulga atrás do orelha deu origem ao livro-reportagem Vem Cá – Vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais. O objetivo do livro é tirar o tabu da frente de meninas e mulheres.

CartaCapital: Como você chegou ao tema?

Larissa Darc: Quando um jornalista vai fazer uma matéria, de modo geral, é muito mais fácil achar um especialista sobre o tema da pauta, e sempre mais difícil achar um personagem, alguém que conta uma história, uma vivencia sobre aquele tema. Nesse caso, aconteceu o contrário, em qualquer grupo de discussão que eu entrava, em qualquer roda de conversa que eu me metia, as meninas queriam muito falar sobre o assunto. E relatavam os problemas que já tinham vivido com atendimento médicos. O contrário não acontecia. Eu não achava um único médico que falasse com propriedade sobre o assunto (saúde sexual de bissexuais e lésbicas). Ir atrás de estudos foi outra lida. O estudo mais recente em São Paulo na área é de 2005. E aí eu tentei entender por que tinham tão poucos estudos também.

CC: E o que você encontrou?

LD: Quando a gente pensa no meio LGTB, pensamos de maneira uniforme, mas ele não é. Existem grupos que não se encaixam no conceito de heteronormatividade e que têm diferenças entre si. Pessoas trans não vivem, necessariamente, os mesmos problemas que gays. Dentro do meio LGBT existe uma visibilidade considerável nas pautas/assuntos sobre gays, e uma grande invisibilidade nas pautas trans, lésbicas e bissexuais. É preciso entender que existem camadas de opressões. Um gay sofre opressão por ser gay, mas ele continua sendo homem, e usufrui desse privilégio. A mulher lésbica soma opressões: por ser mulher e por ser lésbica.

CC: Como isso interfere na saúde de mulheres bi e lésbicas?

LD: Para estudar este tema, uma das dificuldades que se impõem é a maneira como a sociedade enxerga o sexo. As pessoas acham que uma relação sexual sem pênis, sem penetração, não é sexo. E se não é sexo não é preciso pensar em cuidados, métodos de prevenção de DST. O que é uma grande ignorância, porque as mulheres lésbicas estão suscetíveis a diversos tipos de infecções e doenças sexualmente transmissíveis. Não encontramos estudos para comprovar isso. Não há interesse em abordar o tema. Está invisível.

Em meu livro, converso com diversas meninas que relatam seus casos. Entrevistei uma menina que não conseguia ser examinada por nunca ter transado com homens – ela era considerada virgem pelos médicos – e depois de muito insistir, quando enfim conseguiu fazer o papanicolau (exame de diagnóstico de câncer de colo de útero), descobriu que estava com um mioma em estágio avançado. Precisou fazer uma cirurgia e retirar todo o aparelho reprodutivo. O sonho dela era ser mãe.

CC: As histórias são todas de recusa de atendimento?

Leia também: "Nós, lésbicas, seguimos fetichizadas nas ruas e na mídia"

LA: Tem a história de uma pessoa não binária que estava fazendo o processo de transição, tirando os seios, o que demandava alguns exames. A médica não teve o cuidado de perguntar se ela tinha problemas com penetração e introduziu a ferramenta de exame (espéculo). Ela disse que se sentiu estuprada. Chorou, não quis mais fazer o exame. Tem esses dois lados: é preciso entender se a paciente precisa do exame, e se ela consegue passar por esse exame. E isso não pode ser determinado pela fato de já ter ou não feito sexo com um homem.

CC: A falta de informação prejudica?

LD: O vácuo de informação sobre saúde lésbica começa com a deficiência de produção de conhecimento sobre a vida das mulheres. A gente começou a falar da anatomia feminina nos anos 1990, quando o clitóris foi descoberto. O prazer feminino e as causas LGBT começaram a ser estudadas há muito pouco tempo. E as duas coisas juntas em meados dos anos 2000.

As pessoas acham que sexo é entre pênis e vagina ou pênis e qualquer outra coisa. Existe um estigma de que sexo entre meninas são só preliminares. Só quem faz sabe o que é. Eu tive muito apoio para fazer esse estudo, mas ouvi muitos relatos de pessoas que tentaram fazer essa pesquisa e não conseguiram. São demitidas de seus trabalhos, rejeitadas pelo movimento social e orientadores das universidades. Uma militante disse que está tentando emplacar essa pauta desde 1996. Eu nasci em 1997, essa pauta existe antes de mim, e o movimento LGBT não consegue fazer com que o governo financie pesquisas e campanhas para a saúde das mulheres lésbicas.

A intenção da jornalista é que sua pesquise dê mais visibilidade ao tema. (Foto: Arquivo pessoal)

CC: Existe ainda um déficit de conhecimento?

LD: Não falamos sobre o assunto. Só se fala sobre o assunto em agosto, que é o mês da visibilidade lésbica. Quando tem um evento sobre a saúde sexual das lésbicas sempre enche, porque tem um buraco de informação. Existem pouquíssimas reportagens sobre isso, com pesquisas muito frágeis. Mas eu estou recebendo mensagens de meninas todos os dias, de todos os cantos, inclusive de fora do Brasil. As meninas estão começando a se dar conta de que elas estão em risco e que é preciso produzir mais informação.

Muitas meninas me procuram oferecendo ajuda para que consigamos pensar métodos de proteção de DTSs. Eu, como jornalista, não posso fazer isso. Mas posso levantar o máximo do assunto e dar visibilidade a ele. Essas meninas têm consciência de que com articulação as coisas podem melhor. Há um movimento que está lutando por isso.

Hoje o que temos são as camisinhas, que são feitas para os homens. Tanto a feminina quanto a masculina para proteger o pênis. O objetivo do livro é que as pessoas comecem a falar sobre isso.

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