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Liberdade religiosa não é salvo-conduto para a recusa a clientes LGBT

Casal de homens teve a prestação de serviços negada por uma papelaria; jurista especializado detalha as implicações legais segundo a lei brasileira

Foto: Agência Brasil
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Qual o limite da liberdade religiosa? Nesta terça-feira 23, um casal gay teve a prestação de serviços negada por uma papelaria em São Paulo com a justificativa de que não confeccionavam ‘convites homossexuais’ por questão de princípios religiosos.

Nas redes sociais, a discussão sobre o caso frequentemente ignora um detalhe crucial: as diferenças entre as leis brasileiras e americanas. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte validou a recusa de serviços com base em crenças religiosas, apoiada pela Primeira Emenda. Já no Brasil, a legislação é rigorosa em proibir qualquer forma de discriminação, inclusive aquela fundamentada em orientação sexual e identidade de gênero.

A liberdade de culto é, de fato, resguardada pela Constituição brasileira. Mas a Carta também garante aos cidadãos o direito de não sofrer discriminação por gênero, raça, e mais recentemente, por orientação sexual.

Paulo Iotti, advogado e especialista em direito da diversidade sexual e de gênero, argumenta que a liberdade religiosa garantida constitucionalmente não se sobrepõe automaticamente ao direito de não sofrer discriminação, também garantido pela mesma Constituição. Ele destaca a necessidade de uma “concordância prática” entre esses dois direitos.

“A liberdade religiosa não garante um direito de atendimento selecionado no mercado consumidor”, destaca. “Você tem a liberdade para viver a fé, mas você não pode utilizar a sua religião para promover a discriminação.”

Ele aponta, ainda, que a produção de um convite de casamento não necessariamente valida ou expressa concordância com o casamento homoafetivo. Portanto, a liberdade religiosa do prestador não está sendo infringida. “Ele não está escrevendo no bolo que o estabelecimento apoia o casamento homoafetivo, logo não houve restrição a sua liberdade religiosa.”, reforça. O ato de negar o serviço, por outro lado, afeta diretamente aqueles que são discriminados.

Iotti esclarece que, ainda que seja permitido negar serviços que explicitamente promovam discurso de ódio ou discriminação, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor proíbe práticas abusivas, como negar a venda ou a prestação de serviços a quem está disposto a pagar baseado na orientação sexual. Além disso, a legislação estadual de São Paulo, através da Lei 10.948/2001, penaliza atos discriminatórios incluindo os praticados contra a comunidade LGBT, impondo sanções que variam de advertências a multas.

Um caso semelhante gerou repercussão nos Estados Unidos em 2023. À época, a Suprema Corte determinou que empresas podem recusar atendimentos a clientes LGBT+ caso a prestação do serviço represente uma violação às crenças religiosas e às convicções pessoais dos proprietários dos estabelecimentos.

O que fazer em casos de discriminação

Em casos de recusa na prestação de serviços, venda de produtos ou atendimento discriminados por raça, cor, gênero ou orientação sexual, o consumidor lesado deve registrar um boletim de ocorrência detalhando a origem da discriminação.

Nos casos de LGBTfobia, é possível levar o caso diretamente ao Ministério Público, sem necessidade de representação por advogado, ou buscar reparação em juizados de pequenas causas, com a ressalva de que os valores de indenizações por danos morais podem ser limitados.

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