Cultura

Três facetas do cinema político na Berlinale

No Festival de Berlim, um trio de obras da seção principal retrata a temática de perspectivas distintas

Em Vice, Bale interpreta Cheney (Foto: Divulgação)
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A Berlinale sempre foi considerada o mais político dos grandes festivais mundiais de cinema. Há também uma razão histórica. Durante muito tempo, o evento ligava Ocidente e Oriente. Na época da Guerra Fria, quando o Muro de Berlim ainda estava de pé, o Festival de Cinema de Berlim e os filmes exibidos nele eram uma ponte cultural para cineastas e público.

O festival tem mantido essa reputação, embora os assuntos mundiais tenham mudado nesse meio tempo. Nas mostras paralelas à competição pelo Urso de Ouro, nas seções Forum e Panorama, são exibidos tradicionalmente muitos filmes políticos, especialmente documentários. Mas também a mostra principal costuma incluir filmes que analisam a política e os acontecimentos recentes. E isso ocorre também este ano.

“O privado é político” é o lema desta edição, como anunciou o diretor do festival, Dieter Kosslick. Há pelo menos três filmes que refletem essa tese de maneira exemplar. Um deles é o americano Vice, que está em todas as bocas, porque o ator Christian Bale, no papel do ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney, tem ganhado todos os prêmios internacionais de melhor ator, sendo listado como um sério candidato ao Oscar. Bale foi praticamente o único astro de Hollywood no tapete vermelho desta edição do festival. 

Espionagem

thriller de espionagem The operative, do diretor israelense Yuval Adler, também oferece um cinema decididamente político, lida com as entranhas dos conflitos no Oriente Médio e no Oriente Próximo, tem israelenses e iranianos, alemães, britânicos e americanos, numa história envolvendo terrorismo e espionagem.

A contribuição turca para a competição, A tale of three sisters (um conto de três irmãs, em tradução livre), conta uma história no interior da Anatólia, envolvendo, entre outras coisas, o relacionamento entre os sexos. Dos três, é o filme que mais se afasta do cinema político clássico. Mas, mesmo aqui, o espectador logo suspeita: a sociedade patriarcal, tal como apresentada pelo diretor Emin Alper, esconde dinamite política – ainda que possivelmente ela só venha a explodir num futuro próximo.

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São três abordagens esteticamente muito diferentes para lidar com política na tela. Vice, do diretor Adam McKay, é uma biografia de político clássica, conta a vida e obra de Cheney – clássico, entretanto, apenas no sentido da narrativa e da representação. O filme de McKay se aproxima muito da série House of Cards: Dick Cheney (Christian Bale) não fica muito atrás do diabólico Frank Underwood.

Cheney, que foi um vice poderoso do presidente George W. Bush de 2001 a 2009, é hoje considerado por muitos especialistas como o principal mentor por trás da política dos EUA naqueles anos. McKay nos apresenta o personagem como um astuto manipulador, dando as cartas em Washington, controlando nos bastidores as personagens do jogo político – incluindo seu chefe, o presidente.

Berlim, o mais político dos festivais (Foto: AFP)

Tanto direção como o roteiro expõem claramente como Cheney misturava inescrupulosamente interesses (econômicos) privados com política. Enquanto tais filmes políticos críticos continuarem vindo de Hollywood, não será preciso se preocupar com o cinema americano.

Especialmente interessante é o modo como Vice é realizado. Nele, parece que o documentarista mais famoso dos EUA, Michael Moore, deixou também sua marca em filmes de ficção. O humor, a sátira afiada, na imagem e no som: tudo isso lembra as sátiras fílmicas de Moore sobre a política e a sociedade dos EUA.

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Sutilezas

O diretor israelense Yuval Adler se move no cenário clássico de filmes de espionagem quando envia uma agente do Mossad (interpretada pela estrela alemã Diane Kruger) a Teerã, Israel e Alemanha. Yuval afirmou em Berlim que não teve em mente um filme no estilo de James Bond – e se alguém procura por modelos, então a primeira coisa que vem à mente é uma popular série americana.

Quando Kruger anda por Teerã com um lenço na cabeça, lembra muito Carrie Mathison na série Homeland. E aqui também são os conflitos humanos, a reflexão sobre o bem e o mal e a sempre presente questão sobre como alguém pode preservar sua inocência exercendo o ofício de agente que estão em primeiro plano.

Já A tale of three sisters é cinema político em um sentido mais sutil. Nele, o que está em destaque é o “privado” que talvez acabará se tornando algo político. Três irmãs numa aldeia da Anatólia retornam da cidade de volta para a aldeia trazendo más experiências. Apenas o pai e o marido da filha mais velha ainda moram na casa. Os conflitos explodem.

O diretor Emin Alper mostra como é a vida, num mundo estritamente dominado por homens, para as mulheres, que até dispõem de liberdades quando estão entre si, falam de forma surpreendentemente aberta quando estão sozinhas. Uma constatação desse filme contido, que também tematiza a fúria das protagonistas femininas é que isso não será assim para sempre, mesmo no interior da Anatólia Central.

Todos os três filmes estão na mostra competitiva da Berlinale, embora Vice e The Operative estejam “fora de competição”, então eles não podem ganhar prêmios. Um regulamento que nenhum espectador e ninguém no mundo profissional entende direito. Por que esses filmes não passam – como tantos outros na Berlinale – simplesmente em uma das muitas mostras paralelas? Mas isso é obviamente política do festival – e uma história totalmente diferente.

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