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Tudo ou nada

Netanyahu aposta no prolongamento do conflito para se manter no poder

Os israelenses culpam o primeiro-ministro pelas falhas de segurança. O persistente Netanyahu procura ganhar tempo – Imagem: Fadel Senna/AFP e Amos Ben Gershom/Gabinete do Primeiro Ministro de Israel
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Pouca coisa mudou no mês em Ofakim, cidade israelense da classe trabalhadora atacada pelo Hamas, desde o início dos ataques devastadores do grupo militante palestino em todo o sul de Israel. As casas atingidas por granadas lançadas por foguetes não foram consertadas, e os veículos cheios de buracos de balas continuam nas ruas. Na rua Ha-Tamar, onde cerca de 20 moradores morreram, Arsem Miller, 25 anos, era o único construtor que trabalhava na tarde de quinta-feira, 7 de outubro. Ele trabalhava na casa antes dos ataques, segundo disse, e acredita que os andaimes e as janelas sem vedação foram o motivo pelo qual os integrantes do Hamas não se aproximaram do prédio, pensando que estivesse vazio. “Não tem havido muita ajuda do governo, temos de fazer tudo sozinhos”, afirmou. “Minha mulher levou o bebê para a Romênia, de onde viemos, com passagem só de ida, mas eu tive de ficar para trabalhar. Não sei quando eles voltarão. Sempre votei em Netanyahu ou em Bennett (Naftali, político de direita), mas ele tem de sair agora. Eles dormiram na direção.”

Para dizer o mínimo, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais antigo de Israel e líder do partido conservador Likud, é uma figura divisiva. Para seus apoiadores, ele é o “Rei Bibi”, o autodenominado “Senhor Segurança e Senhor Economia”, defensor ferrenho dos eleitores mais religiosos e da classe trabalhadora de Israel contra as elites liberais. Os críticos o chamam de egoísta, que coloca o próprio futuro antes do que é melhor para o país, recusando-se a renunciar, apesar de anos de escândalos e julgamentos de corrupção que teriam encerrado a carreira de qualquer outro político.

Depois dos massacres do Hamas e da nova guerra na Faixa de Gaza, parece que a maior parte de Israel está nesse último campo agora. No meio de uma onda incomum de união num país profundamente polarizado, enquanto os israelenses se irmanam para apoiar o esforço de guerra, um novo mantra político está reunindo Israel: Netanyahu tem de sair. “Basta”, disse Yuri Elkhazov, 55 anos, também de Ofakim, que se abrigou com sua família durante 17 horas atrás do balcão da cozinha enquanto o Hamas atacava do lado de fora. “Precisamos de líderes em quem possamos confiar para nos manter seguros.”

Os números do primeiro-ministro nas pesquisas desde o início da guerra são péssimos e só têm piorado, mesmo entre os principais eleitores do Likud, em grande parte devido à sua recusa em pedir desculpas pelos erros de segurança e inteligência cometidos por seu governo. Os resultados da pesquisa realizada pelo Instituto de Democracia de Israel, grupo de pensadores de Jerusalém, mostraram que apenas 7% dos entrevistados confiam em Netanyahu para levar a guerra adiante. Seu apoio caiu para 39%, conforme uma pesquisa do Instituto de Liberdade e Responsabilidade da Universidade Reichman.

“Existem dois cenários equilibrados aqui”, avalia Dahlia Scheindlin, estrategista política e pesquisadora de políticas da Fundação Century. “O primeiro são os números das pesquisas de Bibi, que são ruins e continuam a piorar. Não parece que ele irá se recuperar diante da opinião pública, e quanto ao seu legado… esta é uma mancha que marcará seus 30 anos de carreira.” Scheindlin pondera, no entanto: “Mas ele já se recuperou de outras coisas das quais nenhum outro primeiro-ministro conseguiria se recuperar. Existe a possibilidade de que, se houver teoricamente a percepção de que Israel está vencendo a guerra, os índices de apoio a Bibi voltem a subir”.

A popularidade do premier despencou desde os ataques do Hamas e continua a cair

Correligionários do Likud deram entrevistas anônimas, nas quais sugeriram que os dias do primeiro-ministro no cargo estão contados. Em nível internacional, a Casa Branca negou a notícia de que Joe Biden havia dito a mesma coisa ao dirigente israelense durante a visita do presidente norte-americano no mês passado. Caso verdadeira, seria uma grave acusação da capacidade de Netanyahu para o cargo feita pelo principal aliado de Israel. Mas um voto de desconfiança teria de vir de sua coligação de partidos de extrema-direita e ultraortodoxos. É improvável que isso aconteça no meio de uma guerra.

Embora o país tenha se unido em torno da bandeira e apoie amplamente a guerra em Gaza, não está claro quantas baixas o público vai tolerar, com 28 soldados mortos até agora na ofensiva terrestre durante uma semana. O crescente número de mortos será provavelmente mais parecido com as perdas sofridas na guerra de independência de Israel em 1948, ou na guerra-surpresa do Yom Kippur lançada pelo Egito e a Síria há 50 anos, do que com os conflitos travados contra o Hamas nas últimas duas décadas.

“Dois integrantes da minha unidade foram mortos em Gaza”, relata Jacob Bussman, 24 anos, comandante reservista de um pelotão estacionado em Ofakim. Dono de uma startup, ele tinha acabado de cumprir o serviço militar obrigatório quando a guerra eclodiu, e regressou de uma visita à família na Alemanha para se voluntariar. “Não sei o que acontecerá a seguir, mas sei que nunca vi Israel tão unido antes.”

O futuro de Netanyahu depende de a guerra erradicar o Hamas de Gaza, disse Scheindlin. “O que ainda não compreendemos são as questões mais profundas que os israelenses se fazem. Quais são as capacidades dos nossos serviços de segurança e inteligência, qual é a sustentabilidade da nossa abordagem aos palestinos. Netanyahu é apenas a ponta do ­iceberg, e por baixo há questões fundamentais para as quais precisamos de respostas sobre o futuro do Estado israelense.” •


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tudo ou nada’

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