CartaCapital
Trabalho escravo/ Bebida amarga
As vinícolas flagradas culpam os programas sociais por falta de mão de obra


O deplorável episódio é representativo de como funcionam as relações trabalhistas no último país das Américas a abolir formalmente a escravidão. Na quarta-feira 22, uma operação resgatou 207 trabalhadores em condições análogas à escravidão que atuavam na colheita e no carregamento de uvas na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. Contratados por uma prestadora de serviços das vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi, as vítimas eram submetidas a jornadas exaustivas, dormiam em alojamentos precários e ainda sofriam ameaças e castigos físicos de capangas armados, inclusive com choques elétricos e spray de pimenta.
A operação foi deflagrada após um grupo de trabalhadores conseguir escapar da vigilância e denunciar as práticas da Fênix Serviços de Apoio Administrativo. A empresa teria aliciado agricultores no interior da Bahia com a promessa de salários de até 4 mil reais, mas eles já chegavam ao Sul endividados com despesas de alimentação e transporte. Em situação de servidão por dívidas, eles eram acordados para trabalhar às 4 da manhã e só retornavam ao alojamento às 9 da noite. Sem poder sair, precisavam comprar produtos dos empregadores por preços superiores aos do mercado. Quem não tinha dinheiro na mão recorria a empréstimos com juros extorsivos, que chegavam a 50% ao término da safra.
Após a revelação desses horrores, as vinícolas alegaram desconhecer as violações trabalhistas praticadas pela empresa terceirizada, como se não tivessem responsabilidade solidária pelos crimes em sua cadeia produtiva. Ao sair em defesa das empresas, o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves, conhecido pela sigla CIC-BG, foi além: responsabilizou os programas sociais pela falta de mão de obra no campo. “Há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade.”
Não bastasse, um vereador da cidade vizinha de Caxias do Sul sugeriu que as vinícolas de Bento Gonçalves “não contratem mais aquela gente lá de cima” para trabalhar nas colheitas. “A única cultura que os baianos têm é viver na praia tocando tambor”, disse Sandro Fantinel, do Patriotas. Por conta do discurso xenófobo, o vereador acabou denunciado à Polícia Civil pelo deputado estadual Leonel Radde, do PT, e agora se diz arrependido das declarações feitas na tribuna da Câmara Municipal.
Imagem: EB
Paiva, o pacificador
“Não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade (na vitória de Lula nas eleições). Infelizmente, foi o resultado que, para a maioria de nós, foi indesejado, mas aconteceu”, disse o general Tomás Paiva a subordinados em 18 de janeiro, três dias antes de assumir o comando do Exército. Gravado de forma velada por um dos presentes na reunião ocorrida no Comando Militar do Sudeste, o áudio foi revelado pelo podcast Roteirices na terça-feira 28. Em recente encontro com generais da ativa, Paiva confirmou a autenticidade da gravação, mas esclareceu que a declaração buscava “pacificar” temas políticos dentro da caserna.
Lava Jato 1/ Mais um ídolo com pés de barro
O CNJ afasta Bretas por desvio de conduta e favorecimento de aliados
O juiz fluminense é um dileto aluno da escola de Moro – Imagem: Ilan Pellenberg/Agif/AFP
Por 12 votos a 3, o Conselho Nacional de Justiça decidiu afastar o juiz Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. O colegiado instaurou um Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado, acusado de desvio de conduta e possível favorecimento de aliados políticos nas decisões judiciais tomadas nos processos que analisava. Bretas permanecerá afastado até a conclusão do caso.
Amigo pessoal de Wilson Witzel, o juiz é acusado de participar de negociações irregulares a partir de delações premiadas para favorecer o ex-governador, cassado por corrupção. Da mesma forma, pesa contra ele a denúncia feita pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, da suposta atuação política de Bretas na eleição de 2018 em favor de Witzel, contribuindo para a vitória do ex-governador nas urnas.
Assim como aconteceu com o ex-juiz Sergio Moro, algumas ações que estavam sob a responsabilidade de Bretas já haviam sido retiradas das mãos dele pelo STF. Até o final da apuração do processo disciplinar, os casos da Lava Jato fluminense que estavam sob a responsabilidade dele serão conduzidos pela juíza substituta Caroline Vieira.
Fake news em debate
Após anos de terra sem lei nas redes sociais, o governo lançou várias frentes de combate à desinformação e ao discurso de ódio. Há iniciativas no Ministério da Justiça, na Advocacia-Geral da União e na Secretaria de Comunicação, além dos projetos de regulamentação no Congresso. Para discutir se as propostas são as melhores formas de conter a máquina de mentiras, os eventuais riscos à liberdade de expressão e até que ponto as Big Techs estão empenhadas em coibir os abusos, CartaCapital promove mais um webinar gratuito da série Diálogos Capitais. O evento será transmitido ao vivo, em nosso canal no YouTube, na próxima terça-feira, 7 de março, a partir das 9h30. Entre os palestrantes confirmados, figuram João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secom, Alana Rizzo, head de políticas públicas do YouTube Brasil, Dario Durigan, head do WhatsApp Brasil, e Thiago Tavares, presidente da Safernet. Participe do debate em nosso chat.
Lava Jato 2/ Garantista de ocasião
Flávio Bolsonaro pede afastamento de juiz por “afinidade” com LulA
Agora, quem diria, ele se preocupa com a imparcialidade judicial – Imagem: Marcos Oliveira/Ag.Senado
Ainda se habituando a fazer oposição no Senado, Flávio Bolsonaro solicitou na quarta-feira 1º que o Conselho Nacional de Justiça determine o afastamento do atual relator dos processos da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba. Segundo o filho Zero Um do ex-presidente, o juiz Eduardo Appio demonstrou “afinidade ideológica” com Lula nas últimas eleições.
Ao longo do ano passado, Appio utilizou como identificação digital no sistema processual da Justiça do Paraná o código LUL22, fato que, segundo Flávio, comprova a “potencial parcialidade do magistrado” e justifica seu afastamento. O juiz confirma a utilização do código eletrônico, mas nega que este tenha relação com Lula ou com a campanha eleitoral. Enquanto aguarda o posicionamento do CNJ, Appio tem retomado as audiências com as testemunhas. O juiz afirma querer dar celeridade aos 250 processos da Lava Jato ainda em tramitação em Curitiba.
Interferência/ Bisbilhotagem impune
Receita confirma pressão para abafar devassa a desafetos de Bolsonaro
O capitão usou a estrutura do órgão para perseguir inimigos – Imagem: Alan Santos/PR
Na quarta-feira 1º, a Receita Federal confirmou que o corregedor João José Tafner relatou ter sofrido pressão por parte do comando do Fisco durante o governo Bolsonaro para arquivar um processo disciplinar contra o chefe de Inteligência do órgão. Em julho de 2019, Ricardo Feitosa acessou e copiou dados fiscais sigilosos de desafetos do então presidente, entre eles o empresário Paulo Marinho, o ex-ministro Gustavo Bebiano, já falecido, e o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, responsável pela investigação do caso das “rachadinhas” no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O corregedor afirma que, quando recomendou a demissão de Feitosa, o pedido foi arbitrariamente arquivado pelo então secretário da Receita Federal, Júlio César Vieira Gomes, que nega a acusação. Agora, o novo governo, por intermédio da Corregedoria do Ministério da Fazenda, vai investigar se Tafner cometeu crime de prevaricação ao não denunciar o caso após ter sido pressionado pelo superior. A decisão final sobre as eventuais demissões caberá ao ministro Fernando Haddad.
Dividendos indecentes
Os acionistas da Petrobras viveram um momento de glória na quarta-feira 1º, quando o Conselho de Administração anunciou um lucro de 188,3 bilhões de reais em 2022 – alta de 76,6% em relação ao ano anterior. Com isso, a empresa teria de distribuir 35,8 bilhões em dividendos, mas a nova gestão cogita reter 6,5 bilhões em uma reserva estatutária. A medida é uma resposta à crescente pressão do PT por mudanças na partilha dos lucros . “Agora é rever a indecente distribuição de dividendos para a Petrobras voltar a investir e a fazer o Brasil crescer”, disse Gleisi Hoffmann, presidente do partido, logo após a divulgação do resultado.
Ministro de Lula/ O cowboy da Esplanada
Juscelino Filho recebeu diárias do governo para ir a leilão de cavalos
O colaborador do União Brasil não para de causar constrangimentos – Imagem: Redes sociais
Indicado pelo União Brasil, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, não para de causar embaraços ao governo Lula. Depois de admitir que usou recursos do “orçamento secreto”, quando era deputado federal, para pavimentar estradas que dão acesso a fazendas de familiares e de incluir nomes de laranjas na prestação de contas à Justiça Eleitoral, Juscelino Filho usou um avião da FAB e recebeu diárias pagas pelo governo para participar de leilões de cavalos de raça em São Paulo.
O ministro cumpriu curta agenda de trabalho no estado entre a tarde de 26 de janeiro e a manhã do dia seguinte, mas estendeu a permanência até o domingo 29. Apaixonado por cavalos, ele aproveitou o fim de semana para acompanhar leilões de animais em Boituva, a 122 quilômetros de São Paulo. Embora tenha trabalhado menos de 24 horas, Juscelino Filho recebeu diárias por todos os dias em que esteve na capital e no interior paulista, inclusive aqueles dedicados ao seu hobby milionário, denunciou o jornal O Estado de S. Paulo.
Por lei, as diárias destinam-se ao reembolso de gastos extraordinários de servidores em viagens a trabalho. A interlocutores, Lula disse esperar que Juscelino Filho se explique. Enquanto isso, cresce a pressão para demitir o incômodo aliado.
Irã/ Receita explosiva
ONU encontra urânio enriquecido em nível próximo da produção de bombas
Teerã alega que são “flutuações não intencionais” – Imagem: Redes sociais
Um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica divulgado na terça-feira 28 afirma que a usina nuclear de Fordo, no Irã, está produzindo urânio enriquecido em 83,7%. O nível é próximo aos 90% necessários para a produção de armas atômicas e deixou o governo dos EUA e a ONU de cabelos em pé. Os traços do produto foram colhidos durante inspeção da AIEA em janeiro. A agência também denunciou que as centrífugas utilizadas para o enriquecimento de urânio na usina foram reconfiguradas sem aviso prévio, uma violação ao acordo nuclear firmado pelo país em 2015.
Teerã afirma que “flutuações não intencionais” no nível de enriquecimento podem ter acontecido durante a troca dos cilindros de alimentação dos reatores. No acordo firmado há oito anos, o Irã comprometeu-se a não exceder os 60% de enriquecimento de urânio, mas a AIEA afirma que desde a inspeção anterior o estoque do material no país subiu de 25,2 quilos para 87,5 quilos, o que “não exclui a possibilidade de fabricação de dispositivos nucleares explosivos”.
Tragédia repetida
A tentativa desesperada de chegar à Europa sem esperar meses por trâmites legais em acampamentos de refugiados causou mais uma tragédia no Mar Mediterrâneo. Após bater nas rochas na costa de Cotrone, sudoeste da Itália, uma embarcação afundou com cerca de 180 pessoas, que pagaram até 8 mil euros para fazer a travessia ilegal. Até a quarta 1º, três dias após a tragédia, 63 corpos foram retirados do mar e outras 30 pessoas permaneciam desaparecidas. O naufrágio ocorreu menos de 24 horas após o Parlamento italiano aprovar uma lei que limita o resgate de refugiados no mar por organizações humanitárias.
Fundo Amazônia/ Ficou na promessa
Kerry assegura que os EUA vão investir, mas não menciona valores
Marina Silva espera dobrar a reserva disponível para a floresta – Imagem: Evaristo Sá/AFP
Em encontro com a ministra Marina Silva realizado na terça-feira 27, o enviado especial do governo dos EUA para o clima, John Kerry, reafirmou a promessa feita por Joe Biden a Lula de que seu país entrará no rol de doadores ao Fundo Amazônia. Hoje alimentado por Noruega e Alemanha, o Fundo conta com quase 3,4 bilhões de reais, mas ficou paralisado durante os quatro anos de política antiambiental de Jair Bolsonaro. Com a entrada dos EUA, a expectativa no governo brasileiro é pelo menos dobrar sua dotação.
Mas não dá para contar com o aporte de recursos tão cedo. Kerry evitou assumir qualquer valor específico de aporte e explicou que tudo dependerá da aprovação de 13 bilhões de dólares contidos em projetos diversos que tramitam no Congresso norte-americano, dividido com a oposição republicana. “Temos propostas bipartidárias, mas haverá uma luta pelo caminho”, alertou. Se concretizado, o aporte direto ao Fundo Amazônia será uma novidade na diplomacia dos EUA, que costumam realizar suas doações através da agência governamental Usaid.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1249 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE MARÇO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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