Psicodelicamente

Revista digital independente de jornalismo psicodélico, apoiada pelo ICFJ (International Center for Journalists), que agora passa a ser também um blog quinzenal no site da CartaCapital

Psicodelicamente

Colorado estabelece normas iniciais para terapias com psicodélicos

Ainda preliminares, as normas focam qualificação de facilitadores, atendendo requisitos da lei estadual americana para educação e formação

Em dezembro passado, o congresso americano aprovou legislação que inclui o financiamento de ensaios clínicos com psicodélicos para militares na ativa (Foto: Unsplash)
Apoie Siga-nos no

Um dos temas mais discutidos no ano passado, inclusive no Brasil, foi a legalização dos cogumelos alucinógenos, conhecidos como “mágicos”, que contêm psilocibina, ocorrida no Colorado, Estados Unidos, no final de 2022. A decisão permitiu a formação de centros de tratamento sob regulamentação estadual para a utilização da substância em terapias de saúde mental. Assim, o Colorado se tornou o segundo estado nos EUA a permitir o uso desses compostos para fins terapêuticos, sem necessidade de prescrição médica, seguindo o exemplo do Oregon. 

Na ocasião, os eleitores do Colorado aprovaram uma ampla medida de reforma das políticas de drogas que, além de legalizar a terapia com psilocibina (presente nos cogumelos mágicos, do tipo Psilocybe), descriminalizou para uso pessoal, outras drogas psicodélicas, como DMT (dimetiltriptamina), ibogaína e mescalina.

Desde então, não é crime possuir os chamados medicamentos naturais, cultivá-los em propriedade privada ou oferecê-los a adultos acima de 21 anos – ou seja, quem fizer isso não corre mais o risco de ser preso. Entretanto, a venda dos psicodélicos mencionados acima continua sendo ilegal. Por outro lado, a lei permite a comercialização de serviços de redução de danos, educação e orientação, associados ao uso de alucinógenos.

Agora, em fevereiro deste ano, o Dora (sigla em inglês para Departamento de Agências Reguladoras) apresentou o primeiro projeto de regras para o mercado regulamentado de medicamentos naturais do Colorado ao Conselho Consultivo de Medicina Natural. Ainda preliminares, as normas focam na qualificação de facilitadores, atendendo requisitos da lei estadual para educação e programas de formação. 

Estas áreas serão supervisionadas pelo Dora através de um gabinete de medicina natural. De acordo com uma análise divulgada na newsletter Psychedelic Alpha, antes de se tornarem definitivas, as diretrizes estão ainda sujeitas a uma avaliação das partes interessadas e consulta pública. A primeira reunião sobre o tema será realizada esta semana.

A análise, assinada pelo Vicente LLP, um escritório americano de advocacia especializado em cannabis e psicodélicos, defende que o projeto representa um marco significativo no desenvolvimento do mercado regulamentado de medicamentos naturais do Colorado. “Dá a população do estado o primeiro vislumbre de como as agências reguladoras deverão implementar a Lei de Saúde de Medicina Natural, aprovada pelos eleitores em novembro de 2022.” 

Também representa um avanço significativo para o uso regulamentado de psicodélicos, pois fornece uma estrutura para a integração dessas substâncias nos sistemas de saúde tradicionais, permitindo que profissionais médicos e de saúde mental incorporem esses tratamentos. De acordo com a equipe do Vicente LLP, “a proposta do Colorado traz uma melhoria significativa em relação ao observado no Oregon, onde os serviços de psilocibina e os cuidados de saúde mental estão separados por lei.”

O projeto de regras prevê duas licenças para quem pretende atuar com o uso terapêutico de psicodélicos, uma para “facilitador” e outra para “facilitador clínico”. Ambas exigem certificações que demandam uma boa quantidade de horas dedicadas à formação. 

A licença de facilitador será concedida para qualquer pessoa interessada na atividade, que conclua e seja aprovado em um programa de treinamento, enquanto a licença para facilitador clínico será restrita para indivíduos que possuam uma outra licença que envolve capacitação para diagnóstico e tratamento de condições médicas ou de saúde mental.

Os especialistas do Vicente LLP ressaltam ainda que o documento deixa muitas questões em aberto. Destacam a ausência de alguns tópicos, como regras éticas, padrões de prática e procedimentos disciplinares e citam exigências controversas, como a de que os participantes procurem autorização médica em determinadas situações. Ou seja, espera-se que as normas sejam revisadas e atualizadas antes do processo oficial de regulamentação, previsto para começar em maio de 2024. 

Descriminalização e regulamentação 

Também em fevereiro, dois legisladores da Califórnia apresentaram um projeto de lei para permitir que pessoas com 21 anos ou mais utilizem cogumelos psicodélicos com supervisão médica. Segundo reportagem da Associated Press, a proposta visa enfrentar a grave crise de saúde mental e de abuso de substâncias que afetam o estado.

A nova proposta chega após o governador democrata Gavin Newsom ter vetado no ano passado uma legislação que teria descriminalizado a posse e o uso pessoal de vários alucinógenos naturais, incluindo os cogumelos psicodélicos.

Outros estados americanos estão avançando em projetos de lei para descriminalizar e regular o acesso a drogas psicodélicas, conforme aponta um artigo do The Journalist’s Resource, publicado no Brasil pela Psicodelicamente. Em Massachusetts, deputados também estão trabalhando em um projeto de lei que pretende legalizar a psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos alucinógenos. O mesmo ocorreu no Arizona onde também foi elaborada uma proposta que disponibilizaria essa mesma substância como uma opção de tratamento de saúde mental.

Em dezembro passado, o congresso americano aprovou legislação que inclui o financiamento de ensaios clínicos com psicodélicos para militares na ativa. E em janeiro deste ano, o Departamento de Assuntos de Veteranos anunciou um financiamento para pesquisas com MDMA, também conhecido como ecstasy, e psilocibina, para tratar veteranos com Tept (transtorno de estresse pós-traumático) e depressão. 

Esta é a primeira vez desde a década de 1960 que o órgão financia pesquisas com esses compostos, segundo o departamento. Um importante passo para retirar essas substâncias do underground onde foram confinadas desde o início da proibição na década de 1970, na esteira da falida guerra às drogas promovida pelo governo americano.  

Vale lembrar também que, conforme já noticiado aqui neste blog,  recentemente a FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa dos EUA) aceitou o pedido para agilizar a análise do registro de novo medicamento para terapia assistida por MDMA, no tratamento de Tept. A aprovação está prevista para o início de agosto e deverá forçar a DEA, a agência antidrogas americana, a rever a proibição da droga. 

No Brasil, país com a maior população de pessoas com depressão da América Latina, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) também se espera avidamente por avanços na legislação. Alguns poucos sinais indicam movimentações nessa direção. Um deles, noticiado aqui neste blog, foi uma reunião realizada no final de 2023 que teve como propósito debater a regulamentação do uso terapêutico de psicodélicos. 

O encontro, convocado pelo Inmetro, teve a participação de agências reguladoras, como a Anvisa, grupos de pesquisa, startups e organizações do terceiro setor, entre elas, a Scirama e a APB (Associação Psicodélica do Brasil). Resta saber quais os desdobramentos e frutos dessa conversa. Se é que virão. Aguardemos.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo