Psicodelicamente

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FDA vai acelerar pedido de novo medicamento para terapia com MDMA

A decisão do órgão americano anima investidores e promete aquecer o setor, mas impõe um debate sobre o acesso às novas terapias

Comprimido para tratamento com MDMA. Foto: Divulgação
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No final de 2023, a Lykos Therapeutics (anteriormente chamada Maps Public Benefit Corporation) anunciou que havia enviado um pedido do registro de novo medicamento à FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa dos Estados Unidos), para terapia assistida por MDMA, no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático.

No início deste mês, a empresa divulgou um novo comunicado, informando que a FDA aceitou o pedido para agilizar a análise. A aprovação, prevista para o início de agosto, forçará a DEA, a agência antidrogas americana, a rever a proibição da droga, tornando-a disponível para uso médico prescrito.

O otimismo está de volta e está animando os investidores, o que deve dar um impulso ao setor. É também um momento oportuno para um debate mais amplo sobre o acesso às novas terapias.

Há algum tempo, especialistas vêm chamando a atenção para o alto custo dos tratamentos em desenvolvimento, o que representa um grande desafio. Especialmente em países como o Brasil, há o risco de esses tratamentos ficarem acessíveis apenas para a parcela mais rica da sociedade.

De acordo com dados recentes do IBGE, 7 em cada 10 brasileiros, ou seja, mais de 150 milhões de pessoas, dependem exclusivamente do SUS para tratamentos de saúde.

MDMA para traumas

No caso do MDMA, para solicitar a aprovação de um novo medicamento, é necessário apresentar os resultados de muitas pesquisas. Isso inclui dois estudos importantes da fase 3, que são aleatórios, com controle de placebo e duplo-cegos. Esses estudos avaliaram o quão eficaz e seguro é o uso da droga quando combinada com terapia psicológica em participantes que foram diagnosticados com a doença.

De acordo com a Lykos Therapeutics, os estudos conduzidos pela Maps (sigla em inglês para Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos), sob o comando do ativista antiproibicionista Rick Doblin atingiram seus objetivos primários e secundários.

O principal objetivo dos dois estudos era verificar como o tratamento afeta a intensidade dos sintomas do transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, um foco secundário importante era observar se houve melhorias nas dificuldades funcionais causadas pelo trauma. Segundo a empresa responsável, não foram registrados eventos adversos graves nos grupos tratados com MDMA.

A FDA concede revisão prioritária para medicamentos que, se aprovados, representam melhorias significativas na segurança ou eficácia do tratamento, diagnóstico ou prevenção de doenças graves quando comparados às terapias existentes em uso.

Investimentos esquentam setor

A animação do mercado não tem relação apenas com a possível aprovação da primeira terapia assistida por psicodélicos nos EUA, mas com o volume de evidências de novas pesquisas clínicas. O setor desde o ano passado tem reagido, voltando a registrar movimentações vultosas de investimentos na área.

Apesar de ser uma organização sem fins lucrativos, a Maps, por exemplo, pretende se tornar uma liderança na indústria farmacêutica de psicodélicos. Para isso, mudou até o nome de seu braço empresarial, a Maps PBC, que agora se chama Lykos Therapeutics.

A mudança foi anunciada após um aporte de US$ 100 milhões que veio de investidores privados, que agora se tornaram coproprietários da empresa. E a venda de ações, através da ex-Maps PBC, ocorre no meio de uma enxurrada de financiamentos que disputam um lugar ao sol no já acirrado mercado de tratamentos psicodélicos para doenças mentais difíceis de tratar com drogas convencionais. O entusiasmo é tanto que a concorrência no setor já foi comparada nos EUA a uma ‘nova corrida do ouro’.

A mídia internacional tem destacado com frequência os bons ventos que voltaram a soprar no campo da medicina psicodélica. Em 2023, o Wall Street Journal, por exemplo, já havia noticiado que o acordo com a Maps estava em andamento. No início deste ano, o jornal americano voltou a dar espaço para o tema, com outra matéria sobre a enorme onda de investimentos na área.

Entre os destaques, as cifras robustas da empresa Atai Life Sciences, de Christian Angermayer, que anunciou um investimento de US$ 50 milhões na Beckley Psytech, com sede no Reino Unido, uma empresa privada que desenvolve um medicamento psicodélico de ação rápida para a depressão.

O jornal falou ainda da Small Pharma, fabricante de psicodélicos também com sede no Reino Unido, que concordou em agosto de 2023 ser adquirida pela empresa canadense Cybin em um acordo de aquisição de ações.

Outra citada na reportagem é a empresa Compass Pathways, que divulgou uma venda de ações e warrants (títulos de garantia) de até US$ 285 milhões para gestores de fundos de hedge (denominação genérica para fundos de investimentos que aplicam em diversos mercados ao mesmo tempo).

O capital ajudará a empresa britânica a realizar testes clínicos até o final de 2025 com psilocibina – princípio ativo dos cogumelos popularmente conhecidos como ‘mágicos’ – para tratar a depressão. Vale lembrar que a Compass também é parcialmente propriedade da Atai.

A reportagem do Wall Street sublinha que a grande esperança é de que os psicodélicos possam ajudar milhões de pacientes. Mas pondera que os primeiros desenvolvedores devem passar pelo processo (caro) de aprovação regulatória.

O assunto também foi pauta este mês no Financial Times. A reportagem do diário britânico de economia informou que startups psicodélicas arrecadaram pelo menos US$ 163 milhões em cinco negócios em janeiro. Melhor mês em investimentos desde março de 2021.

Entretanto, o emergente mercado das terapias psicodélicas ainda está cercado por interrogações. Especialistas alertam para os desvios de finalidade que podem afetar o setor. Ou seja, a predominância de uma lógica mais focada no lucro do que exatamente na saúde ou em um acesso mais amplo e equilibrado aos novos medicamentos e tratamentos. Por outro lado, é impossível avançar sem mais pesquisas e novos investimentos.

O alto custo do acesso aos tratamentos psicodélicos já foi tema de uma reportagem recente do The Guardian. O jornal britânico, informou que a primeira clínica de terapia com psilocibina da Austrália (que em 2023, regulamentou o uso médico do MDMA e também dos cogumelos alucinógenos), está cobrando US$ 24 mil dólares australianos pelo tratamento (cerca de US$ 15,5 mil na moeda americana, algo em torno de R$ 76 mil reais). Preço alto, ainda mais se considerar que pesquisadores ainda estão estudando a eficácia da droga no tratamento da depressão.

Novo processo pode mudar decisão sobre psilocibina

Na fila dos novos tratamentos psicodélicos, os ‘cogumelos mágicos’ também parecem estar perto de ganhar sinal verde para avançar. Ainda assim, muitos que buscam acesso legal ao tratamento com a substância não conseguem.

Um caso emblemático que ganhou holofotes recentemente, e com chance de mudar esse jogo, é o do médico Sunil Aggarwal, do Advanced Integrative Medical Science Institute, de Seattle, que esteve envolvido em uma série de ações judiciais, sem sucesso, pleiteando acesso à psilocibina para pacientes em cuidados paliativos.

Agora a história parece perto de uma reviravolta. Aggarwal e sua equipe jurídica entraram com uma nova petição no Nono Circuito de Apelações dos EUA pedindo ao tribunal que revertesse a decisão final de 2022 da DEA, que negou o pedido de acesso.

Ao longo dos anos, a equipe jurídica de Aggarwal tentou outras vias de acesso ao medicamento para seus pacientes, como solicitar que a DEA reavalie as evidências existentes sobre a droga. Até agora, o médico também não teve êxito nesses esforços.

Mas, em novembro de 2023, a equipe de Aggarwal recebeu um primeiro sinal encorajador: o Nono Circuito decidiu a favor do médico, dizendo que a DEA não conseguiu explicar adequadamente sua rejeição ao pedido de acesso à psilocibina.

O requerimento solicita ao DEA que reclassifique o status dos ‘cogumelos mágicos’ na lista de substâncias controladas, da “Schedule I” (categoria mais restritiva de medicamentos, para drogas sem uso medicinal e com potencial de abuso) para a “Schedule II”, que flexibiliza uso médico . Se for atendido, fará uma grande diferença para os profissionais de saúde.

Na decisão, o tribunal americano declarou que a droga “deve ter o uso medicinal aceito nos Estados Unidos ou uma utilização com restrições rigorosas”.

Porém, o tribunal não estabeleceu um cronograma para a DEA tomar uma nova decisão. Segundo informou Kathryn Tucker, uma das advogadas de Aggarwal, ao The Microdose, newsletter do Centro para a Ciência dos Psicodélicos da Universidade da Califórnia em Berkeley, a agência americana deve apresentar uma resposta até o início de abril.

Parece mesmo que estamos à beira de uma nova revolução psicodélica, bem diferente daquela que marcou a geração da contracultura nos anos 60. Há vários sinais de que uma mudança significativa está por vir, o que pode impulsionar a adoção de novos tratamentos com esses compostos. Resta saber a que preço e quem terá acesso a eles.

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