Observatório da Economia Contemporânea

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O pós-neoliberalismo tardará a chegar por aqui?

Sem contrarrestar o poder econômico e sua ascendência sobre a mídia, persistirá o conjunto de políticas econômicas que marginaliza e semeia a desesperança na maioria

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Foto: EVARISTO SA/AFP
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A desigualdade entre pessoas, regiões e países está em seu auge. As mudanças climáticas demonstram a exaustão do planeta. A pandemia escancarou as fragilidades da globalização das cadeias de valor. Os empregos que permitiam alçar e permanecer em uma classe média baixa rarearam. Todas a promessas feitas pelo neoliberalismo foram rigorosamente descumpridas.

Falhou irremediavelmente a teoria que defende que o desenvolvimento geral seguiria a manutenção da riqueza em poucas mãos, a ideia que o consumo dos ricos impulsionaria o aumento da renda dos mais pobres. A falência do conceito conhecido como trickle-down, o consumo dos ricos transborda para a sociedade como um todo, já é aceita pela maioria dos economistas.

A discussão sobre o que virá substituir esses conceitos falhos já está em curso.

Política industrial

A edição de 10 de outubro do jornal conservador inglês Financial Times traz um artigo da colunista de negócios globais, Rana Foroohar, em que ela aponta a rota descendente do neoliberalismo. “Há mais de 40 anos, nasceu a revolução Reagan-Thatcher. Os impostos foram cortados. Os sindicatos foram esmagados. Os mercados foram desregulamentados e o capital global liberado. Mas os pêndulos econômicos oscilam”, diz ela.

O revés sofrido pela primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, ao propor corte de impostos para os ricos, é o primeiro exemplo citado por Foroohar: “a proposta de Truss saiu da pauta e sua liderança está em perigo”.

Ela afirma ter ouvido do secretário de comércio dos EUA que “esta administração quer desempenhar um papel maior na direção do lado da oferta do setor privado. Em particular, quer encorajar a fabricação de coisas, não apenas por meio do impulso para ‘comprar produtos norte-americanos’, mas por meio de uma mudança mais fundamental no foco da política de distribuição para produção. Isso significa política industrial.”

Os jornais lançam mão de seus colunistas e editoriais para dar sobrevida ao paradigma neoliberal

Repensando a Economia

O projeto da universidade de Harvard, Repensando a Economia (Reimagining the Economy), parte da compreensão que a economia está em transição dado que o consenso, anteriormente existente, desapareceu.

“As políticas predominantes não conseguiram produzir um crescimento econômico robusto e geraram maior desigualdade e insegurança econômica. As sociedades são reféns de crises financeiras, do avanço das mudanças climáticas e da falta de bons empregos. Quando ocorrem choques inesperados, essas vulnerabilidades são agravadas ainda mais.”

O projeto entende, ainda, que o descontentamento oriundo da insegurança, da iniquidade e da exclusão racial, está na base do fortalecimento de populistas autoritários nas eleições e da polarização política. O desaparecimento de empregos industriais, em empresas de energia, em vendas e em escritórios é uma das três formas que os problemas em curso atingem as pessoas comuns. Ademais, ampliou-se o hiato entre os grandes centros e as regiões retardatárias e diminuíram-se as oportunidades econômicas para as comunidades não brancas.

Contradizendo claramente os paradigmas neoliberais, “o projeto Reimagining the Economy explora o mercado de trabalho local, as políticas industriais e de desenvolvimento, combinadas com insights de profissionais, para produzir estudos multidisciplinares para reformular narrativas sobre como alcançamos a prosperidade inclusiva”.

Plano de ação Biden-Harris

Na mesma direção caminha o plano de ação econômica do governo Biden-Harris com cinco pilares:

Fortalecimento dos Trabalhadores: com mais empregos bem remunerados e maior poder do trabalhador para se sindicalizar e ter dignidade no trabalho.

Produção e construção nos Estados Unidos: investimento em infraestrutura, tornar os EUA líder mundial em empregos de energia limpa e inovação, reforçar nossa base de fabricação e compra de produtos feitos no país.

Alívio às famílias: redução de custos e expansão do acesso a medicamentos prescritos e cuidados de saúde de alta qualidade, internet de alta velocidade, educação, cuidados infantis e cuidados de longo prazo, moradia e outras necessidades essenciais.

Aumento da competitividade da indústria norte-americana: com combate à concentração corporativa, promoção de pequenas empresas e empreendedores, incluindo empresas pertencentes a minorias e mulheres, e apoio a cadeias de suprimentos resilientes.

Valorização do trabalho, não da riqueza: através de uma reforma tributária centrada no trabalhador que garanta que os ricos e as grandes corporações paguem sua parte justa e a não promoção de aumentos de impostos para quem ganha até 400 mil dólares anuais.

A interdição do debate no Brasil

Os principais jornais do País, assim como os principais canais de notícias, ocupam suas posições de colunistas de economia com jornalistas e economistas conservadores, inteiramente refratários às evidências da impotência das políticas que defendem para amenizar as questões que afligem a humanidade.

Além de seus colunistas, os jornais lançam mão do poder de seus editoriais para dar sobrevida ao paradigma neoliberal. A edição de domingo, 9/10, do jornal Folha de S.Paulo é modelar. Tentam comprometer Lula, o candidato à frente na pesquisas, com sua agenda reconhecidamente ultrapassada por inúmeros pesquisadores de ponta.

Não demanda grande esforço perceber-se a interdição desse debate no Brasil. A enorme pressão para que mantenhamos no próximo governo o receituário econômico, que há 40 anos concentra espetacularmente renda e riqueza e exaure a natureza, é comum a todos os meios hegemônicos de comunicação. Assim como é massivo o apoio de grande parte do empresariado, especialmente o financeiro, a Bolsonaro, mesmo ao custo evitável de centenas de milhares de vidas.

Sem contrarrestar o poder econômico e sua ascendência sobre a mídia, persistirá o conjunto de políticas econômicas que marginaliza e semeia a desesperança na maioria, empurrando-a para os braços do fascismo.

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