Economia

O SUS foi fundamental na pandemia. Mesmo assim, seus problemas de financiamento devem persistir

Mais do que nunca, é necessário recolocar na mesa o tema. Isso inclui apontar mais uma vez o subfinanciamento, mas requer um esforço maior

Foto: Pedro Guerreiro/Ag. Pará
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Desde a criação do SUS, em 1988, o financiamento das ações e serviços de saúde tem sido um problema. O regime de financiamento da seguridade social estabelecido pela Constituição em 1988 amarga desde aquela época um processo de desmonte progressivo, sempre sob o argumento da crise fiscal.

Foram propostas alternativas, sob a forma de percentuais orçamentários mínimos obrigatórios e novos tributos, como a CFMF. A prorrogação desta última foi rejeitada pelo Congresso em 2007 e, desde então, tentativas de restabelecer tributos específicos para o financiamento da saúde vêm sendo recusadas. Os percentuais orçamentários, por sua vez, têm se mostrado insuficientes.

Recentemente, o famigerado “teto de gastos”, impôs mais um obstáculo à efetivação da cláusula fundamental do direito à saúde. Além disso, o sistema de saúde “real” não é de fato único e, sim, um híbrido público-privado com um subsistema “suplementar” fortemente subsidiado pelo Estado.

Políticas econômicas contracionistas, articuladas com benefícios ao setor privado, em um país com altos níveis de desigualdade, criam uma barreira quase intransponível à consolidação de um sistema de saúde verdadeiramente universal.

A pandemia da Covid-19 gerou enorme pressão sobre os serviços de saúde. Isso, por si só, afeta os níveis de atividade econômica: as medidas necessárias para conter a disseminação do vírus e as incertezas e instabilidades geradas pela pandemia comprimiram o investimento e o emprego.

O governo se viu obrigado a tomar medidas emergenciais que desviaram temporariamente da política de restrição fiscal. Foi implementado um programa emergencial de garantia de renda. Porém, o valor e a abrangência dos auxílios foram reduzidos prematuramente, levando mais da metade das famílias brasileiras à situação de insegurança alimentar em 2021. 

Felizmente, a Covid-19 surge em um ponto da história em que contamos com autoridades sanitárias, especialistas e centros de pesquisa com capacidade para elaborar e propor rapidamente medidas de contenção. Em poucos meses, graças ao investimento substancial de recursos públicos em pesquisa e desenvolvimento, vacinas com bons níveis de eficácia e segurança foram desenvolvidas e distribuídas.

No Brasil, a grande capacidade tecnológica de laboratórios públicos como Biomanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, e o Instituto Butantan, em São Paulo, permitiu disponibilizar milhões de doses de imunizantes em curto espaço de tempo, a partir de acordos de cooperação com laboratórios internacionais. A organização e capilaridade do Programa Nacional de Imunizações e a extensa rede de serviços de atenção primária do SUS garantiram que as vacinas chegassem à população.

Ainda assim, a pandemia ceifou a vida de mais de 600 mil brasileiros. As medidas supressivas tiveram sucesso apenas relativo e o surgimento de variantes cobrou um preço alto.

Somente com o aumento da cobertura vacinal a pandemia começa a retroceder, mas chegamos ao final de 2021 sem termos alcançado ainda níveis seguros de imunização. A vacinação começou tarde, devido a circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas que incluem a insistência na recomendação de terapêuticas ineficazes e a adoção de teorias obscuras e duvidosas sobre “imunidade de rebanho”.

O SUS mostrou ser fundamental tanto na implementação de medidas de vigilância e controle quanto na assistência à própria doença e, como foi visto, por sua capacidade de produzir – pela ação dos laboratórios públicos – e distribuir milhões de doses de vacinas.

Tendo o SUS obtido, por seu desempenho no período de emergência sanitária, amplo reconhecimento público, incluindo setores da imprensa tradicionalmente críticos com relação aos seus (reais) problemas, ainda assim, é provável que, passada a fase aguda da pandemia, a problema do financiamento insuficiente e inadequado persista. Não somente pela persistência do dogma fiscalista, mas também por força dos interesses associados ao setor privado “suplementar” e seu poder de influência sobre as instâncias decisórias do Estado.

A pandemia mostra com clareza  que saúde é um bem público e não pode ser deixada à mercê de interesses privados e das forças cegas do mercado. Por isso, é mais do que nunca necessário recolocar na mesa o tema do financiamento das ações e serviços de saúde no Brasil. Isso inclui, certamente, apontar mais uma vez o subfinanciamento, mas requer um esforço de reflexão maior, que considere as tendências da economia global e os desafios relacionados à política macroeconômica no País, para que seja de fato possível reorganizar as redes de serviços revisando mecanismos de contratualização e remuneração.

Não menos importante, é crucial ampliar o controle público sobre o mercado de planos e serviços privados de saúde.

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