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O seu guarda-roupa eco não vai salvar o planeta

Se você quer ser ativista por um mundo melhor, não faça isso deixando-se levar por uma sustentabilidade corporativa e capitalista

Roupas orgânicas penduradas em ganchos de madeira. Foto: Björn Forenius
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Quando paro para pensar em todas as soluções que vêm sendo criadas em nome da sustentabilidade para dar conta dos impactos da indústria da moda nas pessoas e na natureza, fico impressionada com a quantidade de “alternativas” apresentadas via consumo: “Quer salvar a Amazônia? Compre essa camiseta”; “Quer gerar impacto social positivo? Compre dessa marca que doa (uma parte bem pequena de seus lucros) para uma ONG que atua com crianças em situação de pobreza”; “Quer fazer parte da circularidade na moda?”; “Traga uma roupa que você não usa mais para os postos de coleta dessa loja e ganhe desconto para comprar mais (e doar mais, e comprar mais, logo depois)”.

É como se o ato de comprar conferisse às pessoas uma camada de cidadania ativa. Politizamos o consumo. Então, é como se comprando mais produtos pudéssemos, de alguma forma, combater crises ambientais ou as desigualdades sociais. Isso me faz lembrar do documentário Forget?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> shorter showers (Esqueça os banhos curtos) que logo no início traz a pergunta: “por que agora, com o mundo em jogo, tantas pessoas se refugiam nessas ‘soluções’ inteiramente pessoais?” E continua sua narrativa baseado no princípio de que parte do problema é que somos vítimas de uma campanha de desorientação sistemática. Ou seja, a cultura do consumo e a mentalidade capitalista nos ensinaram a substituir atos de resistência política organizada por escolhas pessoais de estilo de vida.

Sabe aquela sensação boa de ser uma cidadã melhor para o mundo ao trocar o canudo de plástico pelo de metal, ou a sacola plástica pela de pano? Bom, um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) descobriu que uma sacola de algodão precisa ser reutilizada de 50 a 150 vezes para ter menos impacto no clima em comparação com uma sacola plástica descartável. Para ter uma pegada ambiental comparável às sacolas plásticas (que abrange a mudança climática e outros impactos ambientais), uma sacola de algodão deve ser usada 7.100 vezes, como indica um relatório da Agência de Proteção Ambiental dinamarquesa, quando comparada a uma clássica sacola plástica de supermercado que é reutilizada uma vez como saco de lixo.

Então, se por acaso você já tiver (muitas) sacolas reutilizáveis em casa e esquecer de levar quando for ao mercado, seria melhor, do ponto de vista climático, usar uma sacola de papel ou de plástico descartável no lugar de comprar uma reutilizável nova. Quero deixar claro que isso não quer dizer que as sacolas plásticas não sejam responsáveis por uma parcela significativa do lixo no meio ambiente – pelo contrário. Mas, por outro lado, comprar mais “eco-bags” também não significa agir na crise do clima.

O líder indígena Ailton Krenak já disse que a sustentabilidade é uma vaidade pessoal e que não dá para ficar numa ilha de fantasia dizendo que você é sustentável, porque não podemos ser sustentáveis em um mundo em desordem. Ele completa com a ideia de que existe uma série de equívocos envolvendo a ansiedade e a angústia das pessoas em se justificar diante do mundo: “ao invés da vida ser fruição, a vida vira um concurso.” Vale lembrar que, além de não ser um concurso, ter escolha em um mundo extremamente desigual já é um privilégio. Afinal, quem pode pagar por uma escolha sustentável? E quem não pode pagar é menos sustentável, pior cidadão, menos consciente? Há quem não tenha escolha. Em todo caso, a questão que eu coloco é: a saída será sempre pelo consumo? A escolha pelo lookinho verde vai mesmo nos “salvar”?

Assim, enquanto a moda sustentável continuar discutindo o tal consumo consciente, continuaremos colocando na conta de cada indivíduo um problema sistêmico global que envolve repensar o capitalismo, criar uma nova agenda para políticas pública e pressionar por boas práticas socioambientais e responsabilização das empresas por suas cadeias de valor. Envolve também essa visão retrógrada de como a indústria deve reagir aos problemas criados por ela mesma. Essas questões levaram o Instituto Febre, uma organização social dedicada a questionar o status quo da indústria da moda, a evidenciar e nomear as responsabilidades dos verdadeiros causadores dos impactos socioambientais e desmistificar o imaginário do ‘papel do consumidor’.

De acordo com a organização, fala-se muito sobre os impactos climáticos da indústria da moda, mas mesmo após anos de debate, o resultado gerado foi o de uma explosão de ‘coleções eco’, incluindo nas grandes marcas de fast fashion, e a formação uma nova rede de blogueiras de moda, porém agora com o apelo sustentável. Podemos contar nos dedos as iniciativas que, de fato, promovem alterações na forma como a cadeia produtiva está organizada e operando. Ao lançar seu manifesto, a Febre propõe uma abordagem interseccional sobre as problemáticas da moda, contemplando a diversidade como fundamento para a compreensão das camadas que se sobrepõem ao se tratar não só dos impactos da moda no clima, mas também suas intersecções com os direitos das mulheres, que formam a base da indústria.

Afinal, como lembra o manifesto, as evidências são claras: temos uma breve e rápida janela de oportunidade para garantir um futuro habitável. Passou da hora da indústria da moda extrapolar as campanhas de marketing e agir pela justiça climática e social. Isso retrata uma verdadeira angústia frente a tantos eventos catastróficos e a falta de ação por parte das grandes empresas do setor e do poder público. Precisamos de uma revisão de como a indústria da moda opera e exigir que isso seja feito já.

Se você quer ser ativista por um mundo melhor, não faça isso deixando-se levar por uma sustentabilidade corporativa e capitalista, mas confronte a natureza e a finalidade dos modelos de negócio e confronte o sistema em si. Você não estará só, porque a solução é coletiva.

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