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Bolsonaro insiste em estratégia de criminalizar favelas e disseminar desinformação

Nas redes sociais, seguidores do presidente espalham discurso de ódio contra as favelas e candidato ratifica a violência na TV

O ato de Lula no Complexo do Alemão foi alvo de declarações preconceituosas de Bolsonaro. Foto: Ricardo Stuckert
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*Por Pedro Vilaça e Iara Moura

A visita de Lula (PT) ao Complexo do Alemão na última quarta feira 12 trouxe à tona, mais uma vez, o racismo e o preconceito de bolsonaristas: com fake news e ódio, as redes sociais foram inundadas por mensagens que atacavam o bairro, outras favelas do Rio de Janeiro e o candidato do PT.

Os vídeos mentirosos mostravam supostos bandidos e traficantes comemorando a ida de Lula ao Alemão, imagens associando pessoas negras a bandidos procurados e desinformação sobre o boné que Lula usava foram apenas a ponta do iceberg.

Uma imensa onda de discurso de ódio, racismo e preconceito invadiu as redes bolsonaristas. Para além do conteúdo em si, nos choca o alcance que este tipo de conteúdo encontra nas plataformas digitais.

O boné de Lula

Uma das imagens que mais repercutiu foi a do boné de Lula com a sigla CPX, abreviatura da palavra “Complexo”. A sigla é amplamente utilizada pelos moradores para se referir ao conjunto de favelas da Zona Norte carioca. 

A sigla é bastante usada na internet para simplificar a digitação, citada também nas próprias redes sociais da Polícia Militar e consta no resumo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do governo estadual para 2023. É precisamente isso que a sigla significa: Complexo. Mas o termo foi apropriado de forma estratégica pela máquina de desinformação bolsonarista. 

O próprio Bolsonaro, negando essas informações, e os seus apoiadores – inclusive um senador eleito do PL, mesmo partido do atual presidente e seu filho Eduardo – não tiveram nenhum constrangimento em tratar a localidade como uma região de “bandidos” e afirmar que a sigla CPX estava associada a facções criminosas; uma grande mentira que ganhou força nas redes sociais.

Quase uma semana depois da visita de Lula, postagens enganosas sobre o assunto ainda estão publicadas em diversos perfis nas redes. Isso acontece mesmo após o posicionamento de moradores do Complexo, ativistas, defensores de direitos humanos, movimentos sociais e diversas agências de checagem atestarem que as informações divulgadas eram falaciosas. Até o momento que escrevemos este artigo, as publicações somam milhares de curtidas, compartilhamentos, comentários e seguem alcançando seguidores.

Reprodução de posts publicados por apoiadores de Bolsonaro

Uma das postagens que circula exibe a foto de Lula com o ator Diego Raymond, de 37 anos, atacado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A rede de desinformação bolsonarista compartilhou diversas mentiras contra o ator nas redes sociais, entre elas, que Diego “é um dos maiores bandidos do Rio de Janeiro”. Além do teor racista, essas mensagens podem trazer risco de vida imediato a Diego. Além do ator, trabalhadores e trabalhadoras que residem no Complexo do Alemão também receberam a pecha de bandidos.

Não é a primeira vez que moradores de favelas são criminalizados pelo presidente e seus asseclas. Ligar a imagem de vítimas de violência policial ou mesmo de comunicadores e ativistas destas comunidades ao crime organizado é uma estratégia não só para justificar a violência de Estado, mas também promover a morte de histórias de vida e silenciar denúncias sobre crimes e violações de direitos. Quando Marielle Franco foi assassinada, por exemplo, nas primeiras 24 horas circularam vídeos e montagens de fotos nas redes sociais associando a  vereadora a líderes do tráfico.

Histórico

A fórmula, infelizmente, parece ainda surtir efeito, e pode influenciar não só na disputa pelo eleitorado, mas também gerar riscos reais às vítimas de fake news. Em outras ocasiões, organizações da sociedade civil e o próprio Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) cobraram respostas céleres das plataformas digitais sobre a circulação de conteúdos deste tipo. 

Por meio da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão, o CNDH enviou, em julho de 2021, pedido de informações acerca de análises e procedimentos do Instagram com relação a retirada de conteúdos publicados por usuários sobre a chacina do Jacarezinho, operação policial na favela carioca que resultou na morte de 29 pessoas em maio do ano passado.

Segundo o documento, políticos que hoje apoiam a reeleição de Bolsonaro e outros perfis proliferaram conteúdos com teor racista e de disseminação de ódio contra vítimas da chacina e a população do Jacarezinho. Em explícito desacordo com as normas legais e infralegais sobre a dignidade humana, alguns perfis publicaram fotos da ação policial com a hashtag #FaxinaDoJacarezinho. Exemplo disso foram as postagens do deputado federal do Paraná (PSD) e policial militar reformado Sargento Fahur e da ex-presidenta do PSL Mulher Juciane Cunha. Esta última chegou a publicar vídeo comprovadamente falso em que relaciona mãe de vítima da chacina ao tráfico de drogas.

O conteúdo foi checado pela agência Aos Fatos e classificado como falso em 10 de maio de 2021. No entanto, até 4 de agosto do mesmo ano, a publicação seguia circulando. Tais exemplos, de flagrante incitação ao crime, à violência, com intuito de desinformar e difamar, contrastam com a rapidez na retirada de outros conteúdos supostamente em desconformidade com as políticas das plataformas. No caso da chacina do Jacarezinho, o Instagram tirou do ar rapidamente diversas postagens que denunciavam a ação violenta da polícia.

Cabe questionar por que os conteúdos enganosos seguem com tanto alcance, mesmo após os mecanismos de checagem, a mídia e a sociedade denunciarem? A quem interessa que o ódio circule em larga escala? Quem protege as vítimas expostas a falsos conteúdos? São perguntas ainda sem resposta.

Mídia tradicional também tem responsabilidade

Já analisamos a conduta da mídia tradicional, de seus programas e a triste implicação desses absurdos na realidade. O caso da operação policial mais letal da história, que ocorreu em 2021, no Jacarezinho, foi emblemático pela cobertura dos programas policialescos que aplaudiram o que chamaram de operação bem sucedida. 

Rennan Leta, poeta, jornalista, umbandista e coordenador do Favela em Desenvolvimento, escreveu que “É essa conduta pseudojornalística, de desumanização dos corpos negros e favelados, que ajuda a perpetuar a visão da sociedade de que a favela é um território marginalizado e todos os seus moradores são bandidos, ainda que nunca tenham entrado para o tráfico”.

Boa parte do discurso de ódio bolsonarista alimenta e é alimentado pelos programas policialescos. “Jornalismo da grande mídia, sobretudo as grandes emissoras de TV, continua sendo feito majoritariamente por jornalistas que mal saem das redações e sequer pisaram nos territórios que estão cobrindo. Este é um erro sistemático do jornalismo. As matérias, geralmente, são pautadas pelos releases da própria Polícia Militar por falta de conhecimento territorial, o que gera a invalidação das falas dos moradores ou, muitas vezes, estes sequer são ouvidos sobre toda a situação que aconteceu”, continua Rennan.

O governo de morte comandado por Bolsonaro nega toda a diversidade cultural e política das favelas do Rio de Janeiro e do Brasil. O Complexo do Alemão, ou simplesmente Alemão, é um bairro que abriga um dos maiores conjuntos de favelas do município do Rio de Janeiro. Os ataques negam a diversidade social da região.

Sabe quando esse Estado aparece nas favelas do Brasil? Para colocar câmeras de reconhecimento facial, reforçando a lógica racista das políticas de segurança pública no Brasil, e para promover chacinas. A infraestrutura falta, mas o “moderno”, caríssimo e pouco efetivo aparato de segurança está cada vez mais presente.

Tudo isso fortalecido pela desinformação e discurso de ódio dos policialescos e das redes sociais. 

A cortina de fumaça

Um dos papéis da desinformação é tirar o foco de alguns assuntos. O ataque a Lula e às favelas ganhou muito mais visibilidade do que o simbolismo histórico que foi a visita do ex-presidente ao Complexo do Alemão. Ruas lotadas, estudantes exibindo as blusas das universidades que frequentam e trabalhadoras e trabalhadores apoiando o candidato do PT, tudo ofuscado pela tática de desinformação bolsonarista.

Se por um lado a desinformação e o discurso de ódio estão vencendo as eleições, por outro a democracia está perdendo. Candidatos que propagam fake news tendo votações expressivas e ondas de preconceito contra nordestinos, negros e pobres que se espalham sem nenhuma – ou quase nenhuma – ação das plataformas, que lucram com o engajamento nesse tipo de conteúdo. As plataformas até tentam passar a imagem de que estão trabalhando duro contra as fake news, mas na prática a teoria é outra.

Quando o presidente volta a atacar o Complexo do Alemão no debate promovido pela Rede Bandeirantes, no último domingo (16), ao dizer que “não tinha um policial”, “só traficante” na passeata realizada pela campanha petista, seus apoiadores se apressam em reforçar a fala nas redes. Assim, mais uma vez, as mentiras de Bolsonaro ganham força. E por mais uma eleição, a desinformação parece sair vitoriosa.  

*Pedro Vilaça e Iara Moura integram a Coordenação Executiva do Intervozes.

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