Fashion Revolution

Responder #EuFizSuasRoupas é importante, mas não é o suficiente

A transparência abre uma janela para observarmos as condições nas quais as nossas roupas são feitas

Semana Fashion Revolution em 2019, Dora, Rosemary e Nelly. Foto: Bruna Cavalcante
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Por Isabella Luglio*

O Fashion Revolution surgiu no dia 24 de abril de 2013 após o desabamento do Rana Plaza, prédio que abrigava confecções de roupas em Bangladesh. O acidente deixou mais de 1.100 mortos, 2.500 feridos e escancarou diversos problemas da indústria da moda.

Para revolucionar a moda e valorizar todos da cadeia produtiva, o movimento incentiva as pessoas a questionarem suas marcas favoritas por meio da pergunta #QuemFezMinhasRoupas?. O outro lado da moeda deste questionamento é a resposta das marcas, geralmente acompanhada com fotos de funcionários com plaquinhas respondendo #EuFizSuasRoupas. Essa resposta traz visibilidade e coloca no papel de protagonista as pessoas que fazem nossas peças e que foram (e ainda são) tratadas como meras figurantes da indústria.

No Brasil, incentivamos essa resposta por parte das marcas desde 2016 e, por mais que seja revigorante ver a timeline repleta de imagens de trabalhadores respondendo #EuFizSuasRoupas, é preciso aprofundar este ato para que ele vá além de uma simples foto/postagem e culmine na conquista de reais direitos e protagonismo para trabalhadores da cadeia. É importante também garantir que a celebração das pessoas por trás do que vestimos não aconteça somente durante a Semana Fashion Revolution, mas que seja uma ação constante e contínua por parte das empresas, entidades públicas e dos cidadãos em geral.

A cadeia de produção da moda é longa, complexa e fragmentada, o que resulta na falta de visibilidade sobre quem fez nossas roupas e pode encobrir as prestações de contas. Além do post respondendo #EuFizSuasRoupas, é importante que as marcas promovam a transparência e o monitoramento sobre onde, por quem e em que condições as roupas são feitas.

A transparência é o primeiro passo de uma jornada que leva à responsabilização e prestação de contas que, por sua vez, levam a mudanças concretas. Trata-se de uma importante ferramenta que joga luz ao longo de todas as etapas da cadeia de valor, trazendo à tona os desafios e problemas sociais e ambientais presentes nos bastidores. A transparência é importante pois não temos como responsabilizar empresas e governos se não pudermos ver o que está acontecendo.

Uma ação essencial para isso é a divulgação de listas de fornecedores. A divulgação pública das listas de fornecedores pode ajudar sindicatos e grupos da sociedade civil a identificar e solucionar problemas enfrentados pelos trabalhadores ao longo da cadeia de produção das marcas e varejistas. Quando as empresas divulgam suas listas de fornecedores, elas mostram a todos que estão dispostas a serem abertas e honestas sobre onde e por quem seus produtos são feitos.

Segundo Jenny Holdcroft da IndustriALL Global Union: “Saber os nomes das grandes marcas que compram das fábricas fortalece trabalhadores e seus sindicatos, permitindo encontrar soluções mais rápidas para conflitos, tanto em casos em que os sindicatos não são reconhecidos, quanto em casos de demissões ilegais de trabalhadores por exigirem seus direitos. Também oferece a possibilidade de criar um elo entre o trabalhador e o consumidor e, possivelmente, chamar a atenção da mídia para esses tipos de problemas.”

Das 40 marcas analisadas no Índice de Transparência da Moda Brasil 2020, 21 (53%) zeraram a pontuação na seção sobre Rastreabilidade. Nessa seção são buscadas as listas de fornecedores das empresas nos três níveis de fornecimento: unidades de produção (como fábricas de corte, montagem e acabamento), instalações de processamento e beneficiamento e produção de matérias-primas. Essa seção também busca o detalhamento das informações divulgadas, como endereço do fornecedor, número de trabalhadores por instalação, distribuição por gênero e raça, número de trabalhadores migrantes, representação sindical e quando a lista de fornecedores foi atualizada pela última vez.

A falta de divulgação por mais de metade das marcas analisadas mostra que quem produz nossas roupas permanece oculto diante da sociedade que consome o fruto do seu trabalho, tornando essa relação ainda mais distante e enfraquecida. Precisamos incentivar as marcas a mostrarem seus fornecedores de uma forma clara e detalhada.

Um exemplo da importância da divulgação das listas de fornecedores aconteceu no Lesoto, país da África responsável pela produção anual de mais de 26 milhões de pares de jeans. A força de trabalho do setor de vestuário no país é formada em 80% por mulheres que costuram para garantir o sustento de suas famílias. Em 2019, a Worker Rights Consortium (WRC), organização independente de monitoramento de direitos trabalhistas, constatou que em três fábricas do Lesoto as trabalhadoras eram regularmente forçadas a se relacionar sexualmente com supervisores como condição para manter seus empregos ou obter promoções.

Quase dois terços das trabalhadoras do setor de vestuário entrevistadas pelo WRC relataram ter sofrido assédio e abuso sexual ou ter conhecimento dessas práticas sofridas por colegas de trabalho. Além disso, algumas contam que contraíram HIV de superiores que retinham seus salários até que concordassem em ter relações desprotegidas. Aquelas que reclamaram foram demitidas.

Devido ao fato de empresas como a VF Corporation (responsável por marcas como Vans, Kipling e Supreme) e a Levi Strauss & Co. publicarem em seus sites listas de seus fornecedores, o WRC conseguiu identificar que essas marcas estavam comprando destas fábricas do Lesoto. Assim, o WRC facilitou discussões entre sindicatos locais, ONGs e as duas empresas, resultando em um acordo para resolver o problema.

Como parte do acordo, uma organização investigativa independente foi estabelecida para receber reclamações de trabalhadores, realizar investigações adicionais e avaliações, identificar violações de um código de conduta desenvolvido em conjunto e aplicar as medidas judiciais cabíveis.

Sabemos que a transparência, por si só, não é suficiente para resolver os vários problemas complexos e profundamente sistêmicos da indústria global da moda. No entanto, a transparência abre uma janela para observarmos as condições nas quais as nossas roupas estão sendo feitas e permite nos posicionarmos sobre essas condições de maneira mais rápida e colaborativa.

Para a Semana Fashion Revolution 2021, convidamos a todos a continuarem questionando #QuemFezMinhasRoupas e exigindo que a resposta #EuFizSuasRoupas traga protagonismo para os trabalhadores de toda a cadeia de produção e informações transparentes que possam assegurar os direitos e a dignidade de quem faz o que nos veste todos os dias.

*Isabella Luglio – Apaixonada pelas histórias que existem por trás das roupas, Isabella é pesquisadora, articuladora da rede educacional FR e realiza a gestão de projetos como o Índice de Transparência da Moda. É formada em Design de Moda pela FAAP e pós-graduada em Design Sustentável pelo Fashion Institute of Technology.

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