Fashion Revolution

Resíduos têxteis: por que é tão difícil reciclar roupas?

Produção pulverizada, falta de investimentos em pesquisa e incentivos fiscais e falta de dados contribuem para que resíduos têxteis se tornem uma dor de cabeça

divulgação/Andrew Barr
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Glamour à primeira vista, um colosso de desperdício nos bastidores. Indústria de excessos, a moda produz toneladas de resíduos têxteis por ano – um volume que, no Brasil e no mundo, termina majoritariamente em lixões, aterros e nos oceanos.

De acordo com o IEMI – Inteligência de Mercado, em 2022 foram compradas 6,3 bilhões de peças de roupa. Porém, sem investimento em pesquisa ou incentivos do governo, e sem uma política sólida de gestão de resíduos, a estimativa é que essas compras resultaram em 192 mil toneladas de lixo têxtil.

Para entender o final do processo de produção da moda, é importante olhar para o começo. Segundo o relatório Fios da Moda, o Brasil tem o sistema de produção têxtil mais complexo do Ocidente.

Funciona de forma linear, com etapas bem definidas do começo ao fim. Somos o quarto maior produtor e consumidor de denim (jeans) e malhas do mundo, o que mostra nossa influência tanto no mercado local quanto internacional.

Com isso, o problema do lixo têxtil começa já na fabricação das roupas, principalmente na fase de corte do tecido. Enquanto algumas grandes empresas tentam adotar práticas de ‘desperdício zero’ usando tecnologia ou reciclagem, muitos pequenos e médios produtores ainda jogam fora o que sobra, principalmente por falta de informação. O Sebrae estima que, na produção de uma simples camiseta de algodão, metade do tecido vai para o lixo.

Os bairros do Brás e Bom Retiro em São Paulo são grandes produtores de lixo têxtil. Segundo o relatório Fios da Moda, só na região central da cidade são geradas cerca de 63 toneladas de resíduos têxteis por dia. Desse total, 12 toneladas vêm do Bom Retiro e impressionantes 45 toneladas são do Brás — isso equivale a 16 caminhões de lixo diariamente. A prefeitura São Paulo afirma que a Operação Centro Limpo, que inclui os distritos Brás, Pari e Belém, coleta sete toneladas de resíduos na região por dia, em caixas e descartados nas ruas.

Outro problema é a falta de dados atualizados e consistentes. Muitos números são antigos ou se contradizem. Segundo a Abrelpe, o Brasil descarta não 192 mil toneladas, mas 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano. A entidade ainda aponta que o país deixa de arrecadar R$ 14 bilhões por ano com a falta de investimento na geração de emprego no ramo da reciclagem.

Poluição têxtil 

Para além da quantidade, o problema é a qualidade: a maioria das peças produzidas em 2021, segundo o IEMI, foram de fibras artificiais e sintéticas. Feitas de petróleo, essas fibras estão em diversos mix de tecidos, populares pela qualidade de elasticidade do plástico. Um par de jeans, por exemplo, leva além dos fios de algodão, elastano e componentes de plástico, como zíperes e botões. Ademais, há também a contaminação proveniente dos corantes.

O algodão também não é nenhum “mocinho” no fim de sua vida. Ainda segundo o Fios da Moda, algodão e viscose – fibras naturais – emitem cerca de 1,5 kg CO2/kg de fibra no seu processo de decomposição.

No fim da vida dos resíduos têxteis estão as opções: lixão (sem nenhum controle ambiental), aterro (seguindo normas da Política Nacional de Resíduos Sólidos e CONAMA nº 313/02), e os oceanos, parando no estômago de diversos animais. Porém, mesmo as roupas etiquetadas como “biodegradáveis” só assim são em ambientes com condições controladas – algo que um aterro não necessariamente fornece.

Na reciclagem, a separação de fibras é um desafio para pequenas e médias empresas, afirma o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel. O desafio começa no “custo a ser coberto pelas empresas em relação à coleta, transporte e destinação ambientalmente adequada. Para ser viável a comercialização desses resíduos, é importante a separação adequada em matéria-prima e cor”. Outro ponto levantado por Pimentel é a falta de conhecimento sobre o tema pelas prefeituras: “sem fiscalização e suporte, o avanço acaba sendo mais lento”.

Para a separação dos têxteis, é necessário também mão de obra qualificada e máquinas de separação mecânica ou química. Mix de tecidos são triturados e separados, mas, ao se fazer isso, perde-se na qualidade da fibra.

Portanto, outro ponto crucial é: precisamos fazer roupas de melhor qualidade. Para baratear os custos, mirando sempre no aumento da produção, a indústria da moda rápida pretere qualidade em prol de quantidade. E essa se tornou, infelizmente, uma regra no mercado competitivo.

Alternativas possíveis

O SEBRAE sinaliza uma opção de contenção dos resíduos têxteis: a transformação em outros produtos, através do upcycling. “Enfrentamos desafios na implementação de alternativas circulares de modo geral”, explica Camila Andrade, analista técnica do Centro Sebrae de Sustentabilidade, “ a moda circular é uma alternativa à produção linear, possibilitando aumentar a durabilidade da peça”.

Pimentel destaca empresas que utilizam resíduos têxteis como matéria-prima para produtos em outros setores, como enchimentos ou tecidos de isolamento para o setor automotivo. “Ainda seria muito oportuna a realização de um estudo de impacto regulatório para mensurar impactos e benefícios para o setor e para a sociedade da implementação de um sistema de logística reversa para produtos têxteis, prerrogativa presente na Política Nacional de Resíduos Sólidos”, ressalta.

Para ele, instrumentos previstos na lei que estimulem a reciclagem e desonerem máquinas e equipamentos, além da criação de linhas de financiamento próprias serão incentivos relevantes. “ É importante ainda que haja estímulo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) para que novas soluções sejam criadas para que os produtos descartados pelos consumidores sejam reciclados e retornem para a cadeia produtiva têxtil ou outras cadeias industriais”, finaliza.

A Secretaria Municipal das Subprefeituras de São Paulo afirmou que está elaborando um estudo técnico para a destinação ambientalmente adequada aos resíduos têxteis gerados na cidade, com foco na Logística Reversa (LR) e Economia Circular (EC).

Fica claro que apenas reduzir o consumo não é suficiente para mitigar os impactos dos resíduos têxteis e, para além do fortalecimento da reciclagem, é necessário a transformação do mercado da moda. A circularidade implica em uma estrutura já pensada de forma a absorver os resíduos. As fibras, tecidos e peças de roupas devem ser concebidos de forma a facilitar sua recuperação e reciclagem e, esta, por fim, tem de ser incorporada ao sistema como um todo.

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