Fashion Revolution

Silencioso e permissivo: o soft power do petróleo em eventos de moda

Por trás de patrocínios e investimentos culturais, grandes empresas do ramo fóssil controlam a agenda e atrasaram a mudança rumo a uma moda mais sustentável

Por trás da beleza em eventos de moda, petroleiras controlam a narrativa e atrasam a mudança rumo a sustentabilidade. Foto: Half Point
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A moda está diretamente ligada ao petróleo e, logo, às mudanças climáticas. Você já deve ter ouvido que, além de ser um dos setores que mais polui, é também um dos que mais gera resíduos preocupantes, como os microplásticos. Mas o que talvez passe mais despercebido é a ligação direta do petróleo com patrocínio de eventos de moda. O incentivo à cultura é o mote da Petrobras Cultural, que chega no coração dos brasileiros com muito afeto – é o seu soft power. Em época de resistência de petroleiras em se comprometer com a transição energética justa, isso é, no mínimo, preocupante.

O autor estadunidense Joseph Nye Jr define o soft power como “um poder de definir agendas e atrair mentes para determinada cultura, ideologia e valores”. Maíra Ourives, mestre em ciências sociais, complementa que o soft power acontece de forma indireta, seduzindo e que “o indivíduo sequer percebe que está sendo controlado”. Logo, esse recurso é essencial para que as petroleiras sigam na percepção positiva da sociedade.

Com o término da COP28, a maior conferência mundial do clima, percebe-se uma mudança no comportamento social: diversas manifestações, em Dubai e no Brasil, pedindo pelo fim dos combustíveis fósseis. A resistência do grupo responsável por aproximadamente 70% das emissões de GEEs (Gases do Efeito Estufa) é enorme, e o greenwashing, uma tentativa feita de diversas formas. Para muitos da sociedade civil, não dá mais: a era do petróleo acabou. Mas, para a indústria da moda, essa discussão ainda é inexistente.

Ela já existe no exterior, com mais incidência no campo da cultura, como o famoso caso da pressão popular de anos para que o British Museum, um dos mais populares de Londres, deixasse o patrocínio da petroleira BP. O Royal Opera House, teatro de ópera londrino, e o Festival Literário Internacional de Edinburgh também foram outros a deixar o patrocínio.

O Greenpeace alerta que “as empresas de combustíveis fósseis estão utilizando publicidade e patrocínios para distrair, desviar e atrasar” ações e que colar o logotipo de uma empresa petrolífera em uma parede não é de forma alguma inofensivo. A influência mais ampla da indústria fóssil é um problema quando também leva à censura de obras relacionadas à emergência climática. Era isso, por exemplo, um dos cenários existentes no patrocínio do Museu Britânico.

Percepção e responsabilidade

A campanha Fossil Fuel Fashion destaca a ligação intrínseca entre as grandes petrolíferas e a indústria da moda. Existe uma correlação direta entre o crescimento do fast fashion e a sua dependência de fibras sintéticas derivadas de combustíveis fósseis. O poliéster, por exemplo, é a fibra sintética mais utilizada na indústria têxtil e requer, anualmente, 70 milhões de barris de petróleo.

Mas o petróleo está na moda para além disso. Ele está no patrocínio, por exemplo, de eventos fora do eixo Rio-São Paulo (a região mais rica do país), como em Aracajú, Porto Alegre e Belém. Ele está em grandes eventos, como o São Paulo Fashion Week 2023 e o Rio 2C. Ele está fortalecendo a quebrada, em Belo Horizonte, e as riquezas dos saberes e fazeres nordestinos do Movimento Armorial 50 anos, em Recife. Ou seja, ele está em espaços de cultura cujo financiamento do Estado não chega. E isso gera sentimentos positivos.

A Petrobras Cultural diz em seu site que “apoia a cultura brasileira como força transformadora e impulsionadora deste desenvolvimento” em suas múltiplas expressões. Vagner Pessanha sintetiza em sua tese que “ao penetrar e exercer influência nas pequenezas do dia a dia do brasileiro, a Petrobras estende sua presença para um domínio além do comercial e do institucional, o que a ajuda a ser reconhecida como mais do que uma empresa de petróleo ou energia: um patrimônio simbólico do Brasil”. Ela se posiciona, então, de forma importante na mente do brasileiro.

Em 2021, a estatal recebeu louros por ser a maior patrocinadora de projetos culturais. Na época, uma só chamada de projetos recebeu o apoio de R$ 10 milhões, sendo destacado que esse era o quarto chamamento desde 2020. Em 2023, foram 96 projetos apoiados.

Este ano, a petroleira ficou em 4º lugar no ranking de marcas brasileiras mais valiosas em 2023, segundo o relatório do Brand Finance. O livro Greenwashing: Manual da Propaganda Ambiental Enganosa afirma que a Petrobras vem, ano após ano, encabeçando rankings tanto de responsabilidade social e ambiental, como de maiores investimentos em publicidade.

É quase fácil de esquecer que a empresa, apesar de explorar recursos naturais e contar com casos de vazamento e passivos ambientais, ainda sim desfruta de simpatia popular. Do lado da moda, nenhum “A”. Se o debate de descarbonização do setor ainda é incipiente, e a taxação de fibras sintéticas ainda fica nos sonhos, o debate da responsabilidade de eventos, principalmente os grandes, em receber esse patrocínio inexiste.

A organização DeSmog explica porquê é necessário banir o patrocínio de petroleiras: propagandas fósseis podem encorajar o aumento de emissões; os combustíveis fósseis impactam diretamente na poluição do ar, que mata 7 milhões de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as empresas fósseis usam seus patrocínios para promover soluções falsas e para ganhar reconhecimento político e social.

Numa era de crise climática, no qual saímos da maior conferência mundial do clima com poucas soluções acordadas, caímos no pior leilão de blocos de petróleo da história – carinhosamente apelidado de Leilão do Fim do Mundo – as empresas do carvão, petróleo e gás fóssil não podem mais se beneficiar da cultura, da moda, do lazer, da criatividade. Ou eles continuarão mantendo seu legado fóssil e destruindo o nosso futuro.

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