Fashion Revolution

O ‘facekini’ é engraçado – mas só até você descobrir qual a temperatura do ar e do solo

Talvez parte da solução não seja encontrar a melhor roupa para enfrentar a crise climática, mas sim olhar para os impactos da rede produtiva e solucioná-los

Facekinis ganham destaque nas praias da China como forma de se proteger do aquecimento global
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Você pode dar risada do banhista na China com uma espécie de “touca-biquíni” cobrindo o rosto inteiro, mas espere até saber que a temperatura atmosférica estava em 35ºc e que essa é uma tendência para os verões. Não os verões do futuro, os verões de 2024, 2025, 2026 e assim por diante. Essa é a crise climática: você tem roupas para aproveitá-la?

Estamos falando de um calor no qual as temperaturas na Europa, Estados Unidos, Ásia e África atingiram níveis sem precedentes – julho foi o mês mais quente de toda a história. Por trás deste fenômeno está o El Niño, exacerbado pelo aquecimento global. Atrações turísticas fecharam e países decretaram feriado nacional, tudo para manter pessoas em casa e evitar que lotassem mais os hospitais e aumentassem o número de óbitos.

É nesse contexto que a “facekinis”, uma brincadeira com “face” (rosto) e “bikini”, aparece. Além das máscaras, os asiáticos também utilizam mangas para cobrir os braços, chapéus de abas largas, alguns até têm ventilador embutido, e jaquetas feitas de tecidos leves. O costume de se proteger do sol não é novo na Ásia – pele clara é preferência por remeter às mulheres ricas de antigamente que não precisam sair no sol para trabalhar – mas, no contexto atual, essa proteção significa evitar possíveis queimaduras e doenças de pele.

Uma coisa é certa: o clima influencia nas escolhas e padrões de compra. Mais bermudas, mais sandália e menos jaquetas de frio, certamente. Uma análise do Business of Fashion aponta que as empresas de moda estão procurando fazer roupas mais versáteis para o clima, enquanto ainda navegam nas incertezas de como gerenciar um estoque frente às mudanças climáticas.

Tendências da moda climática

Pesquisadores descobriram que, usando roupas adequadas, é possível resfriar a sensação térmica em até 2ºC. O branco nem sempre é a melhor escolha. A cor reflete os raios de sol, no entanto, a lógica fica um pouco mais complexa quando é levado em conta que não é apenas do sol que vem o calor: nossos corpos também o produz. Logo, espessura e caimento das roupas são tão importantes quanto.

Um estudo de 1980 aponta que tecidos de cor preta são melhores em absorver o calor que emana do corpo, desempenhando, então, um papel de resfriamento do corpo. A análise olhou para os beduíno, um povo seminômade que vive entre Oriente Médio e norte da África.

É fundamental levar em conta o ar seco e o ar úmido nessa equação. Tecidos como algodão e seda são mais soltos do que malhas e isso é importante quando se está muito úmido. Nestas condições, o ar ao seu redor já está saturado de vapor d´água, o que significa que o suor absorvido pela roupa acaba não tendo para onde ir e permanece no tecido. No calor seco, esse suor é liberado pela evaporação com maior facilidade.

Novas tecnologias têm se debruçado nas melhores opções. Por exemplo: é necessário olhar para a respirabilidade, densidade e resistência da fibra (por conta da lavagem). Para o lado das fibras naturais, o melhor tipo de algodão para proteção térmica é o pima ou egípcio, que torna as roupas mais finas e leves. É importante também levar em conta o suor – mecanismo importante de resfriamento. Nesse caso, o algodão deixa um pouco a desejar, pois quando o absorve, não seca rapidamente.

O linho possui excelente capacidade de respirabilidade mas, assim como o algodão, também é lento para secar. Já a lã merino é uma opção que, além de absorver a umidade, não retém odor.

Agora, nas fibras sintéticas, o nylon e poliéster são muito populares, inclusive nas roupas esportivas, pois absorvem a umidade, secam rapidamente e não retém odor. O nylon, frente ao poliéster, tem maior capacidade de absorção, mas é mais lento para secar. Empresas como Nike e Adidas investem milhões nos designs de tecidos inteligentes.

Eles descobriram que o material opaco à luz visível é a chave para permitir que o calor irradie para fora do corpo de forma mais eficaz. Assim, ele não aprisiona o calor entre o material e a pele. Tornar as fibras de nylon e poliéster mais finas (cerca de 1 micrômetro de diâmetro) e tecê-las num fio de 30 micrômetros de espessura pode ajudar a manter a temperatura mais confortável.

Tudo isso é muito bacana, se desconsiderarmos a crise climática.

Impactos e racismo ambiental

Postos estes fatos ao cenário atual, a balança se inverte. Podemos começar, por exemplo, com o poliéster, que representa cerca de 80% de toda fibra sintética utilizada no mundo, principal responsável pela poluição de microplástico nos oceanos, que demora até 200 anos para se decompor e, claro, não podemos esquecer do principal: tem como matéria-prima o petróleo.

Junto com o nylon, que também é produzido a partir de petróleo bruto e gás natural, as fibras sintéticas ajudam a indústria da moda a puxar para si 10% da fatia das emissões globais de dióxido de carbono. Um ponto importante da rede produtiva destas fibras é que, na sua produção, poliéster e nylon utilizam uma grande quantidade de energia. A produção de nylon, por sua vez, também envolve a liberação de óxido nitroso – um gás de efeito estufa 300 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono.

Os impactos climáticos da moda são inúmeros e muitos deles estão concentrados na produção linear das fibras. E esses impactos não se restringem apenas às fibras sintéticas. O algodão, por exemplo, tem como principais impactos ambientais a contaminação de água, solo e ar via agrotóxicos – como glifosato e acefato –  além do alto consumo de água e conversão de habitats para uso agrícola.

Outro ponto a se considerar é o racismo ambiental por trás da escolha das melhores roupas para sobreviver às altas temperaturas do verão: as melhores opções são as mais caras, logo, serão os mais ricos a ficar mais confortável com as temperaturas dos próximos verões. Um repórter do The New York Times fez um teste com opções disponíveis no mercado, avaliando blusas de US$ 15 (R$ 73,62) a US$ 48 (R$ 235,57), passando por ternos de US$ 1.029 (R$ 5.050) e constatou que ficar fresco não é barato.

A primeira opção foi uma blusa da varejista Uniqlo de US$ 15, que tem uma versão de poliéster e elastano e outra de 71% algodão, misturada de 25% poliéster e 4% elastano. A primeira versão foi descrita como “pegajosa, criando uma sensação desconfortável de envolver seu corpo em um filme plástico”. Já a segunda, mais agradável no início, produziu uma sensação de suor frio, grudando na pele, quando usada no calor.

Outra opção foi uma blusa de US$ 20 (R$ 98) da Dickies, uma mistura de 50-50 algodão e poliéster com a promessa de “sensação de refrigeração instantânea”. Não cumpriu o que prometeu. Já uma camisa de US$ 49 (R$ 240) trouxe um efeito refrescante – essa feita pela LifeLabs, que surgiu de um laboratório de pesquisa na Universidade de Stanford. É produzida a partir do polietileno, o mesmo polímero usado em sacolas plásticas.

Outra blusa de valor semelhante é da Ministry of Supply, uma empresa fundada por ex-alunos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Construída com tricô computadorizado – tecnologia semelhante à impressão 3D – cria espaço adicional entre os fios de tecido. Cumpre o que promete, mas a blusa ainda não pode ser produzida em larga escala, pois seu valor de custo é mais alto. Cada peça custa à empresa US$ 9.60 (R$ 47), valor quatro vezes maior do que uma blusa “normal”.

Já a experiência com o terno mostrou que fabricantes estão trocando a lã pura por mistura de tecidos mais leves, como linho, seda e caxemira, mas, novamente, os preços saltam: de US$ 449 (R$ 2.203), para US$ 779 (R$ 3.823) a US$ 1.029 (R$ 5.050), por exemplo.

Ou seja, falta investimento, falta tecnologia e ainda estamos longe de encontrar soluções circulares para o início, meio e fim da rede produtiva da indústria da moda que sejam compatíveis com a realidade atual de aquecimento global. As projeções futuras não são as melhores e todos os setores, inclusive o da moda, precisam se comprometer, de fato, com a transição econômica sustentável.

Talvez parte da solução não seja encontrar a melhor roupa para enfrentar a crise climática, mas sim olhar para os impactos da rede produtiva e solucioná-los, de forma a manter o Acordo de Paris. E, então, ainda estamos rindo dos asiáticos se protegendo do calor escaldante?

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