Eloisa Artuso

Pesquisadora, educadora, designer estratégica e cofundadora e diretora executiva da Febre, plataforma de pesquisa, estratégia e conteúdo multimídia

Opinião

O negócio do algodão e seu falso discurso de sustentabilidade

O agro é pop, é tech, é tudo – até sustentável 

Plantação de algodão (Foto: iStock)
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O agro está cada vez mais pop, tão pop que apareceu como tema principal da nova novela da Globo – que já está causando polêmicas. A ideia de agronegócio veio dos Estados Unidos (agribusiness) para o Brasil nas décadas de 50 e 60 e, desde então, passou a se desenhar como um projeto político-econômico, transformando fundamentalmente as estruturas da agricultura, incluindo desde os processos agrícolas, passando por equipamentos e insumos até a transformação e distribuição dos produtos do campo, como aponta Caio Pompeia no livro Formação Política do Agronegócio.

Mas só mais recentemente é que essa hegemonia econômica e política (a Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA cresceu 24% na Câmara dos Deputados com as eleições de 2022, atingindo 300 membros entre os 513 deputados e, no Senado, aumentou 20%, somando 47 de um total de 81 senadores) passou a investir pesado na construção de sua imagem e das mensagens, que vêm permeando cada vez mais o imaginário popular, principalmente de que o agronegócio brasileiro alimenta o mundo.

Nas propagandas da TV e do YouTube, nos discursos de parlamentares e ruralistas ou em músicas sertanejas, o que se propaga é a imagem de que o agro é pop, é tech, é tudo, até sustentável. 

Com isso, no ano passado, o Greenpeace elencou as 5 maiores mentiras do agronegócio, difundidas Brasil a fora, rebatendo com dados confiáveis afirmações como: “sem agrotóxicos não tem comida para todo mundo”; “a agricultura brasileira depende de fertilizantes; “há muita terra para pouco índio; “leis de proteção ambiental atrapalham a economia do Brasil”; e “grilagem beneficia a agricultura familiar”. Mas propagar informações falsas para confundir a opinião da população não me parece pop, até porque esse modelo de negócio visa o lucro de poucos acima da saúde, segurança e bem-estar das pessoas e do meio ambiente e afasta a sociedade de outros modelos pautados viáveis na justiça socioambiental.

Assim, o agro não é tudo. O que entendemos por agronegócio não inclui os pequenos produtores, nem mesmo os médios, não é agroecologia e não é agricultura familiar. O agro são os grandes produtores, os ruralistas, que contam com o apoio das associações patronais (e do governo) e dominam a cena da agricultura em larga escala, altamente mecanizada, voltada para a produção de commodities de exportação como soja, milho, algodão e carne. Em relação aos alimentos que vão parar na nossa mesa, os estabelecimentos de agricultura familiar têm uma participação significativa, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017 realizado pelo IBGE e com dados mais recentes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento da UFRGS que indicam que agricultores familiares respondem por 42% do feijão preto, 70% da mandioca, produzem 64% do leite de vaca e abarcam 51% do rebanho suíno e 46% das galinhas do país.

E o agro também não é sustentável. No livro O Agronegócio do Algodão, Yamê Reis investiga de que modo o algodão brasileiro, cultivado num modelo extrativista de monocultura em grandes propriedades, e com intenso uso de fertilizantes e agrotóxicos, que avança pelo Cerrado, assumiu o rótulo de sustentável. O livro mostra o processo pelo qual se constrói a hegemonia do agronegócio do algodão e seu discurso sustentável, que ganha amplitude e a adesão do setor da moda e seu o mercado consumidor. A produção de algodão está fortemente instalada no Centro-Oeste, com 74% do total nacional. O Mato Grosso, seguido pela Bahia são os principais estados de produção com mais de 80% do total. Minas Gerais, Goiás, e Mato Grosso do Sul vêm logo atrás. Isso quer dizer que o Cerrado é o bioma com a maior concentração de fazendas algodoeiras no Brasil e tem sofrido com o desmatamento: perdeu, aproximadamente, 50 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa nos últimos dez anos.  

O Brasil, enquanto se classifica como o rei do agro e entre os 5 maiores produtores e exportadores mundiais de algodão, também traz outra posição que o coloca nas alturas: a do uso alarmante de agrotóxicos e pesticidas. Nessa categoria, o país lidera o topo, como o maior mercado de agrotóxicos do planeta. O governo Bolsonaro entrou para a história como o que liberou mais de um agrotóxico por dia: 2.007 novos agrotóxicos foram registrados em seu governo até novembro de 2022, 30% deles são proibidos na União Europeia e 20% são considerados extremamente, altamente ou medianamente tóxicos para a saúde humana. O algodão, por sua vez, é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos, sendo responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizado no país.  

E por falar em agrotóxicos, desde o final de abril, a bancada ruralista, pressiona o Senado pela aprovação do PL 1459/2022 conhecido como Pacote do Veneno. O que se diz nos bastidores é que parlamentares que integram a FPA conseguiram as assinaturas necessárias para pedir urgência à aprovação do projeto de lei que dispõe sobre a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e das embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização de pesticidas, produtos de controle ambiental e afins. Isso significa que, além da aceleração da votação, o que está em risco é a flexibilização e liberação de componentes e novas moléculas, abrindo brechas para o aumento do registro de agrotóxicos, o que causará, sem dúvidas, danos gravíssimos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, além de colocar órgãos como a Anvisa e o Ibama eu um papel secundário nos registros, fiscalização e análise das substâncias.

Atendendo à uma mobilização popular, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, determinou que o PL seja discutido na Comissão de Meio Ambiente (CMA) – o que poderia ser um avanço importante para aprofundar o debate no Congresso Nacional, mas de acordo com a Campanha Contra os Agrotóxicos o que está sendo discutido agora não aponta nenhum avanço para a sociedade, mas atende somente aos interesses da indústria agroquímica, contando com apoio de setores do agronegócio, tudo isso em detrimento da segurança socioambiental, climática e da proteção à saúde. 

Por todos esses motivos, nós, enquanto sociedade, precisamos nos posicionar. Não podemos deixar que os interesses privados e de um grupo muito pequeno e extremamente privilegiado (político e economicamente) se sobreponha aos direitos humanos e aos direitos da natureza. Nós temos direito à comida sem veneno nos nossos pratos, à roupas sem veneno cobrindo nossos corpos, à ecossistemas saudáveis, ao acesso a água limpa e terra fértil. O que está em jogo aqui, verdadeiramente, é a vida, e nós precisamos de medidas urgentes para defendê-la. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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