Fashion Revolution

A fórmula para acabar com o trabalho escravo na moda

Relatórios trazem diagnósticos do setor e apontam caminhos para a construção de uma indústria justa

Reprodução/Repórter Brasil
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Em todos setores da economia, o trabalho escravo ainda é um problema vigente – e na moda não é diferente. Especialistas apontam as causas para essa chaga persistir, mas, para além de números e diagnósticos, há também recomendações para diversos atores do setor para a construção de uma indústria mais justa socialmente e ambientalmente.

O trabalho escravo contemporâneo é descrito na Convenção n.º 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como “qualquer trabalho ou serviço que seja exigido de um indivíduo sob a ameaça de penalidades, no qual a pessoa não tenha se oferecido voluntariamente”. A legislação brasileira ainda endurece as regras, considerando, para além da submissão ao trabalho forçado, condições degradantes e jornadas de trabalho exaustivas.

Em 2023, o Brasil bateu recorde de trabalhadores resgatados nestas condições: foram 3,1 mil, maior marca desde 2009. As ocorrências no campo ainda lideram o número de resgates, mas o trabalho escravo contemporâneo também está presente em centros urbanos, como casos recorrentes de denúncias de trabalho doméstico e em confecção.

A confecção é um dos elos mais vulneráveis no setor da moda. Um relatório da ONU Mulheres destaca que “as pressões mercadológicas dos últimos anos – com exigência de resultados cada vez mais rápidos, flexibilidade e produção acelerada – têm levado profissionais a uma precarização cada vez mais profunda das condições de trabalho”. Mão de obra composta, em sua maioria, por mulheres – 87%, segundo a Abravest (Associação Brasileira do Vestuário) – racializadas e, no caso da Região metropolitana de São Paulo, também por um número considerável de migrantes.

Uma rede produtiva que responde por 16,7% dos empregos da indústria de transformação no país, que utiliza fortemente a mão de obra feminina, que, por sua vez, sofre invariavelmente as desigualdades de gênero presentes na sociedade brasileira. A lista vai de informalidade, dupla ou tripla jornada de trabalho, à obstrução ao pleno exercício da maternidade e violência de gênero.

Quando se é posto a lente racial, mais vulnerabilidade se soma a essa conta. Há disparidade salarial entre pessoas de diferentes raças, sendo pessoas indígenas e negras as piores remuneradas quando comparadas às pessoas brancas. Ainda segundo a ONU Mulheres, no caso de refugiadas e migrantes, há uma falta de acesso à regularização do trabalho: 51,2% das refugiadas e migrantes são autônomas (fazem “bicos” e outros trabalhos informais). Além disso, a barreira do idioma também dificulta a formalização destas mulheres.

Atores e compromissos

O Índice de Transparência na Moda Brasileira 2023 (ITBM23) faz um diagnóstico detalhado sobre os esforços do setor para erradicar o trabalho escravo contemporâneo. Analisando os compromissos e ações das 60 maiores empresas de moda em território brasileiro, o relatório destaca que mais da metade das marcas (55%) divulga uma política de combate ao trabalho escravo contemporâneo para seus fornecedores. Porém, o número cai para 27% para as que divulgam como fazem para identificar e priorizar a restrição de riscos, impactos e violações de direitos humanos em sua cadeia de fornecimento.

Outros pontos levantados foram: 20% publicam dados de violações relacionadas a trabalho escravo contemporâneo e 13% publicam ações relacionadas a trabalhadores migrantes estrangeiros nos fornecedores. Com isso, o documento questiona: “o que realmente está sendo monitorado? As marcas possuem processos internos robustos de devida diligência? A existência de uma política é suficiente para coibir a precarização do trabalho?”.

A terceirização e quarteirização da mão de obra certamente dificultam a rastreabilidade e a transparência do setor. Especialistas apontam que a última reforma trabalhista contribuiu para que grandes empresas possam alegar que desconhecem casos de abuso de trabalhadores quando estes ocorrem em empresas terceirizadas.

O ITMB23 ressalta que trabalhadores migrantes estão mais suscetíveis ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo contemporâneo. Servidão por dívida, promessas falsas, retenção de documentos e ameaças de violência e deportação são todos problemas comumente enfrentados por esses trabalhadores na indústria da moda.

Empresas têm a responsabilidade de estabelecer políticas e procedimentos eficazes para garantir que seus fornecedores não estejam envolvidos em práticas de trabalho escravo. Isso pode incluir a realização de avaliações de risco para identificar áreas que possam estar vulneráveis ao trabalho análogo à escravidão e a tomada de medidas proativas para mitigar esses riscos.

Próximos passos

O diagnóstico do ITMB23 deixa claro para onde olhar a fim de erradicar o trabalho escravo contemporâneo. Por exemplo: questões de igualdade de gênero e raça, práticas de compra, pagamento de salários justos para viver. Como afirma o Pacto Global da ONU, “salário justo” não deve ser confundido como “salário mínimo”. “O pagamento de salário digno é essencial para o avanço da agenda de trabalho decente e para a redução da pobreza, ganhando especial importância em contextos em que o salário mínimo legal fica aquém de assegurar um padrão de vida digno para os trabalhadores(as) e suas famílias”, define.

O documento evidencia a importância do mecanismo de Devida Diligência em Direitos Humanos (DDDH), que abarca os impactos presentes na cadeia de suprimentos da empresa. A DDDH contempla quatro etapas: avaliar os impactos reais e potenciais sobre os direitos humanos; integrar e agir sobre as descobertas; monitorar as respostas; e comunicar sobre como os impactos são tratados.

Em entrevista ao ITMB23, Dilma Chilaca, líder do Centro da Mulher Imigrante e Refugiada (CEMIR), afirma que, na maioria das vezes, as mulheres aceitam os preços baixos oferecidos pelas empresas por necessidade. “É a única maneira que encontramos de sobreviver”, explica, “a transparência é muito importante para que se dê o reconhecimento e o devido valor a todo processo”.

O relatório da ONU Mulheres também aponta que a participação em cursos e em organizações sociais trabalhistas, como associações, sindicatos e cooperativas, podem trazer melhorias para a qualidade de vida profissional das mulheres na confecção. “Cursos como corte e costura trouxeram melhoria de renda, das habilidades e compreensão do mercado de trabalho”, salienta.

O combate ao trabalho escravo contemporâneo deve ser uma preocupação da alta gestão das empresas, de seus proprietários, conselheiros e executivos. “Isso se relaciona diretamente ao dever que esses indivíduos têm em relação à empresa, à sociedade, às leis e regulamentos a que ela está sujeita”, aponta o ITBM23.

Trabalho escravo é crime. Denuncie através do Disque 100 ou pela plataforma Ipê – canal ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego que recebe e encaminha denúncias exclusivas de crime de trabalho análogo ao de escravo. 

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