Diálogos da Fé

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O carnaval como revelador das nossas guerras culturais

O carnaval, longe de ser uma unanimidade, é objeto de debate e um provedor de experiências totalmente distintas entre diferentes núcleos sociais

Foto: Prefeitura do Recife
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De origem cristã, o carnaval no Brasil foi ressignificado e se tornou uma das marcas da cultura nacional. O antropólogo Roberto Damatta, nos anos 1970, defendeu que o carnaval desvirtuava – e, nesse movimento, revelava por um dia as relações de hierarquia e poder da sociedade brasileira. Nos dias atuais, arrisco dizer que o carnaval também revela as guerras culturais que marcam nosso tempo.

No dia 18 de fevereiro, a Folha de S.Paulo trouxe uma reportagem dizendo que casais jovens estariam aproveitando o momento carnavalesco para testar novas configurações do relacionamento, abrindo suas relações – ou seja, acordando entre si que poderiam “ficar” com outras pessoas. Nas redes sociais, os comentários da matéria se dividiam entre os que apoiavam a medida, e aproveitavam para advogar a favor de outros modelos de relação, e os que ironizavam e/ou denunciavam a perversão da atual geração.

Uma boa parte do Brasil aproveita o carnaval e a folga do trabalho para romper com o fluxo do cotidiano, se juntar à multidão, experimentar novas formas de se relacionar, se fantasiar, expor o corpo. Em outros termos, quebrar a rotina sem se importar com padrões morais e obrigações cotidianas presentes em outras partes do ano. Para muitas pessoas esse seria o próprio sentido do carnaval.

De outro lado, no mesmo período, há os que condenam fortemente as festividades, e veem nelas sinais inequívocos de que o mundo se encontra sob uma forte degradação moral. Entre esses, destacam-se os religiosos, principalmente do cada vez mais extenso e diverso Brasil evangélico.

No dia 20, no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, os Acadêmicos do Salgueiro causaram uma polêmica ao trazer um carro alegórico com a representação do demônio. Nas redes sociais, a mesma dinâmica: advogados da visão de que desfile seria uma representação artística, de um lado, e de outro, acusações de que o desfile traria uma apologia ao demônio. Entre o último grupo, não faltaram comentários de religiosos que ligavam as mazelas do mundo – inclusive desastres naturais e catástrofes, como a do litoral norte de São Paulo – ao castigo divino pela apologia do demônio e pela perversão presente em nossa sociedade.

Repare o leitor que não se trata aqui de defender uma ou outra visão sobre os fatos mencionados, mas sim de demonstrar que o carnaval, longe de ser uma unanimidade, é também objeto de debate, disputa, e um provedor de experiências totalmente distintas entre diferentes núcleos sociais. E, se é verdade que esse conflito de visões já existia no passado, é verdade também que cada vez mais vemos ressaltadas nele algumas características:

  • o uso de argumentos religiosos nas posições anticarnavalescas e o de argumentos antirreligiosos nas posições carnavalescas;
  • a internet  – e, em especial, as redes sociais – sendo usada como palco para a discussão que, via de regra, fica restrita em cada um dos públicos e é pouquíssimo produtiva; e
  • a transformação imediata das posições em relação ao carnaval em identidades políticas. Imediatamente as categorias esquerda/direita, petista/bolsonarista etc. são traspostas para designar os interlocutores.

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