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Não adianta doar no Natal e apoiar um governo neoliberal

A hiprocrisia em um grupo de WhatsApp de “cidadãos de bem” repletos do espírito natalino

O Grinch entende o Natal
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“[…] A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos semelhantes, quer se trate de nossos inferiores, iguais ou superiores. Ela nos manda ser indulgentes, porque temos necessidade de indulgência, e nos proíbe humilhar o infortúnio, ao contrário do que comumente se pratica”. Questão 886 do Livro dos Espíritos, Allan Kardec 

“Sacolinha de Natal – Amiguinhos de Jesus”. Você foi adicionado em um novo grupo do Whatsapp. Foi essa a mensagem que apareceu na tela do meu celular.

Mais um grupo, pensei.

Entrei para ver a que se referia e… Surpresa!!!

Era um grupo criado por uma velha conhecida espírita, justificando, inclusive, o nome “amiguinhos”, pois assim ela se refere aos outros.

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Frequentamos o mesmo centro espírita, onde ela havia sido professora na escola de médiuns.

Tivemos algumas desavenças, inclusive por ela achar que gays, por serem “sexualmente desajustados”, não poderiam trabalhar no passe. Ou que uma mulher pobre e que chegava atrasada, por vir de ônibus, deveria ser afastada dos trabalhos espirituais por ser “mau exemplo”.

Eu a excluí do Facebook, da vida, para falar a verdade, fazia muito tempo após suas postagens a defender a redução da idade penal, o armamento do cidadão de bem, a laqueadura de mulheres pobres e a pena de morte para os comunistas.

Nem preciso dizer quem ela apoiou e fez maciça campanha para presidência. “Onde não podes amar, não te demores”.

Li, espantado, algumas trocas de mensagens. Em uma delas, alguém dizia que ajudaria, mas só se tivesse certeza de não se tratar de mais um eleitor do PT. Alguns riram. Em outra mensagem, outro dizia que doaria, mas que não poderia ir na entrega, pois, da última vez que aconteceu, alguns “faveladinhos” riscaram o carro dela. Mais risos.

Antes de sair do grupo, compartilhei o trecho bíblico, que está em Matheus 23:27-32:  “Naquele tempo, disse Jesus: “Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão! Assim também vós: por fora, pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustiça. Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas!”

Popular entre os espíritas – e também em outras comunidades de fé – a famosa sacolinha de natal virou um símbolo da caridade natalina. Há de itens de vestimenta (tênis, roupa, meia, cueca ou calcinha) a produtos de higiene pessoal e alimentício. Evidentemente, quem a recebe, geralmente crianças empobrecidas, em vulnerabilidade social ou abrigadas, fica feliz. As vezes é a única roupa nova durante todo o ano.

O problema é que muitos religiosos, benevolentes nesse período de festas, são contra programas de transferência de renda ou de ações afirmativas, como o Bolsa Família e cotas para a população negra, indígena e quilombola. Acreditam, nesses dois casos, que devemos “ensinar a pescar, em vez de dar o peixe”, que Bolsa Família só serve para “fazer filho” e que cotas “aumentam o preconceito contra os próprios negros”.

São os chamados “cidadãos de bem”. Fazem caridade para aplacar suas consciências pesadas, mas são contra justiça social. Não querem emancipação das camadas mais populares, tampouco que esses pobres deixem de existir, por que precisam deles para provar sua generosidade. A classe média, como defende a filósofa Marilena Chauí, “é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética, porque é violenta, e é uma abominação cognitiva, porque é ignorante.”

A pobreza extrema continuou a se alastrar pelo País nos últimos dois anos, em decorrência dos grandes retrocessos e da política de recessão adotada pelo atual governo, após anos de avanços na área, e que deve ser mais cruel a partir de 2019.

Dois anos atrás, 24,8 milhões de brasileiros viviam na miséria, 53% a mais que em 2014, revela IBGE. Após o início da crise econômica no país, 8,6 milhões de brasileiros a mais passaram a viver com menos de um quarto do salário mínimo por mês. População com renda de até meio salário mínimo chegou a 36,6 milhões.

A sociedade justa, feliz e igualitária, uma casa comum onde todos possam viver bem, com acesso aos seus direitos, livres de preconceitos e discriminações, base para o mundo de regeneração, só será possível quando todos s contribuirmos para assegurar a dignidade de todos, combatendo todas as formas de exclusão social e se esforçando para que o Brasil volte a investir em programas de transferência de renda, na reforma agrária e em programas de economia solidária (com iniciativas de fomento no campo e na cidade).

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