Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

É tempo de fortalecer as novas narrativas evangélicas

O fundamentalismo religioso é uma monocultura espiritual, no qual apenas há uma só verdade e visão, enquanto o combate a ele é um grande plantio de cores

Fuja de rótulos. Dona Tereza e Alexya Salvador estão muito distantes do estereótipo atribuído às evangélicas - Imagem: Redes sociais
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Entre os dias 2 e 4 de dezembro, aconteceu, em São Paulo, o encontro do coletivo Novas Narrativas Evangélicas. O grupo se entende enquanto “uma comunidade-plataforma de comunhão, construção e afirmação da pluralidade de identidades evangélicas”.  O Novas, como é conhecido, tem buscado articular a juventude evangélica de diferentes tradições, comunidades de fé e organizações para pensar a fé cristã em relação à pauta de direitos humanos e uma agenda anti-fundamentalista. Em 2021, ocorreu um primeiro encontro em São Paulo, e em 2022 um encontro no Rio de Janeiro e este em dezembro.

O evento deste mês tinha como mote o tema “Existem Diversos Jeitos de Ser Crente”, e contou com variadas mesas e plenárias, além de espaços para cultivo da espiritualidade com cultos, momentos de louvor e Santa Ceia. O tema provocador é justamente o que diversos ativistas e pesquisadores, como Magali Cunha, apontam: os evangélicos não são um bloco homogêneo!

 O fundamentalismo religioso é o que reivindica a identidade, a crença, o dogma e a verdade única, quando, ocorre de fato, que a experiência religiosa é múltipla e atravessa identidades, corpos, sentidos indo contra qualquer amarra. Como diria Rubem Alves: “Teologia não é rede que se teça para apanhar Deus em suas malhas, porque Deus não é peixe, mas Vento que não se pode segurar… “

Entre os abraços e afetos do encontro do Novas, me chamou a atenção a fala da jovem Agnes Alencar, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, doutoranda em Ciências da Religião na UFJF e podcaster do EBDcast (sigla que faz alusão à escola bíblica dominical de algumas igrejas evangélicas). Agnes, na plenária que levava o título do encontro, começou sua fala dizendo: “Nós só estamos aqui hoje por conta dos homens e mulheres que vieram antes de nós; por causa de Rubem Alves, que foi perseguido durante a ditadura; por causa de Leonardo Boff; por causa de mulheres como Ivone Gebara, que foi silenciada pela Igreja Católica. Nós só estamos aqui hoje porque eles pavimentaram esse caminho”. 

Agnes Alencar falou ainda sobre a tradição da teologia latino-americana, negra, feminista e queer que abriu caminhos para pensarmos com e a partir de nossos corpos. Ela relembrou outros nomes de irmãos e irmãs que foram perseguidos, silenciados e até mesmo mortos, em nome de uma Nova Narrativa, um novo projeto de mundo. Foi o caso da Irmã Dorothy Stang, brutalmente assassinada por defender a reforma agrária, a Amazônia e as comunidades tradicionais indígenas. Eu já tinha contado um pouco dessas trajetórias dos Evangélicos da Libertação no primeiro texto do ano de Diálogos da Fé.

O resgate de Agnes rememora a vida daqueles e daquelas que construíram Novas Narrativas com luta, sangue, suor e Bíblia. Nesta construção coletiva de disputa dos fundamentalismos, é preciso também o resgate de outras juventudes religiosas que constroem ecumenicamente as resistências a partir de outros lugares, como a Pastoral da Juventude (PJ) da Igreja Católica Apostólica Romana, que tece a partir da educação popular entendimentos da fé por meio  de grupos marginalizados, sendo presente em todo o Brasil; a Rede Ecumênica da Juventude (REJU), que atuou fortemente em diversos territórios do país semeando o legado do ecumenismo latino-americano; os Encontros Nacionais de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (ENJEL), que ocorreram em 2014 em Fortaleza (CE) e 2017 em Poá (SP), reunindo centenas de jovens de diferentes partes do Brasil para pensar o papel da espiritualidade e construção do bem-viver a partir das juventudes. O terceiro ENJEL acontecerá em 2023, em meados de novembro em Salvador (BA). Eu poderia aqui citar outras vivências cristãs que têm buscado rabiscar caminhos amplos e arejados para a fé.

As Novas Narrativas são sementes que devem se multiplicar na lógica do mutirão – todos têm tarefas e ninguém é mais importante que outro! O fundamentalismo religioso é uma monocultura espiritual, no qual apenas há uma só verdade e visão, enquanto o combate a ele é um grande plantio de cores, onde todos têm voz, vez e lugar para falar do Divino. Por isso, é necessário que, cada vez mais, haja uma articulação entre as igrejas e movimentos baseados na fé não só no Brasil, mas em toda a América Latina e Caribe, para que essas narrativas fundamentalistas sejam enfrentadas. 

É preciso resgatar o legado daqueles e daquelas que vieram antes de nós, para sabermos onde já caminhamos enquanto coletivo e onde temos que caminhar para semear mais e mais dessas sementes de vida, de teologias plurais que dignificam corpos e não negam o outro. Que brotem no meio de nós muitas outras Novas Narrativas…

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