Diálogos da Fé

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Os evangélicos da libertação: um breve resgate

Conheça homens e mulheres de fé que se apegaram a um cristianismo de libertação e que se envolveram em movimentos populares de resistência

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Os evangélicos da libertação: um breve resgate

Os evangélicos são plurais e múltiplos, e existem aqueles e aquelas que não se dobraram aos pés dos fundamentalismos, necropolíticas e capitalismo. Muito do que se fala da Teologia da Libertação foca nas experiências católicas de resistência, entretanto, os protestantes evangélicos também fizeram parte dessa trajetória de luta na América Latina. Relembrar, brevemente, alguns nomes e pontos de um protestantismo da libertação se faz uma tarefa necessária para quem ainda se espanta com evangélicos nas lutas populares, como diz Rubem Alves, a memória traz sempre algo de subversão. Recomendo a leitura do livro Teologia Protestante Latino-Americana: um debate ecumênico (2018, Ed. Terceira Via), organizado por Claudio Ribeiro de Oliveira, por trazer diversas vozes acerca desse desenvolvimento do protestantismo latino-americano que não conseguiremos aqui abordar.

Precisamos começar por Richard Shaull (1919-2002), um teólogo presbiteriano norte-americano que viveu muitas décadas no Brasil. Shaull foi professor no Seminário Teológico de Campinas (Estado de São Paulo), onde articulou UCEB, a União (Protestante) Cristã de Estudantes Brasileiros e é considerado um dos precursores da TdL. O teólogo dedicou seus estudos no diálogo entre o cristianismo e categorias marxistas, relacionando temas sociais com a fé evangélica. Articulou diversos espaços que se tornaram movimentos ecumênicos de libertação, um exemplo foi, em 1962, em Recife, a plenária do Departamento para a Responsabilidade Social da Confederação Evangélica Brasileira sobre Cristo e o processo revolucionário brasileiro. Apelidado de “teólogo da revolução”, sofreu perseguição política e religiosa, após publicações como cristianismo e revolução social (1960), que incentivava seus estudantes a se engajarem na luta por uma sociedade igualitária.

Um desses estudantes foi Rubem Alves, presbiteriano, que veio a se tornar teólogo, pedagogo, contador de histórias e que em sua tese de doutorado traz pela primeira vez o termo “Teologia da Libertação”. A tese, intitulada pelo autor Towards a Theology of Liberation (Por uma Teologia da Libertação), publicada em 1968, nos EUA, foi publicada com o outro título A Theology of Human Hope (Uma Teologia da Esperança Humana), para garantir uma maior circulação para os leitores e leitoras da época, pois as obras de Jurgen Moltmann, que traziam o tema da esperança, estavam com certa visibilidade.

A contribuição de Rubem Alves é ainda importantíssima para o contexto de um protestantismo da libertação, pois traz a dimensão do corpo e da subjetividade no contexto da luta de classes. Ainda na reflexão teológica, pessoas como a teóloga e biblista mexicana Elsa Tamez (1951 – ); a teóloga argentina queer Marcella Althaus-Reid (1952-2009);  Sylvia Rivera (1951-2002), evangélica, mulher trans e ativista da libertação gay e dos direitos dos transgêneros da América Latina e uma das fundadoras da Igreja Comunidade Metropolitana, a teóloga e pastora brasileira e ativista da Comissão Pastoral da Terra, Nancy Cardoso (1959 – ) aprofundaram a dimensão do corpo  e da sexualidade a partir da teologia feminista e queer, trazendo críticas a Teologia da Libertação que por inúmeras vezes excluiu mulheres e dissidentes de gêneros e sexualidades das abordagens e práxis teólogicas.

Além desses nomes, importantes organizações protestantes surgiram criando um ecumenismo evangélico de resistência, como ISAL, Iglesia y Sociedade en América Latina (Igreja e sociedade na América Latina), em um desdobramento da assembleia em Huampani, perto de Lima, Peru. Que foi em resultado das Conferências Evangélicas Latino-americanas (CELAS). Em seu livro “O que é Cristianismo da Libertação: religião e política na América Latina” (2000),  Michael Löwy aponta: “talvez, da iniciativa mais importante na criação de um movimento de libertação entre os protestantes latino-americanos” . Outras organizações foram se formando, como o Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI), que surgiu em 1978 a partir da Conferência Evangélica de Oaxtepec, no México, Departamento Ecumênico de Informação (DEI) em Costa Rica, o Centro Ecumênico para a Evangelização e Educação Popular (CESEP), em São Paulo, ou o Centro Ecumênico para Documentação e Informação (CEDI) no Rio de Janeiro, hoje KOINONIA Presença Ecumênica, e ações dessas instituições no Conselho Mundial de Igrejas.

Relembrar os/as evangélicos e evangélicas que lutaram e se organizaram contra a ditadura militar, como Anivaldo Padilha, metodista que participou da resistência contra a ditadura e foi denunciado pelo próprio pastor, sendo sequestrado e torturado; Zwinglio Mota Dias, presbiteriano, também membro do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), preso e torturado psicologicamente, teve o irmão Ivan Mota sequestrado, se tornando um desaparecido político; Eliana Rolemberg, luterana e ativista de movimentos de juventudes ecumênicas, foi presa e torturada pela ditadura militar; entre tantos outros nomes, de homens e mulheres de fé que se apegaram a um cristianismo de libertação e que se envolveram em movimentos populares de resistência a morte e opressão! 

Resistimos e continuamos a resistir! Hoje em dia há inúmeros movimentos religiosos evangélicos engajados em pautas sociais e de luta, como os grupos Frente Evangélica Pelo Estado Democrático de Direito, Evangélicas pela Igualdade de Gênero, Feministas Cristãs, Movimento Negro Evangélico, Frente Evangélica Pela Legalização do Aborto, Rede Fale, Evangélicxs, Coalizão de Evangélicos pelo Clima, Rede.Fale, Evangélicxs, Coalizão de Evangélicos pelo Clima, Rede de Negras Evangélicas, Cristãos Contra o Fascismo, Coletivo Vozes Marias, Movimento Social de Mulheres Evangélicas do Brasil, Coalizão de Evangélicos Contra o Bolsonaro. Além de evangélicos e evangélicas que estão e são lideranças nos movimentos populares, como MST, MTD, Levante Popular da Juventude, movimentos urbanos de moradia, que trazem as vivências e identidades, entre elas evangélica, para o trabalho de base e resistência! 

Fazer esse resgate histórico é crucial em um ano de eleições como 2022, em que o voto evangélico está em disputa e que ainda se comete o erro de setores progressistas de generalizar os evangélicos no Brasil. O reconhecimento dessas resistências de fé é o passo número um para o avanço de uma frente ampla contra os fundamentalismos e os neofascismos que temos enfrentado nesses últimos anos. Seguimos resistindo com a Bíblia em uma mão e com o punho fechado na outra, usando nossa voz, nossa vida para a construção de um projeto popular para o país!

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