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CESE: 50 anos de igrejas unidas para servir na defesa dos direitos humanos

Em um tempo em que uma parcela destacada das igrejas se revela comprometida com projetos de poder, a data representa uma memória ainda mais importante

Igreja Católica
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Este junho de 2023 tem grande significado para a história das igrejas cristãs e do movimento ecumênico no Brasil: é o mês de celebração dos 50 anos de criação da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), sediada em Salvador (BA). É uma memória especialmente significativa pois 2023 é o ano em que serão celebrados os 75 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos  e os 35 anos da Constituição do Brasil. 

A CESE nasceu em 13 de junho de 1973. Nos seus registros, a organização afirma que as cinco igrejas que se uniram para criá-la (Católica Romana, Episcopal Anglicana, Metodista, Pentecostal Brasil para Cristo, Missão Presbiteriana do Brasil Central), o fizeram para estabelecer ‘”um sinal de esperança”. Naqueles tempos obscurantistas, de toda sorte de violação de direitos, pela ditadura militar implantada em 1964, estas igrejas cristãs assumiam o “ecumenismo de serviço” – a unidade para defender a vida em todas as suas expressões, por meio de apoio a projetos das igrejas e de movimentos sociais que fossem nesta direção. 

Inspirada pela noção de Cristianismo Prático, do histórico Movimento Vida e Ação, um dos que alimentou a criação do Conselho Mundial de Igrejas, a CESE passou a testemunhar que as igrejas podem se unir para servir. Nesta forma de viver a fé, a organização buscou superar o assistencialismo para atuar na raiz dos principais problemas sociais, tendo sempre em vista a educação para transformar a realidade.

De forma corajosa e profética, no contexto da cruel violação de direitos humanos que o Estado de exceção agenciou, uma das primeiras atividades da CESE foi a publicação de um livreto com o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O material era singular porque trazia textos da Bíblia relacionados a cada artigo. 

A iniciativa da CESE com o livreto e com suas ações para ser um “sinal de esperança”, a partir da pauta de direitos, permanece muito necessária ao Brasil, 50 anos depois. Ainda que a Declaração dos Direitos Humanos tenha servido de base para a Constituição do Brasil, de 1988, símbolo maior da superação da ditadura e da reconstrução democrática, ainda há muita ignorância e muita resistência sobre o que significam estes direitos.

Visões e posturas violentas e extremistas, alimentadas por lideranças políticas, têm reduzido os direitos humanos a algo ideológico, como bandeira exclusiva de esquerdas políticas. Críticas destrutivas são dirigidas à Declaração e à Constituição, classificando a busca de direitos dignos como “defesa de bandidos” (um reducionismo com base apenas em seis dos 30 artigos, aqueles voltados para a aplicação justa e digna de leis e tribunais para quem é punido por cometer ilegalidades). 

Isto se mostra, na verdade, reflexo do ressentimento de grupos exclusivistas, brancos, machistas, racistas, de quem quer manter privilégios e sustentar a desigualdade entre os humanos e explorar a Terra. Neste grupo estão empresários, ruralistas, banqueiros, donos e profissionais de mídias, que dão suporte a este discurso. Ele acaba acolhido por muitas pessoas pois simplesmente ignoram os artigos da declaração. 

O desconhecimento da Declaração e sua aplicação na Constituição Brasileira, por exemplo, reflete-se na incompreensão de que direitos humanos vão desde a segurança alimentar, ao direito ao voto, às condições justas de trabalho, ao direito à propriedade, à participação na vida cultural e no progresso científico de uma sociedade, e aos deveres que cada humano tem com sua comunidade. Para citar alguns artigos ignorados por quem nunca leu a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a critica somente de ouvir falar.

Vale recordar que as igrejas cristãs contribuíram significativamente com a aprovação da declaração por meio do ecumenismo, que alimenta a unidade das igrejas em diálogo e cooperação com as demais religiões, na busca da paz com justiça. O movimento ecumênico participou diretamente da elaboração do Artigo 18, sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de crença, especialmente por meio da Comissão das Igrejas sobre Assuntos Internacionais (CCIA), criada em 1946, mais tarde tornada parte do Conselho Mundial de Igrejas. 

As igrejas que fundaram a CESE buscaram ser fiéis a este compromisso cristão do serviço à vida. Estas igrejas em diálogo e cooperação permanecem comprometidas e muito ativas na defesa da aplicação dos princípios dos direitos humanos. Isto é resultado da compreensão de fé de que direitos e garantias de dignidade para os seres humanos correspondem à vontade do Deus Criador, que “ama o mundo e os que nele habitam”, para “que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Evangelho de João).  

As igrejas-membros da CESE hoje são: Aliança de Batistas do Brasil, Católica Romana, Episcopal Anglicana, Evangélica de Confissão Luterana, Presbiteriana Independente e Presbiteriana Unida). As ações da organização se concretizam em formas de associativismo comunitário; associações e cooperativas, grupos de base; igrejas, organizações ecumênicas e outras baseadas na fé, movimentos sociais de caráter local, regional e nacional; redes, fóruns e outras modalidades de articulação. Recebem apoio para suas práticas e projetos, uma diversidade de grupos e movimentos alinhados com os princípios éticos norteadores do trabalho da CESE, que apresentam capacidade de mobilização e construção de alternativas comunitárias e/ou buscam intervir nas políticas públicas, nos vários âmbitos (do local ao nacional), e que demonstram potencial para desenvolvimento de ações articuladas. 

Em um tempo em que uma parcela destacada das igrejas se revela comprometida com projetos de poder espalham ódio, maldade e morte, os 50 anos da CESE são uma memória importante de como igrejas podem estar unidas entre elas e com os movimentos populares para cuidar da Terra, nossa casa comum, defender a justiça, a democracia e construir o bem viver.

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