Diálogos da Fé

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Apoio de evangélicos brasileiros a Israel é irrelevante internacionalmente, mas reforça fundamentalismo no país

Internamente, este apoio se traduz em combustível para uma radicalização crescente, que consolida uma visão de mundo polarizada e belicista

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O apoio evangélico brasileiro ao Estado de Israel, embalado por uma interpretação literalista das escrituras que prega paz e amor, transparece insensatez e incoerência. Enquanto suas Bíblias clamam por misericórdia e fraternidade, esses mesmos grupos endossam políticas beligerantes, ignorando a ironia de sua postura diante de um conflito que seus sermões deveriam aspirar a pacificar. E embora seu fervor pareça impregnado de significado espiritual, na prática geopolítica, seu peso é absolutamente irrelevante, talvez valorizado apenas pelo lucro que geram através do turismo religioso. Israel, enquanto recebe seus dólares em troca de areia do Mar Morto e água do Rio Jordão, possivelmente os vê menos como aliados em sua luta política e mais como peregrinos financiando uma indústria que se alimenta de sua devoção e, paradoxalmente, de sua desatenção para com os verdadeiros ensinamentos de compaixão e coexistência pacífica.

O cenário é paradoxal: evangélicos, seguidores de um Deus que atende pelo nome de Príncipe da Paz, encontram-se alinhados com políticas que, muitas vezes, resultam em violência e guerra. Não é apenas um apoio passivo, mas um endosso ativo e barulhento de uma agenda política que desconsidera a dignidade e os direitos humanos do povo palestino.

A retórica de guerra, vestida de teologia, é tanto imprudente quanto irresponsável. A fé evangélica, ao adotar uma postura beligerante, está não apenas se desviando de seu fundamento de amor e redenção, mas também contribuindo para a defesa de um discurso que legitima a perpetuação de um conflito sangrento. A situação pede uma introspecção crítica, um exame de consciência sobre como a fé cristã tem sido manipulada para servir a interesses políticos que estão em desacordo com os ensinamentos fundamentais do evangelho.

O dispensacionalismo, a teologia que sustenta este apoio, preconiza um Israel moderno como o palco para o retorno de Cristo. Contudo, a ideologia que deveria fomentar a esperança e a vigilância espiritual está sendo cooptada por um fervor que flerta com o apocalipse, não como uma promessa de renovação, mas como uma licença para a destruição.

O que se vê é um discurso que glorifica o conflito e que encontra eco nos corredores do poder, onde a diplomacia é trocada por uma posição acrítica. Situação acentuada durante o governo Bolsonaro, quando a política externa brasileira, sob a influência de líderes evangélicos, passou a adotar uma postura que negligencia a complexidade do conflito e ignora o sofrimento dos palestinos. Uma abordagem que não apenas contraria a ética cristã, mas também manchou a imagem do Brasil no cenário internacional.

A fé não pode ser um instrumento de guerra, mas farol para a paz, a justiça e a reconciliação. Quando a religião se torna um braço do estado ou um aval para políticas agressivas, ela perde sua alma. O apoio inquestionável a qualquer nação, especialmente quando esse apoio leva à justificação da opressão e da violência, é uma traição aos valores mais básicos do evangelho.

Os evangélicos brasileiros que apoiam essas políticas devem se perguntar onde está a mensagem de amor ao próximo, a compaixão e a graça que são centrais em sua fé. Devem se perguntar se Jesus, que expulsou os mercadores do templo e pregou a paz, aprovaria tal aliança com a força e o poderio militar. É imperativo que as lideranças evangélicas e os fiéis reexaminem suas crenças e suas políticas, buscando alinhar sua fé com a prática de justiça e paz, e não com o endosso da guerra e do conflito. Somente assim, a fé evangélica poderá reivindicar seu lugar como uma força para o bem no mundo, e não como uma voz que ecoa os tambores da guerra.

A militância evangélica brasileira em favor de Israel, apesar de sua fervorosa devoção, encontra um eco surpreendentemente fraco no palco internacional, onde as grandes decisões geopolíticas são tomadas por atores com real poder de influência. Essa postura, embora se pretenda estratégica e alinhada com o curso profético da história, revela descompasso com a realidade, inflando uma bolha de autoimportância que pouco ressoa além de suas próprias congregações. Internamente, porém, esse mesmo apoio se traduz em combustível para um fundamentalismo crescente, que consolida uma visão de mundo polarizada e belicista, distante do evangelho de amor e paz que professam. Ironia das ironias, esses grupos parecem não captar a dimensão de seu próprio paradoxo: almejam uma influência gigantesca, mas na arena global, suas vozes ressoam mais como um murmúrio do que como o rugido profético que imaginam proferir.

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