Diálogos da Fé

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A jovem pastora do TikTok e a infância nas igrejas

É comum as igrejas funcionarem, em pelo menos parte do tempo, como o único espaço aberto para o cuidado das crianças

Vitória Souza, jovem que viralizou nas redes sociais com pregações evangélicas. Foto: Reprodução
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Na última semana, mais um vídeo da jovem pastora Vitória Souza, de 17 anos, viralizou, conseguindo mais de 1 milhão de visualizações nas redes TikTok e Instagram. No vídeo em questão, Vitória utilizou um copo plástico amassado para pregar sobre resiliência. Segundo suas palavras: “[o copo] está amassado, mas ainda cumpre sua função de copo. Ele está com cicatrizes, mas Jesus deixa cicatrizes em você para te lembrar que a dor não te matou, mas te fortaleceu”.

Vitória tem recebido críticas de setores do meio religioso pelo conteúdo incorporar práticas típicas de coach e não aprofundar teologicamente suas pregações. Outras críticas atingem o conteúdo ideológico de seus discursos. A socióloga Manuela Löwenthal salientou, em texto publicado no Observatório Evangélico, os valores neoliberais contidos na lógica por trás de suas pregações.

O teólogo Kenner Terra, além das críticas sobre o estilo e conteúdo das pregações de Vitória, levanta também uma outra questão: a adultização de crianças e adolescentes.

Nas entrevistas que a Vitória dá, você percebe que ela é muito segura do que faz, que tem uma compreensão avançada de si, do seu propósito. O que ela faz, ela faz com segurança. Agora, eu não sei as consequências futuras na formação psicológica dela. Existe o problema da exposição. Ela é uma adolescente, e a exposição pública pode se tornar um grande problema.

Esse é um ponto importante, pois abre a possibilidade discutirmos um outro aspecto, para além do caso de Vitória: o da própria infância dentro da igreja. E, para começar essa discussão, vale dizer que é comum, em vários lugares do país, as igrejas funcionarem em pelo menos parte do tempo como o único espaço aberto para o cuidado das crianças, seja pela falta de equipamentos públicos, seja porque estes possuem horários que não se encaixam nas rotinas básicas de trabalho. Na cidade de São Paulo, por exemplo, as creches funcionam das 7 da manhã às 5 da tarde. Em muitos municípios, a maior parte dos berçários e escolas de educação infantil funcionam com a criança ou bebê permanecendo por meio período. Isso, é claro, quando há vagas.

São as igrejas evangélicas, portanto, que funcionam como locais em que os filhos de fiéis podem ser supervisionados. Isso não é pouco, visto que, muitas vezes, é essa assistência que permite que mães possam trabalhar, possibilitando certo grau de independência e dignidade às mulheres e seus filhos. Deveríamos, claro, incluir os pais nesse raciocínio, mas infelizmente a esfera do cuidado dos filhos ainda é desproporcionalmente maior atribuída às mulheres e, nesse cenário, são elas que precisam limitar suas atividades extra-lar.

Com as igrejas cumprindo um papel importante na vida das crianças e famílias, cabe perguntar qual educação e quais valores estão sendo compartilhados no espaço religioso. Se, por um lado, não é incomum que crianças evangélicas aprendam a ler nas reuniões de escola bíblica, por outro, vale perguntar como se dá essa sociabilidade e como circulam os valores no interior dos espaços religiosos. Como questões como tolerância, respeito, diversidade são tratadas? Como as disputas políticas, inclusive a do ano passado, que deixou tantas marcas e influenciou tanto o mundo evangélico, são sentidas pelas crianças nesse espaço? Como as crianças são ensinadas a lidar com as dificuldades da vida? Como desenvolvem suas habilidades?

As igrejas não são imunes ao que acontece do lado de fora, é claro. Mas certamente o que incomodou da pregação da jovem pastora Vitória Souza não é alheio ao que circula nas igrejas no ambiente das crianças. Ao que parece, esse aspecto vêm atraindo pouca atenção do corpo das igrejas. Mudar esse cenário é um dever de pastores, fiéis e toda a organização das igrejas, além, é claro, da sociedade como um todo.

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