Daniel Camargos

Daniel Camargos é repórter há 20 anos e cobre conflitos no campo, especialmente na Amazônia, para a Repórter Brasil. É fellow do programa Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center

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O agro não é pop; o agro é golpe, apontou a CPMI do 8 de Janeiro

Dos 16 financiadores da tentativa de golpe,13 são fazendeiros, segundo relatório da CPMI

Desfile de tratores em Brasília Foto: Caio de Freitas Paes/Agência Pública
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A extrema-direita brasileira, principalmente a que está ligada ao agronegócio, acumulou derrotas nas duas principais CPIs instaladas neste primeiro ano do governo do presidente Lula (PT). A CPI do MST foi encerrada sem votação de seu relatório. Ou seja: não deu em nada a tentativa de criminalizar o movimento. Já a CPMI do 8 de Janeiro teve o relatório aprovado com pedido de indiciamento de 61 pessoas, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e cinco ex-ministros na lista. Entre as 26 acusações, a mais recorrente é tentativa de golpe.

Dos 16 financiadores da intentona golpista de janeiro apontados pelo relatório da CPI do 8 de Janeiro, 13 são fazendeiros e ligados a entidades que representam os interesses do agronegócio, como mostrou o observatório De Olho nos Ruralistas. Os próceres do agro são conectados, majoritariamente, à Aprosoja, a entidade de classe que representa os grandes sojeiros.

O impacto na imagem do agro podia ser ainda pior, pois ficaram de fora do relatório da CPI dezenas de fazendeiros que enviaram caminhões para a tentativa de golpe em Brasília.

Quem não escapou foi o ex-presidente da Aprosoja Antônio Galvan. Derrotado na última eleição para o Senado em Mato Grosso, Galvan já foi multado por desmatar 500 hectares de vegetação nativa e por vender soja sem nota fiscal, revelou a Repórter Brasil. Ele também responde na Justiça por plantio clandestino de grãos e por uma tentativa de invasão de terra em uma fazenda vizinha à sua.

Galvan integrou um grupo informal conhecido como Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), que, segundo investigação da Abin que consta no relatório da CPI, foi responsável pelo envio de caminhões para Brasília e pelos bloqueios rodoviários realizados logo após o resultado das eleições de 2022. Na traseira dos caminhões estavam colados adesivos com a mensagem: “Faça o que for preciso! Eu autorizo, Presidente!”.

O relatório da CPI destaca ainda, na página 885, que Galvan concedeu uma entrevista ao programa Sucesso no Campo, em dezembro de 2022, contestando o resultado da eleição. Já eu considero importante destacar também outra entrevista do sojeiro, em agosto de 2022, quando chamou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) de “quadrilha”.

A referida “quadrilha” foi alvo de uma CPI, mas, diferente de Galvan e dos sojeiros, passou ilesa. O relator da CPI do MST, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), não conseguiu aprovar seu relatório.

O ex-ministro do Meio Ambiente, que é réu em uma ação que apura a exportação ilegal de madeira, não soprou o berrante como imaginou que seria capaz. Salles, que se notabilizou pela frase de  “passar a boiada” quando foi ministro, chegou a fazer algum barulho com diligências da comissão e, junto com seus aliados da extrema-direita, usou a CPI para produzir cortes de vídeos lacradores para as redes sociais. Mas ficou só nisso.

A leitura do relatório de 88 páginas escrito por Salles causa estranhamento aos portadores de bom senso. Está lá na página 11 que os deputados conferiram o lixo dos dirigentes de um assentamento no interior de São Paulo e encontraram – PASMEM – embalagens de cerveja e pacotes de salgadinhos industrializados. Juro que fiquei temente de ser alvo de uma diligência semelhante e ser exposto com divulgação das bobagens que eu como.

O tom do texto do relatório faz lembrar o palavrório de um bedel de colégio militar na década de 1960 ou 70 – auge da ditadura e da Guerra Fria. Os deputados se deram ao trabalho de relatar que encontraram cartazes com fotos do Che Guevara e do Karl Marx em um acampamento. Que coisa.

Certo é que o saldo das duas CPIs enfraqueceu a extrema-direita ruralista. Durante o depoimento de seis horas na CPI, o líder do MST, João Pedro Stédile, fez uma análise sobre o agronegócio. Para ele, o setor está dividido, sendo que a parcela que insiste em apenas ganhar dinheiro é representada pela Aprosoja.

“Aquele agronegócio burro, que só pensa em lucro fácil, esse está com os dias contados”, acredita Stedile.

As derrotas do agro nas CPIs se somam a outras duas que a tese do Marco Temporal, tão querida pelos ruralistas, em especial da Aprosoja, teve recentemente.

A primeira foi no STF, que considerou inconstitucional a tese de que uma área indígena só poderia ser demarcada se ficasse comprovado que era ocupada pela comunidade em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Desgostoso da decisão do Supremo, o Congresso aprovou um Projeto de Lei sobre o assunto e, na última sexta-feira 20, o presidente Lula vetou o cerne da proposta e alguns penduricalhos anexados ao PL, impondo nova derrota ao agro.

A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida como Bancada Ruralista, já anunciou que vai se mobilizar para derrubar os vetos de Lula. Depois das derrotas nas CPIs, a bancada (que soma 324 deputados federais e 50 senadores) prepara seus tratores para atropelar a decisão do presidente.

Cabe à parcela da sociedade que se horrorizou com a tentativa de golpe – e que vestiu o boné vermelho do MST para defender a reforma agrária – dar as mãos aos povos indígenas para conter mais essa investida do agro. Afinal, o combinado era não soltar a mão de ninguém.

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