Conjunturando

As eleições e os erros de interpretação induzidos pela bolha

A única chance de Haddad é focar nos eleitores de menor renda e escolaridade que passaram a rejeitá-lo nas duas últimas semanas

Haddad e Manuela discursam após confirmação de segundo turno
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Antes do primeiro turno, a maior vantagem de Ciro Gomes (PDT) sobre Bolsonaro (PSL) nas pesquisas eleitorais nos cenários de segundo turno foi amplamente utilizada como argumento para que eleitores do campo progressista fizessem voto útil em Ciro Gomes.

A primeira rodada de pesquisas eleitorais no segundo turno aponta para considerável vantagem de Bolsonaro sobre Haddad (PT), o que parece corroborar a tese de que o cenário favorável a Bolsonaro seria resultado direto e previsível do antipetismo.

Boa parte do meu círculo de convivência, composto majoritariamente por pessoas de renda alta e com ensino superior, acredita nessa hipótese. Ciro deverá explorá-la para se firmar como terceira via, papel desempenhado por Marina Silva (Rede) em 2010 e 2014. É inegável que o antipetismo é muito forte na elite: no Datafolha de 21 de agosto de 2018, Lula (PT) tinha rejeição de 49% entre pessoas com ensino superior e de mais de 50% entre pessoas com renda mensal de mais de 5 salários mínimos. Só que nossa bolha é uma parte pequena da sociedade e extrapolar o que nela ocorre para o todo é um erro crasso.

O desempenho de Ciro Gomes no primeiro turno é a melhor forma de ilustrar esse autoengano. Em agosto, Ciro tinha 10% das intenções de voto totais, o que correspondia a quase 14% dos votos válidos. Nas semanas que antecederam o primeiro turno, houve uma verdadeira onda favorável ao Ciro nas redes sociais, composta tanto por eleitores de Haddad com medo da ameaça à democracia representada por Bolsonaro quanto por pessoas avessas à mais uma vitória do PT.

Se me baseasse pelo meu entorno, Ciro Gomes ocuparia a vaga de Haddad no segundo turno. No primeiro turno, em 7 de outubro, Ciro obteve 12,54% dos votos válidos, o que corresponde ao mesmo patamar do final de agosto, considerando a margem de erro. A despeito da onda da minha bolha, Ciro terminou as eleições no mesmo lugar que tinha no final de agosto. A bolha engana.

O antipetismo e rejeição de Haddad

Há um segmento de eleitores com rejeição arraigada e estrutural ao PT, sendo relativamente imunes às mudanças conjunturais de opinião pública. Embora o eleitorado de Lula seja maior que o do PT, a rejeição de Lula é uma boa aproximação ao antipetismo. No Datafolha de 30 janeiro , logo após a condenação em segunda instância, a rejeição a Lula era de 40%. Em 21 de agosto, após sua prisão, sua rejeição havia caído para 34%.

No mesmo período, as intenções de voto de Lula aumentaram de 36% para 39%. Grosso modo, pode-se dizer que pouco mais de um terço do eleitorado é antipetista e que o antipetismo é maior entre eleitores de maior escolaridade, em que a rejeição a Lula chega a 50%. Esta pesquisa do Datafolha  também revelou que cerca de um quarto dos eleitores não rejeitam, nem votariam em Lula, hipótese inconcebível para a grande maioria das pessoas da bolha. Mas essas pessoas existem.

Nesta pesquisa, Haddad tinha apenas 4% das intenções de voto e 21% de rejeição, o que se explica pelo fato de que 41% dos eleitores não o conheciam. Conforme se tornou conhecido, Haddad herdou votos e rejeição de Lula – no Datafolha de 28 de setembro, Haddad tinha 22% das intenções de voto e 33% de rejeição. É de se esperar que, conforme fosse identificado como candidato de Lula, Haddad herdaria sua rejeição.

Ainda assim, 20% dos eleitores o desconheciam, índice próximo a 30% entre eleitores de escolaridade mais baixa, base eleitoral de Lula. Em outras palavras, dado o perfil de renda e escolaridade dos eleitores de Lula, a rejeição a Haddad tenderia a vir mais rápido que a migração de votos. O último Datafolha de setembro também indicava vitória de Haddad sobre Bolsonaro no segundo turno.

A menor vantagem de Haddad relativamente a Ciro contra Bolsonaro decorria fundamentalmente do menor conhecimento de Haddad, o que tenderia a desaparecer quando o índice de desconhecimento de Haddad se igualasse ao dos demais candidatos. Pesquisa CNT/MDA divulgada no dia 29 de setembro indicava que Haddad, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin teriam desempenhos semelhantes contra Bolsonaro no segundo turno. Naquele momento, as pesquisas indicavam vitória de Haddad, a despeito do antipetismo e do desconhecimento de parte do eleitorado de Lula.

A virada de Bolsonaro

Em 29 de setembro, ocorreram manifestações do #Elenão e no dia seguinte atos de apoio a Bolsonaro. O Ibope de 1 de outubro indicou crescimento de Bolsonaro e expressivo aumento da rejeição e Haddad, tendência que se intensificou ao longo da semana, indicando que havia chances reais de vitória do candidato do PSL no primeiro turno. Provavelmente o crescimento inesperado dos candidatos do Partido Novo em Minas Gerais e do PSC no Rio de Janeiro estão correlacionados com a onda favorável a Bolsonaro.

Na semana posterior ao primeiro turno, o Datafolha indicou vantagem de 16% de Bolsonaro, praticamente mesmo patamar do Ibope desta semana. Em cenários de segundo turno, a rejeição é menos importante do que parece, porque candidatos que votam em A, rejeitam B e vice-versa. Por essa razão, Datafolha não pesquisa a rejeição no segundo turno.

A hipótese do antipetismo simplesmente não explica o aumento de Bolsonaro nas últimas semanas porque antes disso Haddad já havia herdado o patamar de rejeição de Lula. Há um fato novo e que vai além do antipetismo consolidado. Em duas semanas, pessoas que não rejeitavam Lula e o PT passaram a rejeitar Haddad, mudando o quadro eleitoral. É inocência acreditar que, se fosse alvo deste tipo de estratégia, Ciro seria imune a este aumento de rejeição. Não precisa fazer grande esforço para lembrarmos de diversas declarações polêmicas que poderiam facilmente ser usadas contra ele. A mudança fundamental ocorreu entre mulheres e no eleitorado de menor renda e escolaridade, em que a ampla vantagem que Haddad tinha nos cenários de segundo turno praticamente desapareceu.

A pregação para quem já rejeita o PT: a falácia da autocrítica

Neste momento não faltam apelos para uma autocrítica do PT como estratégia eleitoral. Em primeiro lugar, há que se qualificar a quem essa autocrítica é voltada. Como filiado ao PT há quase duas décadas, entendo que os maiores erros dos governos petistas foram não insistir em uma agenda de maior progressividade tributária, confundir fortalecimento de instituições com fortalecimento de corporações, promover uma política econômica inconsistente, que ficou conhecida como “nova matriz econômica” durante o governo Dilma, e um discurso condescendente com o autoritarismo do governo venezuelano. Certamente não é isso que quem hoje demanda uma autocrítica quer ouvir. A autocrítica demandada do PT vem de quem não vota e não votaria no PT tão cedo.

O segundo aspecto  – e o mais importante neste momento – é: além de dar munições aos adversários, este tipo de autocrítica não rende votos, pois como dito acima, é uma demanda de quem já não vota no PT nas últimas eleições É possível que este tipo de discurso facilite apoios de outros políticos do campo democrático, mas isso deve ser visto com ressalvas, pois o Datafolha indica que apoio dos candidatos derrotados no primeiro turno é pouco relevante para a decisão dos eleitores no segundo turno.

Por essa razão, a autocrítica deve ser feita após as eleições, tanto em caso de derrota, quanto de vitória. No primeiro caso, porque o PT sairia dessas eleições como maior partido de oposição e teria essa responsabilidade para com os outros partidos de oposição. Já um eventual governo de Haddad precisaria unir todo o campo democrático, inclusive o centro e a centro direita.

A pregação para convertidos

Outro erro comum é fazer um discurso para quem já está convencido a votar em Haddad, seja porque gosta do PT ou tem rejeição consolidada a Bolsonaro. O próprio Haddad cometeu este erro ao indicar Mario Sérgio Cortella, nome que tem apelo apenas para a bolha progressista de grandes cidades, para o Ministério da Educação. Outro erro é o discurso de combate ao fascismo, algo que só tem apelo para pessoas de escolaridade mais alta que já tem opinião formada sobre Bolsonaro. Se levou quase dois meses para os eleitores saberem quem é o candidato de Lula, não é em duas semanas que iremos explicar o que é fascismo.

Estratégia eleitoral: foco e pregação para não convertidos

A única chance de vitória de Haddad é focar todas as atenções nos eleitores que passaram a rejeitá-lo do final de setembro pra cá, pois essa rejeição foi construída em pouco tempo, provavelmente com fake news, e é relativamente mais fácil de ser desconstruída. O PT deve buscar identificar, em pesquisas qualitativas, o que levou parcelas relevantes do eleitorado a mudar de opinião tão rápido e formular estratégias de amplo alcance, principalmente pelo WhatsApp, que tem maior alcance que redes sociais entre os eleitores de menor renda a escolaridade, grupo em que se concentram os eleitores que mudaram de opinião repentinamente.

No passado, a desconstrução de candidaturas era algo que demandava timing, pois frequentemente quem tenta desconstruir outros candidatos é visto com maus olhos pelo eleitorado. Com WhatsApp isso não ocorre, pois a criptografia assegura o anonimato de quem cria as correntes.

Pós eleições: união e comunicação

Os parlamentares eleitos em 2018 têm um perfil ainda mais conservador que os eleitos em 2014. A diminuição expressiva das bancadas do MDB e do PSDB na Câmara e do PT no Senado tornarão ainda mais fragmentada a base de apoio de qualquer presidente. Caso Haddad vença, enfrentaria questionamento do resultado das eleições e uma oposição ferrenha que faria de tudo para inviabilizar seu governo.

Por essa razão, se não formar base de apoio ampla, o que inclui parte da centro direita, Haddad não teria condições mínimas de governar. Caso seja derrotado, hipótese que infelizmente parece a mais provável, o PT teria a responsabilidade de ser o maior partido de oposição a um governo que seria uma ameaça à democracia e aos direitos fundamentais. Quanto mais desunido estiver o campo democrático, mais difícil será barrar os retrocessos.

Bolsonaro demonstrou ter estratégia de comunicação bem formulada que se aproveita de momentos vulneráveis para avançar sobre adversários e parece evidente que continuará se valendo dessa estratégia. Por essa razão, é fundamental que as forças democráticas formulem estratégia de comunicação permanente após as eleições, pois os adversários continuarão atuando para aumentar a rejeição ao campo democrático.

*Rafael Bianchini Abreu Paiva é bacharel em economia (Unicamp) e direito (USP), mestre e doutorando em direito comercial (USP)

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