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Com incerteza sobre recursos, CNPq pode cortar 84 mil bolsas de pesquisa

Campanha reúne 879 mil apoiadores para pressionar governo a liberar crédito suplementar destinado ao pagamento das 84 mil bolsas vigentes

Com incerteza sobre recursos, CNPq pode cortar 84 mil bolsas de pesquisa
Com incerteza sobre recursos, CNPq pode cortar 84 mil bolsas de pesquisa
Bolsas vinculadas ao CNPq terão reajustes de até 94%. Foto: Divulgação
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A situação de uma das maiores agências de pesquisa científica do País é realmente crítica. Se até o final da próxima semana os ministérios da Ciência e da Economia e a Casa Civil não se entenderem, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) não terá como pagar as cerca de 84 mil bolsas de pesquisas vigentes no País e no exterior. O cenário é apontado pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e porta-voz da campanha em defesa do órgão, Ildeu de Castro Moreira. 

Com décadas de avanços e importantes resultados nos mais diversos campos da atividade econômica, a extinção do conselho significaria uma “tragédia”, segundo Moreira. “O CNPq é fundamental para a ciência brasileira”, declara o físico reconhecido e premiado por suas pesquisas sobre popularização da ciência no País. Foi graças ao trabalho de pesquisadores da agência que o vírus da Zika pode ser controlado, que a produção de grãos como a soja cresceu enormemente no País e que os brasileiros puderam descobrir e explorar o pré-sal, por exemplo.

Para impedir o desmonte definitivo do órgão, que atravessa um déficit de 330 milhões no orçamento para 2019, mais 100 entidades científicas e acadêmicas brasileiras se uniram na mobilização #somostodosCNPq, criada a partir de um abaixo-assinado na plataforma Change.org. A campanha, que está com um alcance gigantesco, chegou a acumular mais de 879 mil assinaturas em 10 dias e recebeu o apoio de pessoas públicas, sendo compartilhada pelo cantor Caetano Veloso, pelas atrizes Nathalia Dill e Paolla Oliveira e por Manuela D’Ávila. 

“E vai crescer ainda mais”, aposta Moreira. “Isso reflete que as pessoas da comunidade acadêmica e científica estão acordando para o quadro. A nossa comunidade às vezes é lenta para perceber sinais de tormenta, mas essa mobilização mostra que outros setores também estão querendo participar mais, e é fundamental que participem. Nossas instituições têm que estar unidas frente a essa situação crítica. Que assinem e divulguem mais”, convida o professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, há meses o CNPq vem alertando o governo federal e o Congresso sobre a grave crise, porém, até o momento a agência ainda não recebeu qualquer retorno decisivo para a situação. “Há uma dificuldade grande dentro do governo, porque a área econômica não está autorizando esse recurso adicional ao CNPq”, explica Moreira. 

A suspeita, de acordo com o porta-voz da campanha, é de que o governo tenha a intenção de fundir o CNPq à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e oferece bolsas de mestrado e doutorado. “O que se tem desenhando nos panos de fundo é uma fusão com a Capes. Somos contra essa fusão e estamos muito preocupados com a sobrevivência do CNPq”, afirma. Ildeu de Castro Moreira defende que cada uma das agências tenha seus próprios recursos. 

Diferente da Capes, o CNPq é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que em abril anunciou um contingenciamento de 2,13 bilhões, o que representa 42% do orçamento total da pasta. A situação do MEC não é muito diferente, já que há cinco meses o ministério vem sofrendo bloqueios de verbas – foram 5,8 bilhões em março, 30% no custeio das universidade federais em abril e 348,4 milhões em julho.   

Os cortes de recursos já levaram à redução de mais de 6 mil bolsas da Capes neste ano. O CNPq, por sua vez, já suspendeu a concessão de novas bolsas. “Em setembro vamos pagar as bolsas vigentes de agosto, mas depois não teremos mais dinheiro para pagar as bolsas de setembro, outubro, novembro e dezembro”, detalha o presidente da SBPC. 

Apostando em todos os recursos

Enquanto a crise se arrasta, deixando pesquisadores, professores, estudantes e técnicos em situação emergencial, o governo bate-cabeça. O ministro Marcos Pontes, do MCTIC, atua para conseguir o crédito suplementar, porém o Ministério da Economia não autoriza a liberação do repasse. No meio do jogo de empurra-empurra, Pontes recorreu ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para tentar resolver o grave problema de orçamento. 

Moreira conta que a campanha está usando todos os recursos possíveis – abaixo-assinado, pressão da mídia e redes sociais – para convencer o governo de que a não resolução do problema significará uma tragédia para a ciência no Brasil. 

“Estamos insistindo com o ministério”, afirma o professor de física. “A nossa estratégia é atuar junto aos parlamentares de todos os partidos, da comissão mista de orçamento, ao presidente da Câmara e do Senado, às comissões de Ciência e Tecnologia das duas casas para reverter [o quadro] e convencer os parlamentares a nos ajudar a resolver a questão junto ao governo”, completa. A ideia é que as milhares de assinaturas da petição sejam entregues em breve ao ministro Marcos Pontes, ao deputado federal Rodrigo Maia e ao senador Davi Alcolumbre, presidentes das duas casas que compõem o Congresso Nacional. 

Criado em 1951, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico contribui para o avanço do conhecimento, do desenvolvimento sustentável e da soberania nacional. Por isso, de acordo com a mobilização, estão em risco décadas de investimentos em recursos humanos e na infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil. “A nação não pode perder este patrimônio construído ao longo de décadas pelo esforço conjunto de cientistas e da sociedade brasileira”, enfatiza trecho do abaixo-assinado hospedado na Change.org.  

A campanha também chama a atenção para a expressiva evasão de estudantes e talentos ao exterior, devido ao sucateamento de laboratórios de pesquisa e a desvalorização da área. “O CNPq tem sofrido, ainda, uma forte redução nos recursos de custeio operacional e séria limitação em seu pessoal técnico. Isto gera dificuldades crescentes na manutenção de seus programas e atividades”, destaca a petição online.  

O outro lado

A equipe da Change.org entrou em contato com os órgãos do governo federal para questionar o futuro do CNPq. A Casa Civil preferiu não comentar o assunto, dizendo tratar-se de atribuição das outras pastas. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações enviou declaração de Pontes dada na semana passada: “Temos uma questão de orçamento que está sendo resolvida. O ministro Onyx Lorenzoni já deu a sua palavra de que isso vai ser resolvido em setembro, em valores para completar esse orçamento”. 

Já o Ministério da Economia, responsável pela autorização do crédito, disse por telefone que a área técnica do ministério informou que o pedido de liberação do recurso “permanece em análise na Junta de Execução Orçamentária (JEO) sem prazo para decisão sobre o pleito”.

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