Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

‘O rock não tem vocação conservadora e quem assim pensa está enganado’, diz Fábio Cascadura

Líder da banda baiana Cascadura se tornou pesquisador da diáspora africana e conta sobre a inserção da música na cultura afro-brasileira

Foto: Divulgação
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Há 30 anos Fábio Cascadura fundou uma banda de rock em Salvador que carregava o seu sobrenome. Foram cinco álbum lançados, muitos shows e festivais, além de reconhecimento, até que em dezembro de 2015 o grupo musical fez seu último concerto no Largo Tereza Batista, no Pelourinho, na capital baiana.

O líder da banda Cascadura migrou para o Canadá, onde se tornou acadêmico. Dias atrás, a banda se reuniu para uma miniturnê no País de nova despedida e comemoração de três décadas de criação. O fundador, no entanto, não pretende voltar à estrada.

Sobre seus planos relacionados à música, foi sucinto: “Ouvi-la com todo amor e respeito”.

No Canadá, Cascadura conheceu Paul E. Lovejoy, um dos maiores estudiosos da diáspora africana. O músico é formado em história na UFBA e, por incentivo do historiador canadense, ingressou no programa de mestrado da York University, em Toronto. “Dei então continuidade à pesquisa que fiz na graduação sobre o tenente-coronel Caetano Maurício Machado, traficante de escravos que operava na rota entre a Costa da Mina (África) e a Bahia, entre 1774 e 1807”.

Agora, no doutorado, dá início a uma nova pesquisa em história da África e sua diáspora. “Meu maior interesse é a biografia de africanos da chamada nação Calabar”, diz. Ele explica que Calabar é uma classificação criada pela estrutura do tráfico negreiro para distinguir escravizados embarcados nos portos de um trecho da costa do Golfo de Biafra para o Brasil.

“Tive um período de intensa pesquisa sobre esse tema ainda antes de ingressar no curso de história. Meu interesse pelo rock me levou a buscar referências africanas nele, já que ele é fruto da tradição cultural da música negra do sul dos Estados Unidos”, relata. “Isso também me levou a frequentar as casas de adoração aos orixás, o candomblé da Bahia, para entender mais sobre essa cultura”. 

Candomblé é mais do que religião

Segundo Cascadura, esse processo de imersão foi fundamental para criação do último álbum lançado pela banda, o disco duplo Aleluia (2012), considerado um clássico do rock produzido na Bahia e recheado de influências afro-brasileiras. 

“O valioso é entender que o candomblé é algo mais do que religião. Também é fundamental entender que não há adoração aos orixás sem comida, dança e música”, ressalta. “Essa música está no cotidiano de cada pessoa envolvida na tradição. Sendo nativo de Salvador, cresci ouvindo batucadas”. 

O historiador relata que tradições de um grande número de culturas da costa ocidental africana foram mais ou menos preservadas. “Elas se amalgamaram e foram sendo recriadas ou reinventadas, desaguando numa infinidade de expressões musicais”, diz. Ele cita as bandas BaianaSystem e Áttøøxxá como as expressões mais recentes.

Na infância, Cascadura morou no Largo do Tanque, em Salvador, num apartamento com mais 14 pessoas. Obviamente, ouviu muito os baianos de destaque na época, além da música pop-rock que chegava pela televisão. Em uma fita cassete perdida numa estante de casa, ouviu os Beatles pela primeira vez. “Aquilo mudou minha vida em diversos níveis. Tinha 12 anos e fiquei obcecado por aquela fita que ninguém fazia ideia de como tinha ido parar lá em casa”. Daí foi um passo para conhecer outras bandas e gêneros musicais, até fundar a Cascadura. 

“A banda é fruto da geração dos anos 1990. O grupo se formou em meio à estagnação que se seguiu ao fim do frustrante governo Sarney e o desastroso governo Collor. Nosso lance era fazer um rock que se inspirava na tradição do blues e do rhythm and blues, porém cantado em português, falando das coisas que nos eram familiares”, descreve. “No entanto, nossa percepção de que fazíamos parte de um contexto diaspórico em relação à África nos aproximou das manifestações musicais da tradição do candomblé. Não é porque o Nordeste possui tradições culturais ricas e bem definidas que os artistas do rock ou do pop devem se sentir obrigados a estar associados a isso. Tudo deve vir naturalmente”. 

Sobe o breve retorno neste ano da banda, ele explica que desde que o grupo parou de produzir e fazer shows, fãs de muitos lugares pediam por nova reunião. Então, veio à ideia de “celebrar a vida” após a pandemia com uma miniturnê. 

“É a minha chance de fechar esse ciclo definitivamente, uma vez que a partir daqui minha atenção estará totalmente voltada para a pesquisa e o ensino de história”, afirma. “Somos uma banda muito consciente do nosso lugar a serviço do combate ao racismo, à misoginia e à homofobia. O rock não tem vocação conservadora e quem assim pensa está enganado”.

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