Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Livro sobre Nara Leão conta como a ‘pobre menina rica’ saiu da ‘bolha’
Obra a ser lançada em fevereiro explica como a cantora da zona sul foi buscar no morro a alma do seu 1º disco
A família de Nara Leão se instalou em um nobre edifício na Avenida Atlântica. Com 14 anos, ela começou a conhecer jovens músicos da Zona Sul que, em pouco tempo, passaram a se reunir na ampla sala do apartamento da menina nascida em Vitória.
Ficou ali, entre a praia e o violão, recebendo em sua casa músicos que em pouco tempo ganhariam reconhecimento pelas canções de melodias simples, harmonias mais sofisticadas e letras leves – um conjunto de características musicais nominado como Bossa Nova.
A vida em Copacabana, de boas escolas e colegas bem-educados da garota de aparência e jeito simples, ficava longe da realidade da escassez perene dos morros.
Convidada por Carlos Lyra e Vinicius de Moraes para ser a voz feminina da peça musical criada pelos dois, Pobre Menina Rica, Nara Leão estreava em 1963 sua carreira profissional. O musical é uma história de amor de uma moça de classe alta carioca com um mendigo poeta.
Vinicius nunca afirmou que Nara o inspirou na criação da peça, mas nem ele nem Carlinhos Lyra pensaram duas vezes em chamá-la para o projeto. A história da cantora é associada a este trabalho, o sucesso da empreitada e a temática que se envolveu.
Poucos meses depois gravou seu primeiro álbum numa espécie de sequência do primeiro contraponto que fez como intérprete à sua realidade – o outro contraponto foi ter colocado de lado, por ora, a inocente Bossa Nova que ajudou a criar.
Outro mundo
Aos 21 anos, gravou de cara a expressão do morro e símbolo real de brasilidade: Cartola, Zé Keti e Nelson Cavaquinho. Obra a ser lançada neste mês, Nara Leão: Nara – 1964, da coleção O Livro do Disco (Editora Cobogó; 224 pág.), escrita pelo jornalista e pesquisador Hugo Sukman, detalha essa busca da cantora.
“Eu descobri um outro lado da vida e do mundo, que não era só sorriso, flor e amor. E eu fiquei muito impressionada com coisas que eu não sabia e descobria naquele momento: descobri que havia fome, descobri que havia morro, eu descobri que havia pessoas pobres. Eu nunca tinha me dado conta”, descreveria Nara na época.
O livro extrai o processo de produção do primeiro álbum de Nara, lançado em fevereiro de 1964, poucas semanas antes do golpe militar. Ela despia o País em início de ditadura, sem se dar conta do teor político que empregava no trabalho, ao trazer elementos em letra e melodia da realidade brasileira – gravou no disco, ainda, os afro-sambas recém-criados por Baden Powell e Vinicius, carregados de negritude, sincretismo e resgate da ancestralidade.
Registrou ainda os engajados Edu Lobo e Carlos Lyra – este último, aliás, teve papel central não só em mostrar a Nara os diferentes Brasis, mas em fazer isso para toda uma geração; a propósito, a influência de Carlos Lyra na história da música brasileira precisa ser melhor esmiuçada.
Esqueçam a acusação de machismo a Chico Buarque em torno de música feita para Nara Leão cantar, Com Açúcar, Com Afeto, gravada por ela em 1967. Os seis discos anteriores a esta gravação de Nara, trabalhando ousadamente com compositores recém-descobertos, em início de carreira e personificados de um Brasil real, são um canto de liberdade de uma potente mulher.
A cantora completou 80 anos de nascimento em janeiro. Uma série chamada O Canto Livre de Nara Leão foi lançada neste ano na Globoplay e resenhada por CartaCapital.
Agora, lançam o livro sobre o primeiro disco da cantora. Ressalta-se que a Cobogó, responsável pela publicação do bom livro de Hugo Suckman, tem como editora a Isabel Diegues, filha de Nara Leão com o cineasta Cacá Diegues. Na série da Globo, a primeira filha da intérprete havia dado consultoria ao projeto, além de participar do último dos cinco episódios.
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