Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Série desfaz Nara Leão como musa e, com razão, a mostra maior que isso

Documentário que celebra os 80 anos da cantora, conhecida como a Musa da Bossa Nova, traça uma trajetória independente e diversa

Foto: Reprodução
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O Canto Livre de Nara Leão, documentário de cinco episódios, disponível no Globoplay, que celebra os 80 anos da cantora, compositora e violonista, desconstrói o título com que ela ficou mais conhecida na música: Musa da Bossa Nova.

Nara Leão, falecida ainda jovem, aos 47 anos, em consequência de um câncer, completa exatamente oito décadas no próximo dia 19. A série, dirigida por Renato Terra, refaz sua vida no Rio de Janeiro – ela nasceu em Vitória, mas deixou a capital capixaba com um ano de idade.

O apartamento dos pais, de frente para a praia de Copacabana, reunia a nata da Bossa Nova, incluindo Johnny Alf, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Luiz Eça, Edu Lobo, João Donato, Sérgio Mendes. O processo produtivo de música era intenso.

Naquele início dos anos 1960, Tom Jobim e João Gilberto já eram admirados por Nara e o centro das atenções. Mas ela, por ser uma mulher naquele meio majoritariamente de homens, ganhou o epíteto de Musa da Bossa Nova.

Já no primeiro álbum, mescla compositores da Bossa Nova com sambistas como Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho e Elton Medeiros. Ela mesma afirma no documentário ter largado a Bossa Nova depois do disco de estreia. No segundo, o clássico Opinião de Nara, ela deixa a música ingênua da Bossa Nova e traz questões sociais e raízes tradicionais.

As apresentações em 1964 com o show Opinião, integrado ainda pelo carioca Zé Keti e o maranhense estabelecido no Rio João do Vale, reafirmam Nara como mais do que uma mulher encantadora – não era só O Amor, o Sorriso e a Flor, como citado na série.

Embora tivesse participado do projeto por pouco tempo, além do impacto, teve contato com pessoas e músicas de uma realidade que desconhecia, de uma menina típica da Zona Sul. No documentário, ela usa o termo “reportagem musical” para afirmar esse novo olhar.

Ditadura

Menina simples, cabelo sempre curto, roupa de sair na rua, sem enfeites, impunha seu jeito na música e na vida. Com seu violão, pulsava um estilo próprio. Dava entrevista com naturalidade, sem medir palavras. Parecia não viver no período da Ditadura Militar, que estava no seu início – aliás, o mais duro.

Ela se posicionava pelo jeito, não necessariamente movido por uma ideologia. Depois que deu uma entrevista criticando o Exército, foi ameaçada de ser presa. Recebeu apoio e um emblemático poema de Carlos Drummond de Andrade a defendendo no jornal. Os versos do poeta maior declamados por Maria Bethânia constituem uma das partes mais belas do documentário.

Ela se aproxima de Chico Buarque e grava várias de suas músicas. Com A Banda, ganha festival de música em 1966. Os longos depoimentos de Chico, memória viva, atenta e crítica, sobre Nara Leão, dão peso ao documentário. As declarações do cineasta Cacá Diegues, ex-marido, também são riquíssimas. A série usa farto material de arquivo de Nara Leão.

A cantora tinha voz minimalista, simplória no jeito de falar, sem empáfia e muito reservada. Chico escreveu em uma apresentação de um disco de Nara que ela estava “desmusando” – ou deixando de ser musa. Ela não tinha ilusão.

Imagem de mulher independente, mas não de feminista, Nara vai gravar Fagner e Dominguinhos. Registrou ainda em LP a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos, sendo contestada pelo pessoal da Bossa Nova, assim como foi ao registrar músicas com o pessoal do Nordeste. Dialogou ainda com Tropicalismo. Mas voltaria à Bossa Nova depois.

Não se vê oportunismo em Nara por toda essa diversidade. Era sua maneira de ver a música. Nara foi uma mulher cantora e não cantora mulher. Talvez isso seja o motivo de tanto atração por ela – inclusive na época em que viveu -, claramente apresentado no bom documentário.

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