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A revanche dos estúdios

Passada a turbulência dos anos de pandemia e de avanço do streaming, Hollywood volta a exibir seu poder

A revanche dos estúdios
A revanche dos estúdios
Tela grande. Oppenheimer é a primeira produção de orçamento bilionário a ganhar o prêmio de Melhor Filme desde 2004. À Netflix, que teve 19 indicações, restou só uma estatueta pelo curta A Incrível História de Henry Sugar. – Imagem: Patrick T. Fallon/AFP e Netflix
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A cerimônia do Oscar, realizada no domingo 10, foi, de acordo com a revista The Hollywood Reporter, a de maior audiência nos últimos quatro anos. Ainda segundo o levantamento, baseado em dados da Nielsen, foi a premiação, de qualquer tipo, mais vista da televisão norte-americana desde a pandemia.

Após um período de turbulências e incertezas, a 96ª edição do Oscar também parece ter sido uma prova da força dos estúdios e do próprio cinema.

Ao longo de 2020 e 2021, os estúdios vivenciaram a crise gerada pelas dificuldades que a pandemia impôs ao lançamento de filmes nas salas de cinema. Mesmo quando o circuito pôde reabrir, depois de meses de confinamento e de muito abre-e-fecha, foi preciso lidar com as mudanças de hábito do público e com o receio de contágio pelo Coronavírus.

Nesse período, os próprios estúdios passaram a investir grandes somas de dinheiro no lançamento de suas plataformas e os novos players, como Netflix, Apple TV+ e Amazon Prime Video, começaram a apostar mais e mais em longas-metragens originais e a cobiçar o Oscar.

A certa altura, envoltos na bruma pós-pandêmica, alguns profissionais do setor de entretenimento – Bob Iger, da ­Disney, entre eles – chegaram a dizer que a sala de cinema, daquele momento em diante, deixaria de ser essencial para o sucesso de um filme.

Embora Netflix e Apple TV+ tenham liderado o número de indicações, o grande vencedor da noite foi um filme produzido pela Universal

O Oscar 2024 indica que as coisas não foram bem assim. Conforme a pandemia sumia no horizonte e o retorno financeiro das assinaturas de serviços de vídeo sob demanda ficava aquém das metas, foi disseminando-se a percepção de que lançar filmes de grandes orçamentos direto nas plataformas não era um negócio viável.

E se isso acontece é porque mesmo as pessoas que não vão assistir ao filme nos cinemas são impactadas pelas estreias na tela grande e tendem, a partir disso, a querer vê-lo nas plataformas – que, como se sabe, precisam não só conquistar, mas manter os assinantes. Nesse contexto, é como se o cinema ainda emprestasse, a algumas produções, uma chancela de qualidade.

Não por acaso, em 2023, Apple, ­Amazon Prime Video e Netflix usaram o circuito exibidor como ponte para o lançamento de títulos como Air: A História por Trás do Logo, Napoleão, Assassinos da Lua das Flores e O Maestro entre elas.

Mas, no fim, embora a Netflix e a ­Apple TV+ tenham liderado o número de indicações, o grande vencedor do principal prêmio da indústria norte-americana foi Oppenheimer, um filme que, empurrado por Barbie – o grande hit das salas em 2023 – acabou tendo um surpreendente público nos cinemas. É inegável que a hashtag #barbenheimer, fenômeno da internet, serviu de impulso para o crescimento das bilheterias globais.

Nos Estados Unidos, as salas de cinema movimentaram, em 2023, um total de 9 bilhões de dólares. Isso é 20% mais que a receita de 2022, mas ainda menos que os 11 bilhões de dólares pré-pandêmicos. No Brasil, foram arrecadados, nas bilheterias, 2,2 bilhões de reais – crescimento expressivo em relação ao 1,8 bilhão de 2022.

E o que o Oscar fez, depois de muito tempo, foi voltar a premiar um campeão de bilheterias. Como lembra o Guardian, a biografia produzida pela Universal é a primeira obra de orçamento bilionário a ganhar o prêmio de Melhor Filme desde O Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei, em 2004; e foi também a primeira a levar, ao mesmo tempo, as estatuetas nas categorias de filme, ator e ator coadjuvante desde Ben-Hur, em 1960.

A Netflix chegou à noite do Oscar com 19 indicações, divididas por 11 filmes, e saiu de lá com um único prêmio, para o curta-metragem A Incrível ­História de Henry Sugar, de Wes Anderson. A ­Apple, que recebeu 13 indicações, dez das quais para Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, saiu do Dolby ­Theatre, em Los Angeles, de mãos vazias.

Cabe lembrar que, desde 2017, quando ganhou seu primeiro Oscar, a Netflix conquistou 23 vezes o prêmio. Mas o primeiro Oscar de Melhor Filme recebido por uma empresa originalmente de tecnologia quem ganhou foi a Apple, com No Ritmo do Coração, em 2022.

Embora as big techs sigam sendo, financeiramente, as mais poderosas desse negócio, em termos de prestígio elas parecem ter recebido um chega pra lá dos votantes da Academia. •

Publicado na edição n° 1302 de CartaCapital, em 20 de março de 2024.

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