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Na disputa pela vaga de Lewandowski, Cristiano Zanin, advogado de Lula, amplia seu favoritismo

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Escudeiro. Zanin comandou a estratégia que devolveu os direitos ao presidente – Imagem: Alessandro Dantas/PT na Câmara
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Ricardo Lewandowski pendurou a toga do Supremo Tribunal Federal na terça-feira 11, um mês antes de completar 75 anos, idade máxima para atuar na Corte. Seus dois últimos despachos como ministro, assinados na noite anterior, tratavam de assuntos paranaenses. Um foi a homologação de um acordo entre a Copel, estatal elétrica do estado, e o Itaú para encerrar uma disputa de 20 anos. O outro versava sobre o foro no qual o senador Sergio Moro e o ­deputado Deltan Dallagnol terão de se defender da acusação de tentativa de extorsão na época da Operação Lava Jato. O processo fica no STF, definiu o ministro.

A acusação, antiga, foi levada formalmente ao Judiciário no mês passado por um ex-funcionário da Odebrecht, o advogado Rodrigo Tacla Duran, ao juiz que, desde fevereiro, está à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, aquela que Moro comandava até virar “superministro” do governo Jair Bolsonaro. O então magistrado havia decretado, em 2016, a prisão preventiva de Duran, e este alega desde então que o despacho só saiu por ter deixado de pagar as parcelas dos 5 milhões de dólares que Moro e Dallagnol queriam embolsar por meio de um advogado sócio da mulher do atual senador. Para não ir em cana, Duran refugiou-se na Espanha, onde tem cidadania. E foi de lá, por videoconferência, que falou, em março, a Eduardo Appio. Seu depoimento foi enviado ao STF, pois Moro e Dallagnol têm foro especial, decorrente do mandato parlamentar. O tribunal decidiria onde a dupla terá de se explicar (se é que terá).

Ele é o candidato “do coração” do presidente, diz um velho colaborador do petista

No Supremo, o depoimento havia sido distribuído a Lewandowski. Com sua aposentadoria, um eventual inquérito contra o senador e o deputado correrá aos cuidados de quem vier a substituí-lo. Esse magistrado será escolhido pelo presidente Lula (e precisará do aval do Senado). Em março, o presidente contou em uma entrevista que, no cárcere curitibano, era visitado por procuradores e policiais federais que lhe perguntavam como estava. Seus sentimentos eram de que Moro, o responsável por seus 580 dias na cadeia, merecia, digamos, uma lição. Há meses, a crônica política especula a respeito da indicação. “O candidato do coração do presidente para o Supremo é o Zanin”, diz um velho amigo e colaborador de Lula.

Cristiano Zanin, paulista de 47 anos, é o advogado que defendeu Lula na Lava Jato e logrou anular no Supremo todas as decisões de Moro contra o petista. Vitória obtida com um habeas corpus de 2020, a alegar que o então juiz não tinha competência jurisdicional para julgar o então ex-presidente, pois os fatos imputados não eram da alçada da vara de Curitiba. O petista recuperou os direitos políticos e pôde se eleger em 2022. Zanin quase conseguiu que ele concorresse em 2018, ao apelar ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. Em agosto daquele ano, o comitê deu uma liminar a favor da candidatura. Lula estava preso há quatro meses, a cumprir a pena, e tinha 39% das intenções de voto no Datafolha (Bolsonaro, 19%). O Tribunal Superior Eleitoral não deu bola para a liminar e cassou a chapa do petista, com base na lei da ficha limpa.

Saia justa. Lewandowski também tem um candidato do coração – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR

O TSE logo decidirá se Bolsonaro ficará oito anos sem concorrer. Julgará uma ação movida pelo PDT, na última campanha, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por parte do capitão. A jubilação de Lewandowski tem reflexos na Justiça Eleitoral. Ele integrava o TSE e será sucedido no tribunal por outro ministro do Supremo, Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. A presença de Marques na Corte eleitoral não deve mudar o destino do capitão. Trata-se de um voto entre sete. Além disso, em fevereiro, o TSE tomou uma medida que impede um de seus integrantes de sentar em cima de um processo por mais de 60 dias, após um julgamento ter começado. Adendo: o Ministério Público eleitoral defende a inelegibilidade de Bolsonaro.

Lewandowski também tem um candidato do coração para a vaga no STF, justamente um especialista em Direito Eleitoral. O advogado baiano Manoel Carlos de Almeida Neto, de 43 anos, foi secretário-geral do TSE quando Lewandowski presidiu o tribunal, de 2010 a 2012, e do Supremo, quando o agora ex-ministro comandou a Corte, de 2014 a 2016. Depois de deixar o STF, foi trabalhar na CSN. É o atual diretor-jurídico da siderúrgica. Lewandowski conheceu-o em 2003, em um congresso jurídico na Bahia. Ao ser escolhido por Lula para o Supremo, em 2006, nomeou-o assessor. Até orientou sua tese de doutorado, que mais tarde virou livro (O Poder Normativo da Justiça Eleitoral), em 2014.

Alternativas. Almeida Neto, avalizado por Lewandowski, corre por fora, Serrano conta com o apreço de uma parte da bancada do PT – Imagem: Carlos Humberto/STF e Wanezza Soares

No primeiro dia de aposentadoria, Lewandowski foi homenageado no Ministério da Educação, em um evento organizado por entidades do movimento negro gratas ao juiz pela posição a favor da lei de cotas raciais nas universidades, em um julgamento de 2012. O ministro era o relator de uma ação movida em 2009 contra a lei. Após o ato no MEC, ele, agora advogado, foi questionado sobre o perfil adequado para sucedê-lo no Supremo. Respeitar a Constituição, disse, e “coragem para resistir às enormes pressões a que são submetidos os ministros”.

“Pressão” é como Lula descreve, reservadamente, as mensagens de ­Lewandowski em favor de Almeida Neto. Demonstra certo desconforto com a situação. O ex-magistrado parece um pouco desapontado também. Um conhecido do ministro diz que o petista não o prestigiou nem na campanha nem no governo. Não foi só o habeas corpus de Zanin que salvou Lula. Em fevereiro, Lewandowski arquivou três ações penais ainda existentes contra o petista por obra da Lava Jato (duas sobre o Instituto Lula, uma sobre a compra, pelo Brasil, de caças suecos no governo Dilma Rousseff). Atendeu a pedidos da defesa. Caso não houvesse os arquivamentos, e na hipótese de Lula indicar o advogado para a vaga, o STF teria de redistribuir os pedidos a outro magistrado. Zanin não poderia decidir sobre uma requisição feita por ele. Na redistribuição, os sorteados poderiam ser Marques ou André Mendonça, outro indicado por Bolsonaro.

Lula comentou publicamente algumas vezes a escolha para o Supremo, mas nunca de forma conclusiva. Disse não querer um “amigo” nem alguém a quem “pedir favor”, mas alguém que cumpra a Constituição. Definiu Zanin como “uma grande revelação jurídica” e disse que “todo mundo compreenderia” a eventual indicação do advogado. “Quero escolher um ministro que não dê o voto dele pela imprensa sobre nenhum processo”, declarou em um café com jornalistas, em 6 de abril. Moro usava a mídia como método na Lava Jato. Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso são exemplos de midiáticos supremos.

O mundo político, diz um deputado, absorveu a ideia de Zanin no STF

Um parlamentar do PT que falou recentemente com Lula saiu com a impressão de que o presidente montou uma espécie de núcleo de inteligência para examinar currículos. “Eu estou lendo, vejo o que cada um indica. Tem muita gente indicando gente, gente que eu conheço, gente que eu não conheço, mas o critério de escolha, da forma que vai ser escolhida, para apresentar ao Senado, vai ser feita por mim, sabe, bem pensado, bem discutido e com o nome que eu indicar, certamente será um nome que vai fazer, sabe, justiça ao povo brasileiro”, disse Lula no café com jornalistas. “Tem que ter alguns critérios para que a pessoa seja indicada e eu vou escolher com muita seriedade os critérios.”

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acha que o critério deveria ser “uma mulher negra” (Almeida é negro). Um nome citado em Brasília é o da juíza federal Adriana Cruz, do Rio de Janeiro. Ela foi auxiliar de Barroso no STF em 2015. Terá mais chances quando da sucessão de Rosa Weber, que se aposenta em outubro e comanda a Corte atualmente. Nesta primeira escolha, o critério que parece pesar mais na cabeça de Lula é o da “confiança”, segundo um colaborador jurídico do presidente e de Dilma ­Rousseff no passado. Por esse critério, Zanin é imbatível: há anos o defende.

Inversão de papéis. Moro está mais perto do banco dos réus – Imagem: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

No PT, há setores com má vontade em relação a Zanin, em razão de sua atuação na eleição, durante a qual foi um dos defensores da coligação lulista. No meio do tiroteio sobre direitos de resposta pedidos por Lula e Bolsonaro por alegadas fake news, os petistas apostavam na vitória no TSE. O tribunal propôs um acordo para os dois lados esquecerem o passado e pararem com a divulgação de boatos e mentiras. Zanin topou levar a proposta ao comitê. Não deveria. Era para rejeitar a ideia no ato, diz um petista. Outro caso foi a candidatura presidencial do PROS, depois revogada pelo TSE a pedido de uma ala da própria legenda e do PT. O PROS acabou por aderir à coligação de Lula, o que deu mais tempo de propaganda de tevê ao petista. O parecer de Zanin era de que não se podia fazer nada contra a chapa. Os petistas buscaram outra opinião. Há também quem diga faltar ao advogado um doutorado, que ele originalmente é especialista em Direito Civil e Comercial (tornou-se neste ano advogado da Americanas no rolo do rombo bilionário da companhia) e que até se aprofundou no ramo na Lava Jato (em 2019, lançou um livro sobre l­awfare, o uso da lei para perseguir adversários), mas que não se sabe o que pensa de assuntos trabalhistas e sociais.

Petistas embarcaram na candidatura de Almeida Neto por falta de alternativa viável a Zanin. E o baiano também tem lá os seus senões. Há quem questione o seu currículo. Há quem o aponte como lobista da CSN. Na gestão Bolsonaro, participou com o principal acionista da empresa, Benjamin Steinbruch, de uma reunião com o capitão sobre a ferrovia Transnordestina. Não teria havido adesão ao candidato de Lewandowski, diz um integrante do partido, se o advogado e professor de Direito Constitucional Pedro Serrano tivesse se viabilizado. Serrano, de 59 anos, foi secretário de Assuntos Jurídicos na primeira prefeitura petista em São Bernardo do Campo, na virada dos anos 1980 para 1990. Goza da simpatia, entre outros, dos deputados Rui Falcão, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e Carlos Zarattini, ambos paulistas. Segundo um parlamentar do PT, o mundo político de modo geral aceita que o presidente escolha agora um nome da própria cabeça, por tudo o que sofreu na Lava Jato. Mas na escolha de quem vai substituir Rosa Weber, a conversa será outra. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cota pessoal’

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