Política
A tática do ódio
Os ataques de bolsonaristas contra adversários se multiplicam às vésperas das eleições


Rafael Silva de Oliveira, bolsonarista de 24 anos, e Benedito Cardoso dos Santos, lulista de 42 anos, eram colegas de trabalho. Foram contratados por uma cerâmica para dividir a desgastante tarefa de cortar lenha em uma chácara de Confresa, município de Mato Grosso com pouco mais de 30 mil habitantes e distante mais de mil quilômetros da capital, Cuiabá. Na noite da quinta-feira 8, eles fumavam após o jantar quando uma acalorada discussão política resultou em tragédia. Segundo o relato de Oliveira à Polícia Civil, Santos ficou irritado com suas críticas ao líder petista e desferiu um soco contra ele, além de ameaçá-lo com uma faca. Foi quando o jovem, segundo suas próprias palavras, “saiu de si”, tomou a arma e matou o oponente.
Legítima defesa? Nada perto disso. O bolsonarista desferiu ao menos 15 golpes no petista, os primeiros nas costas, enquanto a vítima corria do assassino, e os demais no rosto e no pescoço, segundo o delegado Victor Oliveira, responsável pelo caso. Não contente, ainda buscou um machado para tentar decapitar Santos e gravou um vídeo da macabra cena do crime.
Na manhã seguinte, ao ser confrontado por outro funcionário da cerâmica, o homicida inventou a história de que ambos haviam sido atacados por desconhecidos. Ressabiado com o confuso relato, o homem comunicou o crime aos patrões. Em fuga, Rafael de Oliveira buscou assistência médica para tratar ferimentos nas mãos, possivelmente causados durante a luta corporal com a vítima. Alegou ter sido alvo de uma tentativa de roubo, mas os profissionais da unidade de saúde também desconfiaram da versão. Foi quando acabou preso e, somente então, confessou o assassinato.
Trata-se de um crime de “ódio político”, avaliou o juiz Carlos Eduardo Pinho Bezerra de Menezes, ao converter o flagrante em prisão preventiva. “A intolerância não deve e não será admitida, sob pena de regredirmos aos tempos de barbárie. A liberdade de manifestação do pensamento, seja ela político-partidária, religiosa ou outra, é uma garantia fundamental irrenunciável”, acrescentou o magistrado na decisão.
Jair Bolsonaro demorou quatro dias para se manifestar sobre o crime. “Qualquer morte que tenha motivação política, ou que tenha motivação por uma briga de torcida de futebol, qualquer motivação estúpida, a gente lamenta isso daí.” Não fez, porém, qualquer apelo mais contundente para a matilha bolsonarista cessar a escalada de violência contra opositores.
Em julho, o petista Marcelo Arruda, guarda municipal de Foz do Iguaçu e pai de quatro filhos, foi assassinado na sua festa de aniversário de 50 anos pelo agente penal bolsonarista Jorge Guaranho, incomodado com a celebração com temática do PT no clube ao qual era associado. No fim de agosto, um fiel da Igreja Congregação Cristã no Brasil, em Goiânia, foi baleado pelo cabo da Polícia Militar Vitor da Silva Lopes durante uma discussão política, após pastores distribuírem uma circular pedindo ao seu rebanho para não votar “em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos ou proponham a desconstrução das famílias no modelo instruído na palavra de Deus”.
Dois terços dos brasileiros temem agressões por suas posições políticas e 5,3 milhões sofreram ameaças nos últimos 30 dias
Candidatos do campo progressista têm sido alvos recorrentes de ataques. Em julho, o bolsonarista André Stefano de Brito, corretor de imóveis aposentado, foi preso em flagrante após arremessar uma garrafa com artefato explosivo e fezes durante o comício de Lula na Cinelândia, no Centro do Rio. À Polícia Civil, ele confessou o crime e disse que se infiltrou na manifestação com adesivos da campanha petista colados em sua camiseta. No sábado 10, outro apoiador de Bolsonaro tentou agredir o presidenciável Ciro Gomes, do PDT, durante um evento em Porto Alegre, mas acabou detido por agentes da Polícia Federal que fazem a segurança do candidato.
“Chegou um bolsonarista, desses que infestam a vida brasileira, e fez uma provocação. Eu nem prestei atenção porque não quis interromper a cantoria que estava boa. Mas aí o cara, talvez para se defender, covardes que são, disse que estava armado”, explicou Ciro, durante uma live nas redes sociais. O manifestante foi revistado, não portava arma alguma. “Bolsonarista, além de frouxo e covarde, é mentiroso também.”
Um dia antes, durante uma panfletagem em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Guilherme Boulos, coordenador do MTST e candidato a deputado federal pelo PSOL, sofreu uma ameaça semelhante. “Um sujeito se aproximou, gritou ‘aqui é Bolsonaro’ e repousou a mão sobre a cintura, insinuando que tinha uma arma de fogo, e realmente havia um volume parecido debaixo da camiseta”, relatou a CartaCapital. Boulos encaminhou uma representação ao Ministério Público Eleitoral pedindo a análise das imagens de câmeras de segurança do local para identificar o agressor. “Espero que a Justiça Eleitoral não apenas puna o autor da ameaça como também cobre explicações de Bolsonaro, que dia sim, dia não, incita a violência de seus apoiadores contra adversários políticos. O objetivo é evitar que a gente faça campanha nas ruas, mas não vamos ceder às tentativas de intimidação.”
O exemplo vem de cima. Na terça-feira 13, para citar o episódio mais recente, o deputado bolsonarista Douglas Garcia, do Republicanos, hostilizou a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva e colunista do jornal O Globo, após debate dos candidatos ao governo de São Paulo. Gravando a cena com um celular, referiu-se a ela como uma “vergonha para o jornalismo brasileiro” e questionou a remuneração que recebe da TV Cultura, financiada com recursos públicos. É a mesma frase utilizada por Bolsonaro ao demonstrar contrariedade com uma pergunta da jornalista no debate da TV Bandeirantes, em 28 de agosto. O parlamentar acabou expulso, mas marcou pontos com os radicais apoiadores do capitão.
Às vésperas das eleições, o clima de insegurança assombra a população. Divulgada na quinta-feira 15, uma pesquisa do Datafolha, encomendada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que 67,5% dos brasileiros dizem ter medo de ser agredidos fisicamente em razão de sua escolha política ou partidária. Quando questionados se sofreram ameaças por motivos políticos no último mês, 3,2% disseram que sim. Isto é equivalente a em torno de 5,3 milhões de vítimas de ameaças nos 30 dias anteriores à sondagem, que consultou 2,1 mil eleitores na primeira quinzena de agosto.
“A pesquisa reforça a centralidade que a segurança pública precisa ter no debate político. A violência e o medo aparecem como dimensões fundamentais para compreendermos a sociedade atual”, observa Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum. “Apesar da queda do número de homicídios, observada desde 2018, outros dados reforçam que vivemos em uma sociedade permeada pela violência extrema e pelo medo. E esse medo não parece descolado da realidade, sobretudo quando constatamos milhões de vítimas de ameaças por suas posições políticas em apenas 30 dias.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A tática do ódio “
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