Política
Amazônia/ Criminosa omissão
O governo faz corpo mole nas buscas por jornalista britânico e indigenista


O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips desnudam a criminosa omissão estatal em relação aos criminosos que atuam na Floresta Amazônica. Colaborador assíduo do The Guardian, Phillips pediu auxílio a Pereira, um servidor licenciado da Funai, para investigar as constantes invasões de madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais nas terras indígenas. Desapareceram na manhã do domingo 5, durante um deslocamento de barco pelo Rio Itaquaí, após uma visita aos limites da Terra Indígena Vale do Javari.
Pereira chefiou a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados até 2019, mas foi removido do cargo após liderar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da Terra Indígena Yanomâmi, em Roraima. Na ocasião, os agentes destruíram equipamentos dos garimpeiros e apreenderam um helicóptero. Punido por cumprir o seu dever, o servidor pediu licença não remunerada da Funai e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), onde poderia atuar livre das interferências políticas. Sem a proteção institucional do órgão público, passou, porém, a receber numerosas ameaças dos criminosos da floresta.
Como previsto, o governo trata o caso com desdém. Jair Bolsonaro chegou a recriminar a “aventura” da dupla na floresta e as Forças Armadas tardaram a mobilizar equipes de buscas. Na tarde da segunda-feira 6, o Comando Militar da Amazônia, do Exército Brasileiro, chegou a publicar uma inacreditável nota, informando ter “condições de cumprir a missão humanitária de buscas e salvamento”, mas esclarecendo que as ações só seriam iniciadas “mediante acionamento por parte do Escalão Superior”. Os militares só saíram da inércia após repercussão negativa da reação.
Na noite da terça-feira 7, o Ministério da Defesa divulgou outro comunicado, informando que o Exército mobilizou “cerca de 150 militares especialistas em operações em ambiente de selva, que conhecem o terreno onde se desenvolvem as buscas”. As ONGs que atuam na região contestam, porém, a informação. “Ressaltamos que não foi constituída uma força-tarefa para as operações de busca”, diz a nota divulgada no mesmo dia pela Univaja, pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. Até o fechamento desta edição, o paradeiro de Phillips e Pereira permanecia desconhecido.
Criador e criatura em perfeita sintonia – Imagem: Isac Nóbrega/PR
De volta à República de Curitiba
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidiu, na terça-feira 7, que Sergio Moro não poderá concorrer às eleições de 2022 pelo estado. Por 4 votos a 2, os magistrados consideraram irregular a transferência do título de eleitor do ex-juiz para a capital paulista. Moro nunca residiu nem teve vínculo empregatício na cidade, mas cogita disputar o Senado pelo estado após ter a candidatura presidencial vetada por seu partido, o União Brasil. O político neófito ainda pode recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral.
Fake news/ Corda esgarçada
A Segunda Turma do STF restabelece a cassação de deputado bolsonarista
Criador e criatura em perfeita sintonia – Imagem: Isac Nóbrega/PR
A jogada ensaiada de Jair Bolsonaro com seus ministros de estimação no Supremo Tribunal Federal apenas revelou que o ex-capitão está disposto a levar até as últimas consequências suas aventuras golpistas. Em extemporânea e controversa decisão monocrática, o ministro Kássio Nunes Marques, nomeado à Corte pelo ex-capitão, anulou a cassação do deputado estadual Fernando Francischini, do Paraná, por fazer falsas acusações de fraude nas eleições de 2018. Em outubro, o Tribunal Superior Eleitoral havia perdoado os pecados cometidos pela chapa Bolsonaro-Mourão, que se refestelou nas mamadeiras de piroca e outras cascatas para atingir adversários, mas decidiu punir o bagrinho bolsonarista para servir de exemplo e criar jurisprudência para a eventual cassação de quem abusar das fake news neste ano.
Ao cabo, a decisão de Nunes Marques foi derrubada pela Segunda Turma do STF na terça-feira 7. Somente André Mendonça, também nomeado por Bolsonaro, apoiou o colega. O episódio serviu, porém, para o ex-capitão voltar a desafiar a Justiça e atiçar a matilha bolsonarista. “Vai cassar meu registro? Duvido que tenham coragem de cassar meu registro”, disse na sexta-feira 3, recorrendo ao esfarrapado argumento de não haver tipificação para o crime de fake news, como se a prática não pudesse ser enquadrada nos crimes contra a honra do Código Penal ou configurar abuso de poder econômico nas eleições, uma vez que a indústria da mentira demanda vultosos recursos.
Muamba glamourosa
Os direitos de uso da marca Daslu foram vendidos por 10 milhões de reais em leilão na terça-feira 7. Queridinha dos ricaços emergentes, a butique revendia produtos de grifes como Chanel e Prada e foi alvo de uma operação da Polícia Federal em 2005, a revelar um multimilionário esquema de sonegação fiscal na importação das mercadorias. Condenado por crimes tributários, o diretor de finanças da Daslu, Antônio Carlos Piva de Albuquerque, foi preso no fim de maio. Ele é irmão de Eliana Tranchesi, ex-proprietária da butique, falecida em 2012, e foi condenado a sete anos e oito meses de reclusão. A casa Sodré Santoro, responsável pelo leilão virtual, não revelou o nome do comprador. Os valores arrecadados serão usados para quitar parte das dívidas no processo de falência da empresa.
Retrocesso/ Prato vazio
33 milhões de brasileiros passam fome, o pior cenário em três décadas
O desesperado apelo tornou-se corriqueiro nos centros urbanos – Imagem: iStockphoto
Seis em cada dez brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar e 33 milhões passam fome, revela o 2º Inquérito Nacional Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a Rede Penssan, executado pelo Instituto Vox Populi e divulgado na quarta-feira 8. Trata-se do maior número de famintos em quase 30 anos. Em 1993, havia 32 milhões de cidadãos nessa situação, segundo o Ipea.
Hoje, apenas 41% dos brasileiros têm acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequados, índice superior entre brancos (53,2%) e inferior entre negros (35%). “Não foi a pandemia que trouxe a fome de volta, e sim o desmonte das políticas de valorização do salário mínimo, geração de empregos e de segurança alimentar, como o Bolsa Família”, afirma a economista Tereza Campello, titular do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff. “De 2011 a 2014, tivemos o menor registro de brasileiros em insegurança alimentar. Foi em 2014 que o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU e registrou a menor taxa de pobreza e de desemprego da história, segundo o IBGE.”
Reino Unido/ Por um fio
Boris Johnson sobrevive a moção de desconfiança, mas segue na berlinda
Salvo por um triz de uma moção de desconfiança que lhe poderia ter custado o cargo, o premier do Reino Unido, Boris Johnson, prometeu, na terça-feira 7, anunciar nas próximas semanas um pacote de medidas para impulsionar a economia britânica. No dia anterior, 148 dos 359 parlamentares de sua própria legenda, o Partido Conservador, votaram para que ele fosse destituído, mas o número ficou abaixo dos 180 necessários.
Desde o fim de 2021, Johnson desgasta-se com o escândalo do partygate, após a revelação de que ele participou de numerosas festas que violaram regras estabelecidas pelo próprio governo para conter a Covid-19. Agora, o primeiro-ministro planeja apresentar dois pacotes, um focado na habitação e outro para reativar a economia de modo mais amplo.
Em um aceno à ala mais radical de seu partido, ele pretende ainda seguir adiante com o controverso projeto de enviar imigrantes que entraram ilegalmente no país para Ruanda, república da região central da África, com o 160º pior índice de desenvolvimento humano do mundo. A ideia é que o primeiro grupo seja despachado para a nação africana em 14 de junho.
Surdez seletiva
“Vocês conseguem me ouvir?” Estas foram as últimas palavras de Sean Bickings, de 34 anos, um sem-teto que se afogou, no fim de maio, no estado americano do Arizona, enquanto três policiais observavam a cena sem lhe prestar socorro. Acionados por perturbação do sossego, três policiais interrogavam o morador em situação de rua acusado de fazer barulho de madrugada, quando ele pulou a cerca do lago artificial de Tempe e entrou na água. Pouco depois, começou a gritar por socorro. “Vou me afogar. Vou me afogar”, disse Bickings. “Não, você não vai. Vá para a coluna (da ponte) e aguarde”, respondeu um dos agentes, momentos antes de o sem-teto perguntar se os policiais eram capazes de ouvi-lo e submergir na água. O vídeo da abordagem e sua transcrição foram divulgados na segunda-feira 6 por autoridades locais. Os agentes foram suspensos.
Colômbia/ O Trump cucaracho surpreende
Hernández aparece numericamente à frente de Petro em pesquisa
O populista superou o candidato de Álvaro Uribe no primeiro turno – Imagem: LADG/Colômbia
Na primeira pesquisa de opinião realizada após o primeiro turno das eleições na Colômbia, o esquerdista Gustavo Petro e o populista Rodolfo Hernández aparecem tecnicamente empatados. Conhecido como Donald Trump colombiano, por fazer fortuna no ramo da construção civil, Hernández figura numericamente à frente do adversário. Possui 41% das intenções de voto, ante a 39% de seu oponente, atesta a sondagem eleitoral divulgada pelo Centro Nacional de Consultoria (CNC).
O Trump cucaracho é a grande surpresa do pleito. Favorito, Petro amealhou 40,31% dos votos válidos na primeira rodada de votação, mas esperava enfrentar Federico Gutiérrez, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe. A direita neoliberal ficou, porém, fora do segundo turno, diante da inesperada ascensão de Hernández, que obteve 28,17%.
Visto como um outsider na política, apesar de ser ex-prefeito de Bucaramanga, ao norte do País, o líder populista centra seu programa no combate à corrupção e foi o candidato que mais cresceu na reta final da corrida presidencial. Tornou-se, assim, um adversário mais difícil de ser batido pela esquerda, que nunca conseguiu chegar ao governo central. O ex-guerrilheiro Petro terá de suar a camisa para mudar esta sina.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1212 DE CARTACAPITAL, EM 15 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
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