Justiça

Zanin prega responsabilização das redes sociais por publicações de usuários

O ministro do STF julgou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19; placar no Supremo está 5 a 1

Zanin prega responsabilização das redes sociais por publicações de usuários
Zanin prega responsabilização das redes sociais por publicações de usuários
O ministro do STF Cristiano Zanin. Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF
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O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta quarta-feira 11 pela responsabilização das plataformas digitais por conteúdos publicados por seus usuários. Ele considerou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet não oferece proteção suficiente aos direitos fundamentais e, por isso, deve ser considerado parcialmente inconstitucional.

“Há uma proteção deficiente quando se exige, em todos os casos, uma decisão judicial para a retirada de material que possa ser flagrantemente criminoso ou violador de direitos”, afirmou o ministro.

No voto, Zanin sugeriu três eixos principais para a atuação das big techs:

  1. Remoção sem ordem judicial em casos de conteúdo evidentemente criminoso;
  2. Aplicação do artigo 19 apenas para provedores considerados neutros, ou seja, que não impulsionam ou promovem os conteúdos de forma ativa;
  3. Isenção de responsabilidade em situações de dúvida razoável sobre a licitude do conteúdo, a fim de proteger a liberdade de expressão quando houver ambiguidade jurídica.

Com o voto de Zanin, já há cinco ministros defendendo algum tipo de responsabilização civil das redes sociais sem a necessidade de decisão judicial prévia. São eles: Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Flávio Dino

O ministro André Mendonça, por ora, é o único a divergir, defendendo a plena constitucionalidade do artigo 19 e o atual modelo de proteção ao que ele chamou de “liberdade de expressão”.

O julgamento continua depois do intervalo, com o voto de Gilmar Mendes, e ainda não há uma posição única sobre a tese a ser firmada. Barroso já adiantou que buscará um “consenso sobreposto” e se reunirá com seus pares para construir um voto em comum.

Eis a tese completa do ministro Cristiano Zanin:

  1. O art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que exige ordem judicial específica para a responsabilização civil de provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, é parcialmente inconstitucional. Há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do art. 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia).
  2. Enquanto não sobrevier legislação, em interpretação conforme à Constituição, a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet deve se sujeitar ao seguinte regime, ressalvadas as disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE:

2.1. O regime de decisão judicial e retirada do art. 19 do Marco Civil da Internet aplica-se:

  • (i) aos provedores de aplicação intermediários de conteúdo gerado por terceiros considerados neutros;

  • (ii) e, aos provedores de aplicação ativos, apenas nos casos de publicação, pelo usuário, de conteúdo não manifestamente criminoso.

2.2. O regime de notificação extrajudicial e retirada, do art. 21 do MCI, deve ser estendido aos provedores de aplicação intermediários que atuam ativamente na promoção e disseminação de conteúdo e, após serem notificados, deixam de remover conteúdo manifestamente criminoso.

2.3. No caso de anúncios e impulsionamentos, presume-se o conhecimento do ilícito desde a aprovação da publicidade pela plataforma, sendo possível a responsabilização independentemente de notificação, salvo quando a plataforma comprove que atuou diligentemente e em tempo razoável para indisponibilizar o conteúdo.

  1. A responsabilidade civil nesses regimes é subjetiva. Em todo caso, os provedores não poderão ser responsabilizados civilmente quando houver dúvida razoável sobre a ilicitude dos conteúdos.
  2. Os provedores de aplicações de internet deverão manter um sistema de notificações, definir um devido processo e publicar relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais e anúncios e impulsionamento.
  3. Além disso, os provedores de aplicações de internet estão submetidos a um dever de cuidado de que decorre a obrigação de prevenir e mitigar riscos sistêmicos criados ou potencializados por suas atividades. As plataformas devem atuar proativamente para que estejam livres dos seguintes conteúdos extraordinariamente nocivos:
  • (i) pornografia infantil e crimes graves contra vulneráveis;

  • (ii) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;

  • (iii) tráfico de pessoas;

  • (iv) atos de terrorismo;

  • (v) abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

A responsabilização nesses casos pressupõe uma falha sistêmica, e não meramente a ausência de remoção de um conteúdo.

  1. Quanto ao dever de mitigação de riscos sistêmicos, caberá ao Congresso Nacional regular o tema, inclusive com definição de sanções e órgão regulador independente e autônomo, a ser criado.
  2. Em casos de remoção de conteúdo pela plataforma em razão do cumprimento dos deveres inerentes ao item 5, o autor do conteúdo poderá requerer judicialmente o seu restabelecimento, mediante demonstração da ausência de ilicitude. Ainda que o conteúdo seja restaurado por ordem judicial, não haverá imposição de indenização ao provedor.
  3. Os provedores de aplicação de internet que possuem papel ativo deverão criar ou indicar, no prazo de 180 dias, uma entidade de natureza privada que possa promover a autorregulação regulada, inclusive com a atribuição de desenvolver mecanismos de inteligência artificial destinados à remoção de conteúdos ilícitos das mais diversas formas e desenvolver e difundir ações de educação digital.
  4. Para privilegiar a segurança jurídica, atribui-se efeitos prospectivos à interpretação proposta. Desse modo, para os casos posteriores à vigência da Lei n. 12.965/2014 e anteriores ao trânsito em julgado da presente decisão, deve ser aplicado o regime de imunidade originalmente definido pelo Marco Civil da Internet, que exceptua o modelo de exclusão após decisão judicial apenas nos casos de conteúdo íntimo de nudez ou atos sexuais e violação de direito autoral.

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