Sustentabilidade

Sem controle adequado, bancos públicos financiaram o avanço ilegal do agronegócio na Amazônia

Entre 2018 e 2022, mais de 61 mil imóveis rurais embargados pelo Ibama receberam recursos de instituições públicas e também privadas, aponta o Greenpeace

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Bancos públicos e privados destinaram 43 milhões de reais a imóveis rurais embargados pelo Ibama por desmatamento ilegal e outras irregularidades na Amazônia entre 2018 e 2022. As conclusões constam de estudo inédito produzido pelo Greenpeace Brasil, cujo objetivo é expor a relação entre instituições financeiras e os crimes ambientais no bioma.

A destinação dos recursos é feita através de créditos rurais, principal instrumento da política agrícola do País, que consiste na oferta de créditos ao pequeno agricultor por meio de taxas de juros subsidiadas pelo governo federal.

Esse dinheiro geralmente serve à compra e manutenção de animais, formação de pastagem, extração de madeira e aquisição de máquinas e equipamentos, entre outras coisas.

O estudo Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento destaca que 798 propriedades que obtiveram crédito constavam como embargadas pelo Ibama em agosto passado, quando o Greenpeace cruzou as informações disponibilizadas pelo órgão. O embargo é considerado, desde 2008, um impeditivo ao financiamento público.

Cerca de 70% dos valores contratados entre 2018 e 2022 são provenientes de três bancos públicos: Banco do Brasil (que aparece com maior operador de crédito, respondendo a 44% dos contratos), Caixa Econômica Federal e Banco da Amazônia.

Outras instituições financeiras também aparecem na lista: Bradesco, Banco John Deere, Santander, Sicredi, Sicoob e Itaú.

Ao todo, mais de 61 mil propriedades receberam os recursos mesmo estando total ou parcialmente localizadas em territórios indígenas, unidades de conservação e florestas públicas não destinadas, onde atividades econômicas são vetadas por órgão ambientais.

Doze casos de financiamento rural inadequado chamam atenção: tratam-se de fazendas localizadas em áreas problemáticas que, mesmo marcadas por desmatamento ilegal, indícios de grilagem, sobreposição com Áreas Protegidas e com produção irregular de gado, firmaram empréstimos que chegam a 43 milhões de reais.

Um deles é o da fazenda Arizona, no Acre. A propriedade obteve 1.4 mi junto ao Banco do Brasil em 2023 para bovinocultura. O processo de concessão do crédito rural ignorou, entretanto, o fato de que metade do imóvel está sobreposto a uma Floresta Pública Não Destinada e que, há seis anos, acumulou quase 420 hectares de vegetação nativa desmatada.

“O financiamento a crimes que derrubam a floresta e expandem a produção agropecuária na Amazônia não se limita a recursos de origens clandestinas”, explica Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace Brasil. “Parte é oferecida por grandes bancos públicos e privados que, sem controle adequado, direcionam recursos para atividades envolvidas com irregularidades”.

A fazenda Cachoeira Dourada, no Pará, também não encontrou entraves para adquirir empréstimos a juros subsidiados. Multada pelo Ibama por desmatamento ilegal em 2016 e embargada pelo órgão, a propriedade ainda assim recebeu mais de 885 mil em financiamento do Banco da Amazônia em 2019.

Na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, por exemplo, fazendeiros conseguiram crédito para atividades pecuárias, contribuindo para o desmatamento ilegal e avanço das pastagens sobre o território indígena.

“Os resultados da análise sinalizam para a necessidade de um olhar mais atento e rigoroso para a concessão de crédito e a implementação de medidas mais restritivas para evitar ou minimizar danos ambientais que ocorrem dentro das lacunas nas regulações vigentes”, sustenta o Greenpeace no relatório.

Procurado, o Banco da Amazônia afirmou que aperfeiçoa critérios de avaliação de risco socioambiental e climático e que, hoje, faz verificação automática de ocorrência de embargos e de sobreposição com áreas indígenas, quilombolas, reservas públicas e unidades de conservação.

O Banco do Brasil, por sua vez, informou em nota que a política de crédito da instituição segue critérios socioambientais.

“Exige-se dos tomadores de crédito a apresentação de documentos que comprovem a regularidade socioambiental dos empreendimentos. As operações de crédito contam com cláusulas que permitem a decretação do vencimento antecipado e a suspensão imediata dos desembolsos em caso de ocorrência de infringências socioambientais”, pontuou.

À reportagem, a Caixa disse atuar “em alinhamento à legislação vigente, sendo vedado relacionamento com partes interessadas para as quais sejam evidenciadas práticas que não estejam aderentes às exigências de caráter social, ambiental e climático”.

Leia o relatório do Greenpeace Brasil: 

Bancando a extinção - Greenpeace BR 2024_compressed

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