Política
Entenda o que é o Fundo Amazônia, que contará com o reforço dos EUA
A iniciativa voltou a receber doações internacionais, após os anos de negacionismo climático sob o governo de Jair Bolsonaro
Em meio aos recordes de desmatamento no Brasil, o Fundo Amazônia funciona como uma força de contenção à destruição das florestas. A iniciativa, criada em 2008, foi a principal responsável por bancar 102 projetos de conservação ambiental, desde a captação de recursos até o monitoramento de cada ação financiada.
Atualmente, são 5,4 bilhões de reais em caixa para três tipos de programas: de prevenção; de fiscalização e combate ao desmatamento; e de conservação e uso sustentável.
O montante é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, também responsável pela seleção e pela supervisão dos projetos.
A maior parte dos recursos é proveniente de doações. Até 2018, 93,8% vinham do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha e 0,5% da Petrobras.
Os 102 projetos financiados pelo Fundo se referem às seguintes áreas:
- Gestão de florestas públicas e áreas protegidas;
- Controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
- Manejo florestal sustentável;
- Atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
- Zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária;
- Conservação e uso sustentável da biodiversidade;
- Recuperação das áreas desmatadas.
Apesar de 80% dos investimentos se destinarem à região amazônica, a legislação permite ao Fundo utilizar até 20% dos seus recursos para apoiar biomas brasileiros e de outros países tropicais, como Peru, Bolívia e Colômbia — que integram uma única ação financiada pela iniciativa do governo brasileiro.
A maioria dos projetos apoiados nasce de organizações do terceiro setor (55), como comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Os demais vêm de parceria direta com estados (22), União (8), municípios (7), universidades (6) e internacionais (1).
Os critérios para obter um lugar na lista dos projetos aprovados são rigorosos e envolvem diversas etapas. Há uma consulta de documentos e uma pré-avaliação de execução, seguida de aprovação inicial do colegiado de superintendentes do BNDES; depois, chegam as fases de visitas técnicas e análise operacional, para, na sequência, subir à análise da diretoria do banco, hoje sob o comando de Aloizio Mercadante.
Em 15 anos, foram preservados 74 milhões de hectares de área de floresta com manejo sustentável e 59 mil indígenas tiveram proteção direta, além do fomento à pesquisa, que resultou em 613 publicações científicas no período.
Houve, no entanto, uma série de obstáculos. A iniciativa passou, por exemplo, por uma paralisação geral durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Em abril de 2019, a gestão do ex-capitão extinguiu o Comitê Orientador e o Comitê Técnico, que compõem a base do Fundo e são responsáveis por estabelecer critérios para o emprego dos recursos.
Os comitês são formados por representantes da sociedade civil e dos governos estaduais e federal e, após aprovação dos projetos pelo BNDES, ficam responsáveis por acompanhar a aplicação dos recursos e avalizar o Relatório de Atividades do Fundo Amazônia.
Como resultado, a Controladoria-Geral da União mostrou que o Fundo ficou completamente paralisado – cerca de 3,3 bilhões de reais que deveriam ir para novos projetos ficaram congelados.
Sem projeto, sem financiamento. Alemanha e Noruega, os principais países que destinavam verbas ao Fundo, anunciaram o bloqueio dos recursos com duras críticas a Bolsonaro e a Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente.
Para o ministro norueguês do Meio Ambiente, Ola Elvestuen, o caso se tratou de uma quebra de contrato. “Eles não poderiam ter feito isso sem que a Noruega e a Alemanha concordassem”, disse ele a um jornal local. “O que o Brasil fez mostra que eles não querem mais parar o desmatamento.”
Durante esse período de congelamento, territórios indígenas como a Terra Yanomami sofreram com a expansão do garimpo ilegal. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, só em 2021 foram 1.294 ataques a indígenas.
Para impedir “a passagem da boiada”, partidos de oposição enviaram uma ação ao Supremo Tribunal Federal sob a justificativa de omissão da gestão Bolsonaro na fiscalização e na preservação da Amazônia.
Por maioria, os ministros votaram em novembro passado pela reativação do Fundo, o que só aconteceu no dia da posse de Lula (PT) como presidente. Em 1º de janeiro, o petista assinou um decreto que instituiu a volta dos conselhos diretores do Fundo Amazônia.
Dois dias depois da medida, a Noruega liberou a aplicação de cerca de 3 bilhões de reais doados pelo país.
Nas últimas semanas, além do retorno de antigos aliados, como a Alemanha, outros países sinalizaram a intenção de investir no Fundo. Na lista estão a França, os Estados Unidos e a União Europeia.
O Fundo também é considerado o principal mecanismo internacional de crédito de carbono e pagamentos por redução de emissões dos gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, o REDD+. Trata-se de uma das grandes pautas dos comitês internacionais do clima.
A quarta-feira 15 marcou a primeira reunião do Comitê Orientador do Fundo Amazônia após quatro anos e meio. O retorno dos trabalhos contou com as presenças de Aloizio Mercadante; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima; Flavio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública; Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; e representantes de federações e organizações ambientais.
No encontro, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e antigo interventor do DF, Ricardo Capelli, disse que a pasta pretende lançar nos próximos dias o programa Amazônia Mais Segura, para combater ações como garimpo ilegal e desmatamento, em conjunto com a Polícia Federal e o Ibama.
As medidas visam conter a violência nos territórios de mata, como a que levou aos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
Outra medida, destacada pelo presidente do BNDES, é a alocação de 244 milhões de reais para projetos de ciência e tecnologia. Ele destacou, porém, haver “prioridade em operações de comando e controle, proteção emergencial dos povos indígenas, com alimentação, educação e todas as políticas para proteger a vida”, além de “estudos para retomarmos e avançarmos na demarcação territorial”.
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