Sustentabilidade

Captura de CO2, saída gradual ou fim dos combustíveis fósseis? Entenda o foco das tensões na COP28

De olho no encaminhamento da COP30, que será realizada em Belém em 2025, a delegação brasileira tem se mantido cautelosa nas negociações

Ativistas protestam na COP28. Foto: Karim SAHIB / AFP
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Com uma Conferência do Clima presidida por um CEO de uma grande petroleira árabe, as esperanças eram fracas de que a COP28 pudesse trazer avanços sobre a diminuição dos combustíveis fósseis. Mas o debate sobre a redução gradual ou até o fim das fósseis se acelerou nos últimos dias, com a inclusão preliminar do tema no Balanço Global elaborado pelos 196 países participantes do evento.

Observadora das negociações, Rosana Santos, diretora-executiva do think tank E+ Transição Energética, conta que “quase caiu da cadeira” quando o secretário-geral da ONU, António Guterres, incitou os participantes a visarem o “phase out” do petróleo, o gás e, principalmente, o carvão, cuja produção e consumo são os maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta.

Phase out é você paulatinamente sair da utilização do combustível fóssil, qualquer um, e a matriz energética em 2050 não ter nenhum tipo de fóssil. O phase down diz que a gente diminuiria um pouco o uso, mas que o fóssil ainda estaria presente na matriz em 2050 e a gente usaria tecnologias de captura de carbono para que a gente chegasse no no net zero, ou emissões líquidas zero”, explica.

Até o fim da conferência, no dia 12, nada garante que a menção ao tema será mantida no documento – países como a Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo do mundo, prometem não ceder nas negociações e dizem não aceitar nem a redução dos fósseis. Estados Unidos, Austrália e Japão são outros bloqueadores históricos nesse tema delicado.

“É realmente complexo, porque os campeões em energias renováveis não são necessariamente os campeões em combustíveis fósseis. Nos rankings de eólica e solar, essas duas principais fontes renováveis, a gente tem China e Estados Unidos em primeiro e em segundo. Mas nenhum deles é um campeão em termos de phase out ou phase down”, ressalta Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), e que também acompanha os debates em Dubai.

Poucos exemplos no mundo

Os dois especialistas citam a Alemanha como o maior exemplo na transição energética para uma economia sem fósseis e no impulso para que o resto do mundo faça o mesmo. No entanto, destacam que em momentos de crise, como os gerados pelas guerras, até os países mais avançados na questão recuam e voltam a reativar usinas a carvão, que emitem 39% dos gases de efeito estufa ligados à energia no mundo, segundo a Agência Internacional do setor (AIE). O petróleo vem logo depois, com 30%.

“Os relatórios de avaliação do IPCC dizem que até 2023, as emissões têm que cair pela metade e até 2050 elas têm que ser reduzidas totalmente. E quanto mais tempo a gente levar para chegar neste ponto, maior será o esforço para conseguir reverter”, salienta Baitelo. “Só que a gente ainda nem consegue sair da necessidade de alterar o padrão dessa curva. Se a gente fizesse uma analogia, o carro está em aceleração, então a gente precisa tirar o pé do acelerador para o carro poder estacionar totalmente.”

Na esperança de que ainda há uma alternativa antes do abandono dessas fontes energéticas poluentes, porém baratas, muitos países apostam no avanço de tecnologias de Captura e Sequestro de Carbono da atmosfera (CCS, na sigla em inglês), outro tópico de peso nesta COP28. Rosana Santos explica que essas técnicas, além de ainda não estarem totalmente desenvolvidas, também precisarão do declínio constante das emissões de CO2 para serem, de fato, eficazes no futuro para limitar o aquecimento global.

“O problema é que essa tecnologia do CCS depende de outras tecnologias que ou ainda não estão bem desenvolvidas [armazenamento geológico do CO2, no subsolo da Terra], ou são soluções baseadas na natureza que a gente não tem segurança de que esse carbono vai mesmo ficar nas árvores que crescerem. Por exemplo, um grande incêndio florestal pode colocar tudo a perder”, afirma Rosana Santos, referindo-se ao potencial de absorção de CO2 por aumento da cobertura florestal. “Se der errado e tivermos contado com isso, a quantidade de carbono poderá ser muito maior em 2050”, adverte.

Brasil em cima do muro

De olho no encaminhamento da COP30, que será realizada em Belém em 2025, a delegação brasileira tem se mantido cautelosa nas negociações. Embora Brasília não esteja impulsionando decisões ambiciosas, afirma que, se um consenso internacional for alcançado, inclusive sobre o fim das fósseis (phase out), o Brasil não se oporá. Na terça-feira, em uma coletiva de imprensa, o tema foi abordado pelo negociador-chefe na COP28, o diplomata André Corrêa do Lago.

“O debate internacional ainda não está estruturado em relações às opções para os combustíveis fósseis. As pessoas falam de consumo, de abate, de várias soluções diferentes e propostas neste contexto”, disse. “E sobre o Brasil, acredito que o Brasil é um país que tem muitas opções, felizmente. A sociedade brasileira, de uma forma democrática, e de uma forma muito informada, terá que ter um debate importante para ver como nós vamos lidar com essa questão, internamente”, pontuou.

Agenda do presidente Lula em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em 2 de dezembro de 2023. Foto: Giuseppe Cacace/AFP

O Brasil tem sido pressionado pelas ONGs presentes da conferência pelas contradições em relação aos seus planos futuros de aumento de exploração de petróleo, mas também pelo recém-aprovado marco regulatório das eólicas offshore, pelo Câmara. O texto regulamenta a atuação de usinas eólicas no mar, mas incluiu a prorrogação de subsídios para as térmicas a carvão, potencialmente até 2050.

“É bastante irônico que o Brasil tenha vindo à COP com um sinal doméstico contrário. O que a gente já tinha no horizonte era o Brasil estar realizando um leilão que, historicamente, vai oferecer o maior números de petróleo e gás, e isso apenas um dia depois de a COP termina”, disse Baitelo, em referência ao recorde de oferta de mais de 600 campos de exploração de petróleo espalhados pelo Brasil, pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). O leilão será realizado no dia 13 de dezembro.

“Isso já era suficientemente ruim, e vieram dois novos fatos: a questão de o Brasil fazer parte da Opep+, que parece ser bastante contraproducente ser anunciado bem na época da COP, e o outro é do Congresso, que é menos controlado pelo governo, e que não apenas não reverte os jabutis de dois anos atrás, de térmicas a gás, mas inclui novos jabutis para térmicas a carvão”, critica o gerente de projetos do Iema.

Para Rosana Santos, o Brasil “tem de tudo para viabilizar o phase out do carvão”, com apenas 2% da matriz ancorada nesse fóssil e com o potencial de se tornar um dos maiores exportadores de produtos descarbonizados.

“Mas não podemos ameaçar o ativo que nós temos. Existe, dentro do nosso Congresso e talvez dentro das pressões da nossa sociedade, um conjunto de tomadores de decisões que não entenderam isso e acabam empurrando medidas que podem ameaçar a nossa posição”, advertiu a diretora-executiva do think E+ Transição Energética.

Após descanso, COP28 entrará no segmento ministerial

O oitavo dia de Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima, esta quinta-feira (7), marca uma pausa nas negociações, com um dia inteiro de repouso para os participantes. Na véspera, o secretário-executivo do órgão da ONU que coordena as negociações climáticas (UNFCCC), Simon Steil, e depois o presidente da COP, Sultan Al Jaber, tentaram acelerar o ritmo das conversas. Al Jaber pediu para os países “saírem da zona de conforto” para chegarem a um acordo “ambicioso”, inclusive na polêmica questão do futuro dos fósseis.

A ministra Marina Silva apresentou um pacote de iniciativas brasileiras – Imagem: Stuart Wilson/COP28

Nesta sexta (8), ele deve apresentar um primeiro rascunho do acordo final. A COP vai retomar em nível ministerial, o que significa que os ministros, em geral, do Meio Ambiente, vão assumir a chefia das delegações para a reta final, e mais difícil, das negociações. Pelo Brasil, será a ministra Marina Silva – que depois de acompanhar o presidente Lula à Alemanha, retornou aos Emirados Árabes Unidos.

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