Sustentabilidade

Avanço da lama vai matando o rio Paraopeba

A avalanche de rejeitos já atinge 120 quilômetros do rio, causa a morte de peixes e inviabiliza vida de comunidades

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Ao longo do curso do Paraopeba, a vida vai ficando impossibilitada. A mais de 120 quilômetros de distância de onde os rejeitos que vazaram da barragem da Vale encontraram o rio, os resultados do monitoramento confirmam a suspeita provocada pelo odor pútrido e o tom marrom escuro que dominam a paisagem.

“O nível de oxigênio varia de zero a três miligramas por litro. Não é suficiente para os peixes, que precisam de mais 5 mg/l”, detalha Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, após medições feitas neste domingo (03/02) na altura da cidade de Florestal (MG).

A extensão do estrago surpreendeu a equipe da ONG, que organizou uma expedição para analisar a qualidade da água do Paraopeba desde o “marco zero” da tragédia, em Brumadinho, onde a barragem se rompeu no último dia 25 de janeiro, até a hidrelétrica de Três Marias, em Felixlândia.

“O nível do rio está baixo. A gente acreditava, de alguma forma, que a lama não desceria tanto. Mas estávamos errados”, confessa Ribeiro. “O que vimos é que o rio está complemente morto em todo esse trecho”.

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Às margens do Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco, moradores correm para afastar os animais de criação do rio e se perguntam como vão sobreviver sem aquela água. Na aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, os indígenas pataxó não sabem como vão se adaptar .

“Aos poucos, estamos perdendo o nosso sustento. Tudo está sendo contaminado por essa lama. É devastador”, lamenta o cacique Hayó.

Apesar da situação crítica, Ribeiro afirma que ainda não se pode decretar a morte completa do Paraopeba. “Esse corpo d’água não tem condições de se recuperar sozinho, mas há metodologias que podem ajudar”, comenta.

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Uma opção seria extrair os sedimentos de rejeitos nas margens com dragas e inserir plantas aquáticas, que podem atuar como filtros naturais. A técnica, por outro lado, exige cuidado extremo. O alto teor de fosfato e fertilizantes agrícolas – já presentes no rio -, uma vez misturados aos rejeitos, podem provocar o crescimento descontrolado das plantas e “sufocar” o Paraopeba.

Até que um processo de revitalização comece, a sobrevivência nas águas será difícil. “Muitas espécies vão migrar para regiões saudáveis. E as que não conseguirem, não vão encontrar alimento para a subsistência a longo prazo”, afirma Tiago Silva, biólogo da SOS Mata Atlântica.

Além da água, amostras de solo estão sendo coletadas. As análises serão feitas no laboratório da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Uscs), e os resultados devem ficar prontos na próxima semana.

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Contaminação no rio Doce

Três anos depois do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, Vale e BHP, em Mariana, os 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram ainda causam impacto. Parte desse volume seguiu pelo rio Doce até desaguar no Atlântico, deixando um rastro de mais de 500 quilômetros.

Uma pesquisa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) publicada na Science of the Total Environment no fim de 2018 concluiu que a mistura que escorreu pelos rios favorece a multiplicação de bactérias perigosas para a saúde humana.

As análises feitas com água do rio Doce mostraram que, ao contrário do que se dizia à época da tragédia, os rejeitos não foram inertes. E a cada chuva, eles voltam a ser uma ameaça: ao serem revolvidos, provocam o aumento da turbidez, da concentração de bactérias e metais, o que traz riscos para a saúde.

No Espírito Santo, o defensor público Rafael Portella acumula vários relatos de pessoas que apresentaram problemas de saúde depois do contato com o Doce. No litoral do estado, as queixas também vêm de surfistas.

“Eles nos relataram que não conseguem ficar muito tempo na água pois sentem enjoo, dor de cabeça, problemas de estômago. Dizem também que, depois da catástrofe em Mariana, o relógio de pulso fica com uma camada lustrosa quando saem do mar”, diz Portella sobre reuniões com atingidos.

A Defensoria Pública mantém a população no entorno do Doce em alerta. “Ainda não temos respostas categóricas que atestem a segurança alimentar e hídrica do Doce. Em muitos pontos, a pesca continua proibida”, lamenta Portella.

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