Economia

O exemplo que a Vale não seguiu

Primeira mineradora no mundo a obter a ISO 14000 ambiental, a CBMM não está, entretanto, a salvo de problemas

Nióbio em Araxá (Foto: Divulgação)
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Situada a 356 quilômetros da Vale de Brumadinho, protagonista da tragédia que abalou o País na sexta-feira 25, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) de Araxá está entretanto muito mais distante daquela empresa quanto aos cuidados com o meio ambiente, a começar pelo fato de ser a primeira mineradora do mundo a receber a certificação ISO 14000, de sustentabilidade ambiental, nos idos de 1997.

ISO é a sigla da International Organization for Standardization (Organização Internacional para Normatização), ONG fundada em 1947 em Genebra, na Suíça, formada por diversos países que reúnem especialistas para desenvolver padrões universais.O Brasil participa dessa organização por meio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Para a concessão desse reconhecimento são verificadas todas as influências que as operações de uma firma exercem sobre o meio ambiente e como elas podem ser minimizadas e melhoradas. O levantamento abrange as práticas de desenvolvimento sustentável, o atendimento à legislação ambiental, a busca de aperfeiçoamento contínuo do desempenho em relação ao meio ambiente, a otimização dos recursos naturais e a prevenção de poluição. O certificado vale por três anos e há auditorias anuais. Em 2015, houve atualização para a ISO 14001.

Há só três minas de nióbio no mundo e a de Araxá responde por 75% da produção do planeta, com reservas do minério suficientes para 400 anos de exploração. A aplicação mais importante do nióbio é como elemento de liga para melhora de propriedades em produtos de aço, especialmente nos de alta resistência usados na fabricação de automóveis e de tubulações para transmissão de gás sob alta pressão. É utilizado ainda em superligas que operam sob altas temperaturas e em turbinas de aeronaves a jato, entre outras finalidades.

A empresa levou 20 anos para reduzir a contaminação por bário e fechar a unidade responsável

Para conter os rejeitos da mineração a CBMM utiliza barragens impermeáveis, menos sujeitas a rompimentos do que as empregadas pela Vale e sua controlada Samarco, a responsável pelo desastre de Mariana, há três anos.

Os cuidados tomados em relação ao meio ambiente resultam, segundo a empresa de Araxá, em qualidade do ar cinco vezes melhor do que a lei exige, emissões oito vezes melhores do que o limite máximo admitido pela legislação e 96% de reutilização da água industrial.

A companhia investe 6 milhões de reais ao ano em média em projetos para a comunidade, é parceira do município em projetos de urbanização, conservação, educação e assistência a causas filantrópicas.

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Os investimentos contínuos em tecnologia e em programas sociais e de meio ambiente, disse o ex-presidente da CBMM Tadeu Carneiro em depoimento no Senado, são valores adotados para consolidar a liderança de mercado e a manutenção da condição de parceiro preferencial junto aos clientes e usuários finais.

“É preciso ter o ativo (a mina), desenvolver tecnologia de aplicação e de processo, mas você tem de fazer direito. Somos muito orgulhosos do programa socioambiental que desenvolvemos ao longo dos anos em Araxá”, disse Carneiro.

Os diferenciais e também alguns problemas da empresa estão registrados em um estudo de caso sobre o polo produtor de fosfato e nióbio de Araxá e Tapira realizado pelo engenheiro e professor Cláudio Lúcio Lopes Pinto e colegas do Departamento de Engenharia de Minas da UFMG e do Centro Federal de Educação Tecnológica do estado.

A CBMM, dizem os autores do trabalho, atua na preservação da fauna e flora desde 1980, mantém um Centro de Desenvolvimento Ambiental com 25,7 mil metros quadrados dentro da sua área industrial e um viveiro com capacidade para 50 mil mudas por ano e produção de 110 diferentes espécies e ainda um núcleo de educação ambiental.

Do ponto de vista da contribuição social, prosseguem, a CBMM disponibiliza para seus funcionários um programa que abrange saúde, educação, moradia para todos os funcionários e suas famílias, além de um fundo de pensão que complementa os benefícios do sistema oficial de seguridade social.

Desenvolve em Araxá atividades permanentes de assistência gratuita a pessoas carentes, mantém um centro de geriatria, um hospital de psiquiatria e uma casa de recuperação de dependentes de álcool e drogas. Além desses projetos, a empresa construiu e equipou em 1980 o complexo Senai-Sesi de Araxá para treinamento profissional.

Diferencial. A CBMM mantém um Centro de Desenvolvimento Ambiental com 25 mil metros quadrados na sua área industrial

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Apesar das ações positivas da empresa nas questões ambientais, sublinham Lopes Pinto e colegas, suas atividades implicam “relações complexas com o meio ambiente devido à natureza do próprio nióbio com a presença de minerais radioativos, terras‐raras, bário e cloro, entre outros elementos, fontes potenciais de impactos ambientais”.

A isso, prosseguem, somam‐se todos os outros efeitos inerentes à atividade de mineração, a exemplo de retirada de vegetação, modificação do relevo, emissão de efluentes líquidos e de particulados e a verticalização da cadeia produtiva. Nesse contexto ambiental complexo e suas implicações nas relações da companhia com a comunidade, chamam atenção os pesquisadores, destacam-se episódios de contaminação da água por bário, metal considerado potencialmente tóxico.

Vários estudos hidrogeológicos mostraram que a água da região de Araxá possui uma presença natural significativa de bário, chegando, segundo alguns levantamentos, a 5 miligramas por litro (mg/l) do metal, muito acima do limite admitido para a saúde humana, de 0,7 mg/l. “Em 1982 foi detectada a contaminação por bário de águas subterrâneas situadas a jusante (no sentido da correnteza) da barragem 4, que recebia os efluentes do processo de lixiviação do minério da CBMM”, aponta o trabalho (a lixiviação é a extração dos componentes de um mineral).

A empresa “assumiu a responsabilidade pela contaminação e adotou procedimentos que incluíam a neutralização do efluente na própria unidade industrial antes de seu encaminhamento à barragem, o controle e o monitoramento das águas subterrâneas com a adição de solução diluída de sulfato de sódio e substituição gradativa do processo de lixiviação do minério, responsável pelo efluente com alta concentração de bário”.

Esse conjunto de medidas, prosseguem os responsáveis pelo estudo, resultou, ao longo de quase duas décadas, em “progressivas e contundentes melhoras”. De acordo com a prefeitura de Araxá, o processo tem tido muito sucesso, com mais de 80% de redução da contaminação inicial. Em 2002 a Unidade de Lixiviação que alimentava a barragem deixou de operar.

A mineração sozinha não é sustentável, mas ela pode agregar valor à sua comunidade

Em 2008, 120 famílias entraram, entretanto, com uma ação judicial indenizatória de 16,3 milhões de reais contra a CBMM devido à contaminação da água por bário, detectada em análises feitas em dois laboratórios que apontaram teores de 1,07 mg/l (miligramas por litro) e 1,36 mg/l, muito superiores ao máximo admitido de 0,7 mg/l (embora estivessem abaixo da concentração natural na região que, conforme mencionado acima, chegaria a até 5 mg/l). A contaminação foi atribuída ao vazamento da barragem de rejeitos em 1982. A empresa alegou não ser tecnicamente possível que a água do poço utilizado pelas famílias tivesse relação com o local onde foi detectada aquela contaminação por situar-se em vertente oposta.

Carneiro orgulha-se do programa socioambiental da empresa (Foto: Divulgação)

“A despeito desses fatos, de uma maneira geral a relação da CBMM com a comunidade de Araxá não pode ser caracterizada como de antagonismo sistemático. A empresa participa ativamente dos fóruns municipais que abrangem diferentes questões de interesse comunitário e de fóruns nacionais, como o de mudanças climáticas”, sublinham os engenheiros no estudo de caso. O estabelecimento de laços efetivos e diálogo permanente com a comunidade do entorno parece ser um caminho para identificar e corrigir problemas, sugere Chris J. Moran, diretor do Instituto de Mineração Sustentável da Universidade de Queensland, na Austrália: “A mineração sozinha não é sustentável, ela não é inovadora, mas uma forma possível de ela ser sustentável é agregar valor em sua comunidade”.

Nessa relação empresa-comunidade é essencial, contudo, adotar uma comunicação empenhada em identificar com precisão e responder de modo adequado às indagações da sociedade, sugere a pesquisa de Maria Amélia Enríquez, professora da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia, realizada com colegas da USP e da UFRJ: “O pouco caso com o social se reflete na falta de uma comunicação adequada. Nos casos de Araxá e Tapira, por exemplo, causa surpresa a falta de informações básicas sobre a principal atividade de seus municípios. Moradores locais entrevistados sobre o que mais gostariam de saber da mineração responderam: como ela degrada ou cuida do meio ambiente (62%); quanto ela deixa de recursos financeiros no município (58%); quais as benfeitorias em geral que ela deixa no município (51%); como são os seus processos (47%); quanto ela fatura (44%); para onde vai o minério (42%) e qual o tipo de minério extraído (38%)”.

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