Política

A natureza sorri

Com sol o ano inteiro e ventos abundantes, o Nordeste assume papel estratégico na transição para uma economia de baixo carbono

No Brasil, a energia eólica já é a segunda maior fonte energética - Imagem: iStockphoto
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Principal alternativa para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e debelar a crise energética que se arrasta há anos no Brasil, a produção de energia renovável foi o tema de mais um debate da série Diálogos Capitais, promovido por CartaCapital de 23 a 25 de maio. Com o apoio do portal Terra, da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (AbSolar), da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) e dos governos da Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí, o webinar “Energia: Nordeste Movido a Sol e Vento” reuniu gestores e especialistas em três painéis.

Presentes na primeira mesa, Elbia Gannoum, presidente da ABEEólica, Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da AbSolar, e Carlos Gaba, secretário-executivo do Consórcio Nordeste, falaram sobre as novas fronteiras da energia renovável no Nordeste, região que concentra a maior quantidade de parques eólicos e solares do Brasil. Os palestrantes foram unânimes em defender a necessidade de uma transição energética, a partir de projetos de baixo carbono e que envolvam medidas que visem uma mudança não apenas econômica, mas também social, política e institucional.

Atualmente, a energia eólica já representa a segunda maior fonte energética do País, uma mudança de paradigma, na avaliação de Gannoum. “Temos a possibilidade de olhar para a transição energética de maneira estratégica, de sermos mais ambiciosos. O Brasil talvez seja o país que tenha o maior potencial de energias renováveis e a maior capacidade de explorar esse potencial de forma competitiva. Precisa se posicionar como importante player nesse processo, mas, para isso, falta muito”, pondera. “Temos grande capacidade, mas a economia brasileira tem crescido pouco.”

A região pretende ampliar a geração eólica em parques offshore, no mar

A representante da ABEEólica afirma existir um mercado exportador de energia limpa e de hidrogênio verde, recursos que o Brasil tem em abundância, diferentemente de outros países, com escassez de sol e ventos. Saraiva, por sua vez, chamou atenção para a produção de energia solar, com mais de 15,3 gigawatts em operação no Brasil, 70% deles sendo gerados no Nordeste. O modelo vem sendo adotado por pequenos negócios e prédios públicos em várias regiões do País, contribuindo para reduzir os custos das contas de luz. De acordo com uma estimativa divulgada pelo presidente da AbSolar, a energia solar fez reduzir 22 milhões de toneladas de gás carbônico no País.

Embora o Nordeste seja favorecido pela iluminação solar, a região ainda utiliza pouco esse modelo, devido aos altos custos de instalação dos equipamentos. As regiões Sul e Sudeste ainda lideram em geração e consumo. O potencial do setor é, porém, gigantesco. “De 2012 para cá, foram investidos 82 bilhões de reais e criados 460 mil empregos. A energia solar é uma locomotiva de geração de oportunidades econômicas e de renda para a população”, destaca. O especialista defende a criação de programas estaduais e municipais para estimular a população a adotar a energia solar.

O País só tem a ganhar com a diversificação da matriz energética nacional, avaliam Carlos Gabas, Elbia Gannoum (ABEEólica) e Rodrigo Sauaia (AbSolar) – Imagem: Redes sociais e Ricardo Stuckert

“Ao diversificar a matriz elétrica, diminuímos o risco de falta de suprimento e a exposição às mudanças climáticas. Além disso, aumentamos a capacidade de gerar energia elétrica a preços mais baratos, sem que precise acionar as termoelétricas nem importar energia de países vizinhos, como tivemos de fazer no fim do ano passado”, ressalta Sauaia. Falta, porém, planejamento e infraestrutura para o Brasil avançar na matriz energética renovável e para transportar esse recurso para todo o território nacional e, quem sabe, até exportar para outras nações. Até 2035, acrescenta, 100% da energia nos EUA e na Alemanha será renovável. “O Brasil tem 83% e consegue atingir a universalização antes desses países. Vamos esperar o bonde passar ou vamos assumir o protagonismo e nos tornar referência?”

Gabas reforça a capacidade dos estados nordestinos de abrigar parques de energia eólica e solar, devido ao grande potencial, com sol praticamente o ano inteiro e ventos constantes. Ele aponta como principal desafio para avançar na geração de energia renovável o investimento em infraestrutura para transmissão dessa energia limpa, hoje muito desperdiçada. “Há um consenso entre os governadores do Nordeste de atuar em conjunto, para que todos ganhem. A produção de energia renovável impacta menos no meio ambiente e nas comunidades, além de baratear o custo do consumo para a população e as empresas”, ressalta o secretário-executivo do Consórcio Nordeste, ao defender a criação de programas de incentivo para que os cidadãos tenham acesso à energia limpa, que também gera muitos empregos.

Em breve, os consumidores também serão geradores de energia, prevê Linhares – Imagem: Agehab/GOVGO

A geração de renda propiciada pelas energias renováveis, por sinal, foi o tema central da segunda mesa do webinar. Adão Linhares, secretário de Energia e Telecomunicação do governo do Ceará, explicou que o Brasil tem capacidade de exportar energia renovável por meio do hidrogênio verde, em razão da farta quantidade de energia solar e eólica disponível no Nordeste. Ele acredita que essa produção precisa ser mais bem utilizada, pois é suficiente para abastecer o País e o excedente ser exportado para outros países.

Olavo Bueno, coordenador de Desenvolvimento Industrial da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte, também defendeu a produção e exportação do hidrogênio verde, e sugeriu a realização de pesquisas para a instalação de parques eólicos offshore, no mar. Segundo Bueno, a partir do ano que vem, o Rio Grande do Norte contará com um parque científico e tecnológico para desenvolver pesquisas de inovação para estudar esse novo modelo. Ele defende, ainda, uma regulação específica para atrair investimentos em offshore. Atualmente, existem dois projetos sobre o assunto tramitando no Senado e outro na Câmara.

O elevado custo dos equipamentos ainda dificulta o acesso da população à energia solar

“As empresas dispostas a investir aguardam apenas essa regulamentação para dar início ao processo. Recursos existem, principalmente quando você acopla a energia eólica à offshore, com a produção de hidrogênio verde. Essa combinação é altamente positiva e interessa aos grandes investidores internacionais, que já viram uma oportunidade no Nordeste”, ­explica Bueno, acrescentando que esse tipo de operação pode gerar 140 ­gigawatts, o equivalente a dez usinas Itaipu.

Sobre a energia solar, Linhares acredita ser possível transformar o potencial existente no Nordeste em renda e defendeu que o consumidor possa produzir sua própria energia. “No Nordeste, temos uma dádiva, uma grande jazida de energia renovável. O que devemos fazer é buscar o equilíbrio da nossa tributação e, ao mesmo tempo, permitir que a região seja competitiva.” Sobre o papel da Petrobras na transição energética, Linhares propõe um alinhamento com a produção do pré-sal, enquanto Bueno acredita que a empresa precisa redimensionar os investimentos para a energia renovável.

Linhares, do Ceará, e Bueno, do Rio Grande do Norte, cobram a regulamentação dos parques offshore – Imagem: Redes sociais

No terceiro e último painel, o debate concentrou-se no tema da reindustrialização e do desenvolvimento sustentável. Ildo Sauer, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, alerta ser preciso garantir as necessidades atuais sem prejudicar as gerações futuras, até porque a disponibilidade energética continua sendo essencial para o processo de industrialização do País. Na opinião do pesquisador, é preciso rever o sistema energético, que, a partir de uma série de erros iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso em 1995, precisou recorrer às termoelétricas, gerando um alto custo econômico e ambiental. “Apesar dos erros, as bases de recursos naturais, o pré-sal, os biocombustíveis, os potenciais hidráulico, eólico e solar, que são praticamente infinitos, tudo isso é muito grande. Recursos não faltam, e também temos tecnologia. O que falta é reorganizar as bases industriais do sistema energético e o seu papel no desenvolvimento.”

O economista Guilherme Mello, professor da Unicamp e um dos coordenadores do programa econômico de Lula, chama atenção para a gravidade da crise climática, com o aumento da temperatura global e eventos extremos. A produção de energia renovável é parte da solução e, segundo o especialista, cabe ao Estado realizar uma articulação planejada, visando promover uma economia de baixo carbono e menos dependente dos combustíveis fósseis. Nesse aspecto, explica, o Brasil tem um ponto de partida melhor que o restante do mundo. Ele acrescenta que as transições energética e ecológica precisam ser pensadas como uma oportunidade para gerar empego, renda e refundar a estrutura energética do País.

Guilherme Mello e Ildo Sauer apostam na reindustrialização do País com energia limpa e renovável – Imagem: Agência USP

“As transições ecológica, energética e tecnológica são oportunidades de ­desenvolvimento e inclusão social. Não são custos a serem arcados pelo governo nem pelas empresas. São a chance de o Brasil fazer o que não conseguiu executar nas últimas décadas, dar um salto produtivo e tecnológico para enfrentar esses desafios”, destaca Mello.

Questionados se é possível vislumbrar um Brasil sem energia fóssil, os palestrantes observam que a transição energética vai acontecer a médio e longo prazo. “A gente não pode parar de crescer e, simplesmente, substituir a atual matriz por uma nova que vá fornecer a mesma quantidade de energia. Precisamos ampliar a quantidade de energia disponível e investir em novas matrizes. Assim, a participação relativa das matrizes poluentes vai se reduzir, enquanto a das não poluentes vai aumentar”, frisa Mello. “Temos a melhor base de recursos naturais, temos tecnologia e recursos humanos. Podemos construir uma nova fase de reindustrialização do País”, conclui Sauer. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1211 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A natureza sorri”

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