Sociedade

Sem a regulação do lobby, a política continuará dominada pelo crime

Em “O Espetáculo da Corrupção”, o advogado Walfrido Warde Júnior lista os estragos econômicos da Lava Jato e faz uma autópsia do sistema político

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Nos últimos quatro anos, o ofício permitiu ao advogado Walfrido Warde Júnior documentar e refletir sobre os estragos na economia provocados pela sanha da força-tarefa da Lava Jato. Irrequieto, republicano, ele foi além do que a profissional defesa de grandes empresas exigia.

Em parceria com outros especialistas, propôs uma solução que permitisse punir os administradores acusados de corrupção sem afundar as companhias. As ações dos envolvidos seriam transferidas a um fundo público e vendidas no mercado de capitais a novos controladores, o que preservaria empregos e renda. O medo dos políticos e a visão obtusa dos organismos de repressão atiçaram o obscurantismo que enterrou a proposta.

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Warde Júnior não se dá por vencido. O Espetáculo da Corrupção, prestes a ser lançado, é sua mais recente contribuição para restabelecer a racionalidade à análise dos crimes de colarinho-branco, sua repressão e efeitos. Os dados reunidos no livro são inquestionáveis: a Lava Jato produziu mais estragos no PIB, 120 bilhões de reais, do que os crimes que ela se propôs a combater. A despeito dos avanços institucionais, afirma na entrevista a seguir, a “fábrica da corrupção” continua aberta. E a pleno vapor.

CartaCapital: Por que lançar o livro neste momento?

Walfrido Warde Júnior: Entender o combate à corrupção é essencial para a formação de juízo da população neste instante em que estamos prestes a decidir quem vai governar o Brasil nos próximos anos e quem vai ocupar os assentos no Congresso Nacional.

CC: O livro é muito crítico em relação aos resultados obtidos com as operações anticorrupção, a Lava Jato em particular. Por quê?

WWJ: O combate à corrupção é fundamental, ninguém discute. Mas esse combate não pode ser levado a ferro e fogo a ponto de destruir outros valores ou bens tão essenciais quanto para um país. Ao longo do tempo, adotamos várias medidas positivas que reforçaram o enfrentamento da corrupção, mas no momento temos apenas ações puramente repressivas.

O aparato de controle é capaz de prender, de destruir reputações e valor no mundo empresarial, mas não consegue fechar a fábrica de corrupção. E também é incapaz de prover vias de solução para que as empresas envolvidas em malfeitos possam continuar a existir. Em consequência, esse espetáculo começa a esgarçar o tecido social e político e a ameaçar a estabilidade das instituições. É preciso rever não só a legislação de combate à corrupção, mas a disciplina da política.

CC: De que forma?

WWJ: Não temos, basicamente, uma legislação sólida, razoável e racional para regular o lobby pré-eleitoral, o financiamento de campanha, e o pós-eleitoral, a pressão dos grupos organizados da sociedade civil sobre os agentes públicos. Diante da falta dessa regulação, mantemos uma porta aberta para o crime organizado, ou desorganizado, infiltrar-se nos governos.

CC: Por que o termo lobby tornou-se pejorativo no Brasil?

WWJ: Não concebemos a democracia majoritária nos moldes dos Estados Unidos, por exemplo. Aqui sempre estamos em busca da perfeição. Não justifico o modelo americano, que é imoral em muitos aspectos. Cito, porém, um discurso de James Madison, do período da fundação da democracia nos EUA. Segundo ele, é da confrontação dos interesses contrapostos que se expurga os interesses maléficos para a sociedade.

O Parlamento fica vulnerável às quadrilhas (Foto: Agência Brasil)

Evidentemente é uma visão romântica. Mas seria ingênuo imaginar que no capitalismo as forças econômicas não vão tentar, na ânsia de vencer a concorrência e aumentar a taxa de lucro, capturar o Estado. E as empresas o farão, com ou sem legislação de lobby. A única diferença é que, sem uma regulação, elas irão competir com o crime organizado. Não temos nada parecido no Brasil a um lobby regulado. Pior, matamos o financiamento empresarial de campanha de uma forma atabalhoada e substituímos por um arremedo de financiamento público conjugado com doações individuais. E o que aconteceu?

CC: O quê?

WWJ: Os maiores doadores são líderes empresariais. Sem mencionar que nem conseguimos controlar as contribuições sub-reptícias de doadores eventualmente ligados ao crime.

CC: Além da regulação do lobby e do financiamento de campanha, o que precisaria ser mudado?

WWJ: Hoje temos cerca de 400 frentes parlamentares. Apenas uma regra, estabelecida pela mesa diretora da Câmara dos Deputados, disciplina essas frentes: elas não podem receber dinheiro público. Ou seja, se não há verba pública, quem contribui é o setor privado. De que maneira? Depósito na conta de um parlamentar? Como um deputado ou senador viaja, em um país de dimensões continentais, para conhecer um projeto ou uma proposta? De que forma se contrata um estudo, divulgam-se ideias, se faz pressão legítima?

Não são os únicos pontos. Precisamos desenhar uma nova política nacional de combate à corrupção. O ideal seria congregar em uma autarquia as diversas instâncias do aparato de controle para desenvolver regras de repressão e regulação tanto dos acordos de leniência quanto das delações premiadas. Uma autarquia com legitimidade para impor essa política aos tentáculos do Estado: juízes, promotores e demais integrantes da burocracia. É necessário centralidade.

CC: Como o combate à corrupção contribuiu para o desmonte da economia brasileira?

WWJ: O combate à corrupção sustenta-se sobre quatro pilares: determinar o ilícito, detectar o crime, punir e oferecer soluções para que as empresas possam continuar a funcionar. Fortalecemos o segundo e o terceiro pilares, mas os outros dois são frágeis. Ninguém sabe quais os limites aceitáveis na relação público-privada. O que é lícito ou ilícito.

Houve uma determinação subjetiva sobre o que é ou não legal, com consequências muito nefastas. Por fim, não conseguimos estabelecer acordos de leniência das empresas com o Estado. Isso é mortal. Matamos setores inteiros da economia. Segundo um estudo da GO Associados, perdemos 120 bilhões de reais do PIB em consequência do combate à corrupção.

CC: Em outras palavras, a Lava Jato provocou mais prejuízos à economia do que a corrupção em si…

WWJ: Sim. A Petrobras perdeu 440 bilhões de reais em valor de mercado nos últimos anos. Isso aconteceu por vários fatores: políticas equivocadas, queda do preço do petróleo… Mas o grosso dessa perda, de uma companhia que equivalia em 2013 ao 50º PIB do mundo, se deve ao combate espetaculoso da corrupção na petroleira.

A Petrobras declara ter perdido 6 bilhões de reais com os desvios. Os agentes públicos conseguiram restituir 1,2 bilhão aos cofres da estatal, mas a empresa assinou um acordo para pagar 10 bilhões a acionistas minoritários nos Estados Unidos. E essa perda de valor de mercado, de 440 bilhões, deve-se sobretudo ao fato de a Petrobras ter ocupado com destaque o noticiário policial no Brasil e no mundo durante três anos. Não há empresa que resista. Punimos a vítima. Não me parece a melhor tática para combater a corrupção.

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CC: Não acontece assim no resto do mundo?

WWJ: Não. Várias empresas no exterior envolvidas em corrupção tiveram de ressarcir os cofres públicos, seus administradores foram punidos, mas elas continuam de pé. Empregos foram preservados, posições de mercado também. No caso da Petrobras, é pior ainda.

CC: Por quê?

WWJ: A Petrobras foi vítima de administradores e empresas contratadas e de um modelo perverso de financiamento da política no Brasil. Justamente a falta de regulação do lobby fez com que ela e outras estatais fossem utilizadas para financiar partidos com a gordura do superfaturamento.

Nas democracias mais maduras, esse financiamento se dá de outras maneiras. Os chamados PACs nos Estados Unidos movimentam bilhões durante as campanhas. Empresas não são diletantes, não querem resolver o problema de toda a população. O capitalismo precisa ser amestrado de alguma forma. Sem as empresas não há renda, emprego, consumo e pagamento de impostos. Em resumo, não há dinheiro para manter as estruturas de combate à corrupção.

CC: Qual o melhor modelo de financiamento de campanha?

WWJ: Em princípio, deve-se evitar que o poder econômico tenha um voto múltiplo e ao mesmo tempo não sobrecarregar os cofres da União. Talvez o correto seja um modelo misto, público e privado, que sujeite o financiamento empresarial a uma série de limites, seja de valor, seja de restrições às doações a quem vai contratar diretamente seus serviços. Uma alternativa seria impedir a contribuição direta de uma companhia a um candidato. A doação teria de ser mediada por corpos associativos sujeitos à governança e à total transparência.

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