Sociedade

Protestos, vigília, reuniões: como os sindicatos reagem ao fechamento da Ford

Empresa americana anunciou encerramento imediato de atividades em Camaçari, na Bahia, e Taubaté, em São Paulo

Em assembleia, trabalhadores de Camaçari, na Bahia, discutiram fechamento da Ford. Foto: Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari
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Trabalhadores da Ford cumprem uma agenda de mobilizações após o anúncio do fechamento de fábricas da empresa americana no Brasil, publicado na segunda-feira 11. A produção será encerrada imediatamente em Camaçari, na Bahia, e em Taubaté, em São Paulo. Na cidade de Horizonte, no Ceará, uma terceira fábrica também deve ser fechada, mas somente no ano que vem. Em nota, o presidente da Ford na América do Sul, Lyle Watters, culpou “o ambiente econômico desfavorável e a pressão causada pela pandemia“.

Nesta terça-feira 12, funcionários da fábrica baiana protestaram nas ruas. Mais de seis mil trabalhadores compareceram ao ato, segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, Júlio Bonfim. Para a quarta-feira 13, está planejada a realização de uma assembleia no Centro Administrativo da Bahia, às 9h, seguida de um ato na Assembleia Legislativa do estado. O objetivo é inserir o tema na pauta de discussão dos deputados estaduais.

Há a perspectiva de que o governador da Bahia, Rui Costa (PT), convide outros fabricantes a uma visita ao parque industrial do estado para retomar a produção de carros. Em vídeo, Costa disse que entrou em contato com embaixadas estrangeiras para prospectar investidores. O petista afirmou que chamou os trabalhadores da Ford para integrar um grupo de trabalho que estudará alternativas ao fechamento da empresa.

Bonfim relata discussões com o governo da China para atrair uma nova montadora, mas, para ele, apesar de uma providência necessária, “não é uma discussão tão simplória” e deve ser tratada como uma medida de médio prazo. A prioridade seria prolongar, ao máximo possível, os empregos e salários que terão fim imediato.

Há ainda expectativa para uma reunião do sindicato com a Ford na semana que vem.

O sindicalista estima que pelo menos doze mil trabalhadores da região devem ser afetados: 3,5 mil operacionais, 2,5 mil administrativos, 2,5 mil de empresas parceiras e quatro mil de fornecedoras. Segundo ele, a Ford abandonou a fábrica de uma hora para outra, sem chances para diálogo. O complexo automotivo foi fundado em 2001.

“São doze mil empregos descartados pela Ford, em uma posição extremamente mesquinha”, disse Bonfim a CartaCapital. “Não é algo que se resolve com uma negociação com o sindicato. É preciso de uma intervenção muito forte do governo do Estado, e também por parte do governo federal – que pouco está fazendo, a não ser lamentar”.

“Há um sucateamento do setor industrial no Brasil e uma incompetência do governo federal em reestruturar a indústria”, diz Bonfim.

Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores do Brasil, à qual o sindicato de Camaçari é filiado, relatou possível conversa com o candidato à presidência da Câmara Baleia Rossi (MDB-SP), em passagem pela Bahia. Araújo também planeja se reunir com o senador Jaques Wagner (PT-BA), na quarta-feira 13, e diz costurar um encontro com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O presidente da CTB ainda diz atuar em uma articulação no Congresso Nacional para estabelecer diálogo com as montadoras, além da Ford, e evitar uma debandada. Uma reunião virtual deve ser realizada na quarta-feira 13, às 15h, e pode tratar desse tema. Sindicalistas citam a General Motors e a BMW como empresas que podem seguir Ford e fechar as fábricas no País. Para Araújo, como o fechamento de uma fábrica afeta toda uma cadeia econômica, cerca de sessenta mil trabalhadores podem ser prejudicados somente na Bahia.

O sindicalista diz que não é o “Custo Brasil” que define a permanência dessas montadoras, já que a reforma trabalhista, por exemplo, barateou a mão de obra. Em sua visão, há “descrédito” pela falta de um projeto de estímulo às indústrias, por meio de obras de infraestrutura que movimentem o setor.

“Sem a ambição por um projeto nacional de desenvolvimento, e se a aposta do governo é a liquidação e venda de tudo, nenhuma montadora vai ficar no mercado brasileiro. Porque há um certo descrédito”, avalia.

No Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, houve uma reunião com a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen, do governo de João Doria (PSDB), segundo relatou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, Cláudio Batista da Silva Júnior. No encontro, trataram de “como indenizar e requalificar os trabalhadores”.

Os funcionários de Taubaté iniciaram uma vigília em frente à unidade da montadora. Grupos de trinta pessoas devem se revezar no local, a cada seis horas. A ideia é impedir que máquinas da estrutura da fábrica sejam retiradas. Na quarta-feira 13, às 8h, os manifestantes farão uma assembleia em frente à Câmara Municipal.

A fábrica de Taubaté tem 830 trabalhadores, segundo o Sindicato.

O representante do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, Cláudio Batista Júnior, em reunião no Palácio dos Bandeirantes. Foto: Reprodução/Sindmetau

Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, disse ter participado de uma reunião nesta manhã com o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Sérgio Nobre, o Sindicato de Taubaté e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Segundo ele, há uma articulação conjunta da CUT, que coordena a situação de Taubaté, com a CTB, de Camaçari, e a Força Sindical, responsável pelo sindicato de Horizonte.

O plano dele é visitar Brasília para conversar com autoridades, mas essa agenda ainda precisa ser aprovada com a CUT. Também pretende se reunir com senadores da Bahia e com o governador Rui Costa.

Cayres critica a decisão da Ford de mudar seus investimentos para a Argentina. A transferência foi anunciada pelo presidente Alberto Fernández: cerca de 580 milhões de dólares da empresa vão para o país vizinho.

“No mínimo, eu espero do governo uma medida que impeça que os produtos importados venham para cá com facilidade. Queremos que, para importar, seja necessário produzir aqui no Brasil. Isso significa manter os empregos. Para as empresas, é mais vantajoso produzir nos países vizinhos e vender de lá para nós”, disse Cayres.

Em Horizonte, onde a fábrica ainda funciona até 31 de dezembro, Cayres diz que a greve seria uma possibilidade de pressão. Lá, funciona a unidade da Troller, onde trabalham entre 480 e 500 trabalhadores, sem contar os indiretos.

José Milton Pereira, que representa os trabalhadores da Ford na região pela Força Sindical, disse que não há conversas para uma paralisação. Segundo ele, os funcionários da fábrica estão em casa, devido a uma licença por flexibilização de jornada. Os trabalhadores devem voltar às atividades em 20 de janeiro. Só após essa data será possível decidir algum tipo de mobilização.

“Quando chegar no dia 20 é que vou falar com os trabalhadores sobre qual é a reação deles”, afirmou.

Em nota, a organização IndustriALL Brasil afirmou que a decisão da Ford foi “unilateral” e chamou o governo do presidente Jair Bolsonaro de “despreparado” e “inepto”. O texto é assinado pelo presidente da entidade, Aroaldo Oliveira da Silva, pelo presidente da Força Sindical, Miguel Torres, e por Paulo Cayres.

Os sindicalistas dizem que a tendência da Ford de sair do Brasil se agudizou em 2019, quando foi fechada a fábrica de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Para eles, a empresa demonstra “ausência de compromisso e respeito aos trabalhadores e à sociedade”, por ter recebido investimentos públicos e, em seguida, anunciar retirada do país. Segundo estimativas da Receita Federal, reportadas pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, a Ford recebeu 20 bilhões de reais em incentivos fiscais dos governos desde 1999. Em nota, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social informou que pediu explicações à Ford sobre o comunicado de saída – segundo o BNDES, há dois contratos de financiamento direto, de 335 milhões de reais, firmados em 2014 e 2017.

“A Ford ‘foge’ do Brasil deixando um rastro de desemprego e desamparo, após ter se valido durante muitos anos de benefícios e isenções tributárias dos regimes automotivos vigentes, e que definiram a instalação da empresa em Camaçari, bem como a permanência das suas atividades no Ceará”, escrevem os representantes sindicais.

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