Justiça

Por que decisão do TRF-4 pondo fim ao indulto chocou o mundo jurídico?

Decisão de um desembargador atropelando a Constituição imita exemplo do STF, que deveria defender o texto constitucional, mas não o faz

O desembargador Leandro Paulsen, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF
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Nesta terça-feira 8, foi divulgada uma decisão do desembargador Leandro Paulsen, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, que estarreceu a maioria dos operadores do Direito Penal. Por meio dela, o TRF-4 entendeu que o indulto presidencial é inconstitucional, e simplesmente tentou varrê-lo do mapa normativo brasileiro com uma caneta.

A alegação do desembargador é a de que o Decreto de Indulto coletivo, editado em 2013, seria inconstitucional. Em síntese, a decisão se apoia no argumento de que o Presidente da República não pode legislar sobre matérias de Direito Penal.

Esse entendimento causa grande preocupação, pois o artigo 84, inciso XII da Constituição Federal não apenas prevê a possibilidade de concessão de indulto, como atribui ao Presidente da República a destinação única para o exercício de tal finalidade.

Ao alegar que o indulto seria inconstitucional devido ao fato de o Presidente não poder legislar sobre matéria penal, surge uma interpretação exótica do ordenamento jurídico. Aqui, o que se tem é a inobservância dos princípios constitucionais. Em análise ampla, porém, tal entendimento não causa grande surpresa.

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Não é de hoje que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem fatiado a Constituição Federal ou mesmo descumprido disposições literais.

O último caso que tivemos de grave violação constitucional foi a decisão que permite a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação penal. A postura do STF de desrespeito à Constituição traz consequências graves tanto ao que se refere à segurança jurídica, quanto ao que toca à própria constituição do Estado Democrático de Direito.

Quando o STF, que deveria ser o guardião máximo da Constituição, distorce ou ignora dispositivo literal que sequer pode ser alvo de emenda constitucional, abre-se caminho para que juízes e tribunais de segunda instância, como o TRF-4, interpretem a Constituição a seu bel-prazer, sem que se atente para a coerência da Lei Maior.

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Isso aconteceu quando o TRF-4 declarou o indulto coletivo inconstitucional. Utilizou a Constituição como se fosse um cardápio, foram colocados os artigos que interessavam para ideologia dos julgadores e os demais foram afastados, como se fossem meros penduricalhos. Uma vez que a previsão de indulto presidencial é presente na Constituição, deveriam ter afastado o decreto apenas se ele fosse incompatível com o restante do ordenamento, o que não é o caso.  O indulto é uma excessão constitucional que atribui ao presidente a faculdade de legislar sobre um tema específico.

Ainda, os desembargadores ignoraram que o indulto é um instrumento para se premiar aqueles condenados que demonstram estar recuperados. Não se concede o indulto a todos os presos que cumpriram determinado tempo de pena, mas apenas àqueles que não cometeram faltas no último ano. Também é importante dizer que o decreto de indulto sempre tratou os condenados considerados reincidentes de forma diferente dos que foram condenados apenas uma vez.

Se um dos objetivos da pena é a ressocialização do cidadão, o indulto é um dos instrumentos mais eficientes para premiar aqueles que se demonstram recuperados.

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Algo diferente de premiar a impunidade, como alguns podem pensar, o indulto prevê critérios rígidos para sua concessão, sendo o principal o comportamento irreprovável dentro da cadeia.

Também se deve levar em consideração os inúmeros casos em que a pessoa já cumpriu a pena de prisão, mas não possui meios de pagar a multa imposta. Nesses casos, direitos ligados à cidadania são negados, pois essa pessoa sequer pode votar enquanto não tiver sua pena extinta. Além disso, continuará constando em sua certidão de antecedentes que ele não cumpriu a pena, o que pode acarretar grandes problemas para a pessoa conseguir um emprego, facilitando a sua volta ao mundo do crime. É para este tipo de caso que também serve o indulto.

Deve-se também salientar a grave crise do sistema penitenciário brasileiro. O país tem a terceira maior população carcerária do mundo e continua a prender cada vez mais. O indulto coletivo é um instrumento para desafogar um pouco o sistema prisional e conceder alguma dignidade àqueles que, mesmo vivendo em condições subumanas, não se rebelam contra o sistema prisional.

Ao se declarar o indulto inconstitucional, o TRF-4 consolida práticas excludentes e prejudica diversas pessoas com o intuito de agradar a opinião pública. São diversas pessoas, na maior parte pobres e negros, que serão prejudicada com a medida, pois os que estão presos assim continuarão, mesmo se mostrarem-se recuperados, e os que porventura estiverem soltos e não possuam condições de arcar com o valor das multas podem ter seu direito à cidadania negado.

Infelizmente, o Poder Judiciário também parece ter sucumbido ao populismo penal. Aprende-se que os juízes, desembargadores e ministros são concursados ou nomeados – respeitando-se sempre critérios técnicos – para evitar que sucumbam à vontade popular. A função deles não é agradar à opinião pública, mas fazer valer a lei e a Constituição. Ocorre que alguns julgadores parecem ter sucumbido à vaidade e apelado para decisões que agradam as massas, mesmo que tais decisões sejam contrárias à lei ou prejudiciais à sociedade.

* André Lozano Andrade é advogado criminalista e coordenador do laboratório de ciências criminais do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) 

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