Sociedade

Maiores apps de entrega e transporte não garantem nem salário mínimo, aponta estudo

O Fairwork, projeto da Universidade de Oxford, monitorou as condições de remuneração, contrato e gestão das plataformas no Brasil

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Uber, 99, iFood e outras plataformas de entrega, transporte e trabalhos informais não oferecem aos trabalhadores sequer o pagamento mínimo de 6 reais por hora trabalhada, conforme um relatório do projeto Fairwork, da Universidade de Oxford, divulgado nesta quarta-feira 26. 

Este é o segundo estudo do projeto, que monitora no Brasil a situação de trabalho nas seguintes plataformas: 99, Americanas Entrega Flash, AppJusto, GetNinjas, iFood, Lalamove, Loggi, Parafuzo, Rappi e Uber. O projeto ainda acompanha os apps em outros 37 países. 

Na avaliação do Fairwork, nenhuma das plataformas oferece condições justas de trabalho no Brasil. Elas falham, além da remuneração, em treinamentos e fornecimento de equipamentos de segurança e saúde, por exemplo.

Para chegar ao resultado, os pesquisadores ouviram de oito a dez trabalhadores de cada empresa entre julho de 2022 e julho deste ano. A partir das respostas, eles calcularam uma nota para cada aplicativo.

Os trabalhadores entrevistados responderam a questões sobre valores mínimos de remuneração, condições, contratos, gestão e representação dos trabalhadores. No final, as plataformas têm 15 dias para responder com adequações.

No quesito salarial, apenas a plataforma de entrega AppJusto e o aplicativo de serviços domésticos Parafuzo cumpriram os requisitos eleitos pelo levantamento, como o valor pago por horas trabalhadas e os custos relacionados ao trabalho, como manutenção do automóvel e alimentação.

A faixa de salário ideal é calculada a partir de 30,22 reais por hora, de acordo com Dieese, e com base no salário mínimo de 1.320 reais.

O levantamento ressalta que as empresas obtêm receitas milionárias, mas não garantem um salário mínimo para os colaboradoresSó no primeiro trimestre deste ano, por exemplo, a Uber alcançou um lucro de 8,8 bilhões de dólares. 

“De maneira geral, o cenário para as empresas plataformas é promissor. Portanto, ainda é urgente adoção de normas que permitam que trabalhadoras e trabalhadores tenham, pelo menos, condições decentes de
trabalho”, diz um trecho do relatório.

Em comparação com o monitoramento divulgado em 2021, os aplicativos ganharam pontos, a passos lentos. A mudança se deve, segundo o coordenador da pesquisa, o professor da Universidade de Toronto Rafael Grohmann, à pressão de movimentos de trabalhadores, com greves e articulações que geraram uma discussão com o governo. A gestão Lula coordena atualmente um grupo de trabalho para propor melhorias no setor.

Acompanhe as notas de cada plataforma:

99, Uber, Americanas, GetNinjas, Lalamove, Loggi, Rappi | Nota zero (0/10)

Nenhum dos aplicativos conseguiu garantir um salário mínimo aos entregadores, condições mínimas de segurança e saúde, nem contratos sem cláusulas abusivas. Também não há transparência nas tomadas de decisão que afetam os trabalhadores, nem liberdade de associação, de acordo com os critérios elencados na pesquisa. 

Em nota, o Rappi disse oferecer aos trabalhadores centros de atendimento presenciais, suporte em tempo real, cursos de capacitação, informativos de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental e dois planos de assistência à saúde. “O Rappi considera que a sustentabilidade de seu ecossistema digital somente é possível quando os três elos de sua cadeia são beneficiados, dentre os quais estão os entregadores parceiros. Desta forma, a empresa mantém um diálogo constante com eles e está permanentemente atenta a soluções que possam favorecê-los”, afirmou.

O Movimento Inovação Digital, do qual participam 99, Loggi, GetNinjas, Parafuzo e Americanas, declarou que busca alcançar uma solução sustentável por meio do diálogo entre empresas, representantes dos profissionais e governo. 

A Amobitec, que reúne iFood, Uber, 99 e Lalamove, afirmou que o trabalho intermediado por plataformas de mobilidade e entregas “de maneira alguma configura uma atividade profissional menos decente do que qualquer outra.” A Amobitec também participa do grupo de trabalho do governo.

“Para a 99, o bem-estar dos motoristas parceiros é prioridade”, diz a plataforma, que tem um milhão de profissionais cadastrados. A empresa afirma ter lançado, em março de 2022, o adicional variável de combustível, conforme o preço da gasolina.

Já a Uber argumenta que o levantamento do Fairwork carece de rigor científico. Segundo a empresa, a pesquisa não considera a flexibilidade que motoristas têm para decidir quando e quanto dirigir ou a quais solicitações de viagens querem atender.

O GetNinjas, aplicativo que registra trabalhadores autônomos de diversas iniciativas e os conecta aos contratantes, argumentou que, em seu modelo de operação, o contato, a negociação e o pagamento do serviço entre profissional e cliente são realizados fora da plataforma. “Nosso funcionamento e perfil de usuários se diferenciam dos demais citados na pesquisa”, sustenta.

A Lalamove também reitera a participação no GT do governo para melhorar suas políticas e argumenta que as “iniciativas [da empresa] estão voltadas para garantir condições de trabalho dignas aos motoristas parceiros”.

A Loggi e Americanas, que realizam serviços de entrega de produtos, não se pronunciaram até o momento. 

iFood – Nota dois

A iFood, que tem mais de 200 mil trabalhadores registrados, ganhou pontos por fornecer termos e condições claras e transparentes, além do devido processo para decisões que afetam os entregadores.

“Em julho deste ano, aumentamos o ganho em 4,5% —é o terceiro ano consecutivo com reajustes, e somos a primeira empresa brasileira a apoiar a Carta-Compromisso Ethos sobre Trabalho Decente em Plataformas Digitais”, disse a plataformaNo entanto, as questões salariais e de segurança não tiveram mudanças.

AppJusto – Nota três

É o aplicativo com melhor pontuação e se destaca em termos e condições claros. Um diferencial, porém, é a quantidade de entregadores registrados: apenas 2.700. Ainda faltam políticas para saúde e associação dos trabalhadores.

Em nota, o AppJusto diz atender, desde o lançamento, às principais reivindicações da categoria: mínimo de 10 reais por corrida, fim de bloqueios sem direito de defesa e código de confirmação em todas as corridas. “Essa é a medida de quão comprometidos somos com a causa do trabalho decente e com a busca por constante aperfeiçoamento da nossa operação.”

Parafuzo – Nota um

O app para domésticas e profissionais de limpeza preencheu o requisito salarial, mas não estabeleceu contratos que reduzissem a desigualdade na plataforma. Além disso, o levantamento aponta não haver transparência sobre o funcionamento do algoritmo.

A Parafuzo afirma em nota que, a partir do diálogo com o Fairwork, adotou um programa de seguros sobre acidentes pessoais e de vida para diaristas e montadores que utilizam a plataforma. “Publicamos informativos de segurança e aprimoramos canais de suporte em tempo real e ouvidoria para receber e tratar as preocupações, reclamações ou sugestões”, diz o aplicativo.

O relatório foi elaborado por uma equipe de pesquisa liderada por Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Tecnológica Federal do Paraná e Universidade de Toronto. 

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