Sociedade

Bruno Pereira pedia proteção há três anos e chegou a elaborar plano contra a violência no Javari

Apesar dos registros em relatórios, boletins de ocorrência e evidências coletadas, alertavam, nenhuma atitude enérgica foi tomada por parte do poder público

Créditos: Foto: Reprodução/TV Globo
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O indigenista Bruno Pereira, assassinado na Amazônia junto ao jornalista inglês Dom Phillips já havia, há três anos, alertado o poder público e pedido proteção aos profissionais que, como, ele atuavam na região do Vale do Javari.

Em novembro de 2019, ele e outro servidores da Funai notificaram a Defensoria Pública da União a respeito da insegurança que enfrentavam na região – principalmente no entorno do rio Ituí, em Atalaia do Norte.

No pedido, eles relatam sucessivos ataques de criminosos armados, que deixavam a Terra Indígena Vale do Javari portando peixes e tartarugas pescados ilegalmente. Em pouco mais de doze meses, contabilizaram, a base de Ituí havia sido alvo de oito ataques.

Apesar dos registros em relatórios, boletins de ocorrência e evidências coletadas, alertavam, nenhuma atitude enérgica foi tomada por parte do poder público.

Trecho do documento que Bruno Pereira e servidores da Funai encaminharam à DPU em 2019

Um mês antes, o indigenista, que atuou por uma década como coordenador da Funai na região, havia sido exonerado do cargo. Pereira foi dispensado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados em meio a pressão de ruralistas sobre o então recém-nomeado presidente Marcelo Augusto Xavier, ligado à categoria. A Funai negou, à época, a relação entre os fatos, argumentando que a mudança era ‘natural’ diante da ‘renovação da presidência dentro de órgãos públicos’. Nos últimos anos, ele atuava na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), em Brasília.

Um plano de proteção, elaborado em parceria com Bruno Pereira, não chegou a sair do papel por aguardar homologação da Funai

Bruno e os demais servidores também levaram ao conhecimento dos defensores públicos uma nota técnica encaminhada em 4 de novembro à Funai, endereçada à coordenadora substituta da frente de proteção etnoambiental Vale do Javari, Idnilda Obando de Oliveira.

No documento, o grupo denunciava a falta de condições mínimas de segurança para operar junto às bases e anunciava a decisão de não mais ir à campo sem a presença diária de forças de segurança locais. Também narrava dois ataques a armas de fogo contra a base Ituí/Itaquaí, um no dia 31 de outubro e outro no dia 3 de novembro, que entendeu como ‘tentativa de homicídio‘.

Na noite em questão, aproximadamente às 20h45, conforme explicitado em vídeo em anexo, uma canoa foi identificada pelo colaborador indígena que estava na atividade de foco noturno com lanternas potentes, que tem por objetivo inibir e identificar invasões através da confluência dos rios que nomeiam a Bape. A embarcação regional de madeira avistada aparentava possuir 12 metros e era tripulada por 6 a 8 homens que, ao serem identificados e iluminados pelo servidor que estava de plantão no foco, prontamente iniciaram disparos de armas de fogo, possivelmente calibre 16. A embarcação possuía grande volume de carga que, apesar de não poder ter sido identificada, sabe-se que muito provavelmente é constituída de recursos ambientais diversos de procedência ilegal“, narram os servidores da Funai sobre o ataque em outubro.

Adiante, os servidores reforçam que o sentimento de insegurança das equipes que atuam nas bases de proteção se intensificou um mês antes, com o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em setembro. Max, como era conhecido, foi morto com dois tiros na nuca, na principal via pública de Tabatinga (AM), a Avenida da Amizade. Ele atuava na base de proteção da Funai no posto do Rio Curuçá.

Também foi encaminhada aos defensores da DPU uma manifestação dos servidores, em carta aberta, contra a a exoneração de Bruno Pereira como coordenador titular da Funai, questionando o seu afastamento sem critérios técnicos, e reforçando que o desmonte técnico, somados aos cortes e contingenciamento orçamentários, podiam fragilizar ainda mais a atuação das bases de proteção, diante o avanço da violência no Vale do Javari.

“Faltou presença do Estado”

O defensor público federal Renan Sotto Mayor de Oliveira confirmou que a DPU, em articulação com o Ministério Público Federal, acompanha o caso das ameaças contra Bruno Pereira desde 2019, relatadas em uma ação civil pública que tramita na Justiça Federal do Amazonas desde novembro do mesmo ano.

Na decisão assinada pela juíza da 1ª Vara Federal Cível, Jaiza Maria Pinto Fraxe, a União foi intimada a prestar imediato apoio operacional à entrada das equipes da Funai a campo no Vale do Javari, ‘devendo alocar os recursos materiais e orçamentários para garantir o apoio das atividades por no mínimo 6 meses”. Também ficou expressa a autorização ao MPF de requisitar o apoio da Polícia Federal, Polícia Militar, Exército Brasileiro (através do Comando Militar da Amazônia) e Força Nacional. A decisão destacava ainda que, em caso de eventual resistência por parte das autoridades citadas, seriam tomadas as providências jurídicas cabíveis.

“As ameaças ao Bruno já tinham decisão judicial relatando toda essa situação de violência geral no Vale do Javari, mas o que a gente percebe é que há necessidade de uma intervenção estrutural do estado”, pontuou o defensor. Segundo ele, um plano de proteção foi elaborado em parceria com Bruno Pereira, mas não chegou a sair do papel por aguardar aceite da Funai e posterior homologação por parte da Justiça.

“A atuação estrutural só vai se concretizar se as bases de proteção etnoambiental forem efetivamente estruturadas, o que infelizmente não existe. Então aguardamos a decisão da Justiça Federal para seguir essa estruturação e combater qualquer tipo de crime em terras indígenas, garimpo, pesca ilegal, caça”, completa.

Um dia antes da confirmação das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, no âmbito da mesma ação civil pública de 2019, a DPU entrou com um pedido de tutela de urgência, acatado novamente pela Justiça Federal do Amazonas, solicitando o envio imediato de forças de segurança para acompanhar as buscas pelos ativistas, até então desaparecidos.

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