Sociedade

‘É cedo para criticar Ministério dos Povos Indígenas’, diz líder yanomami

Dario Kopenawa Yanomami diz que Lula não resolveu crise sanitária e que pasta ainda enfrenta dificuldades para apoiar povos indígenas. Mesmo assim, destaca o esforço empreendido

Créditos: Victor Moriyama/ISA
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O garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, está diferente. Os seis primeiros meses de 2023 de intensa fiscalização seguidos por um semestre de relaxamento das ações levaram os invasores a adaptarem suas táticas.

Para burlar as forças de segurança oficiais, grupos criminosos investem em tecnologia de comunicação para antecipar operações, trabalham à noite, fragmentam canteiros e os afastam dos grandes rios. Resultado: a área total impactada pelo garimpo cresceu cerca de 7% no ano de 2023, aponta um relatório da Hutukara Associação Yanomami.

Em alguns locais, narram os yanomami, invasores resistem com armamentos pesados e continuam rasgando a floresta atrás de ouro da mesma forma que antes.

Os dados fazem parte de um levantamento da Hutukara Associação Yanomami, que monitora o garimpo ilegal no território desde 2018. A situação é acompanhada por meio de imagens de satélite usadas para mapear desmatamentos associados ao garimpo, áreas onde a atividade ilegal deixou o solo aparente e regiões que foram exploradas onde a vegetação começa a se recuperar.

Depois de anos de denúncia e inação durante do governo de Jair Bolsonaro, após assumir seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em 21 de janeiro de 2023. Diante da falha em eliminar em definitivo o garimpo e a crise sanitária, Lula criou em janeiro de 2024 uma comissão permanente para atuar no caso.

“A gente pensava que iria mudar, mas não mudou. Não está bem. Os yanomami estão sofrendo com a situação de vulnerabilidade provocada pelos invasores e pelas doenças”, afirma Dario Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara, em entrevista à DW.

Para Dario, é cedo para criticar a atuação do Ministério dos Povos Indígenas, criado por Lula e sob coordenação de Sonia Guajajara. “É uma dificuldade muito grande porque é algo muito recente”, resume a liderança yanomami.

DW: Como você descreve a situação na Terra Indígena Yanomami após um ano de ação do governo Lula contra a crise humanitária?

Dario Kopenawa Yanomami: A situação está muito difícil, muito complexa. E isso já faz mais de cinco anos. A nossa crise não melhorou e não está sendo resolvida. A tragédia continua, continua muito grave a crise humanitária e sanitária.

A gente pensava que iria mudar, mas não mudou. Não está bem. Os yanomami está sofrendo com a situação de vulnerabilidade provocada pelos invasores e pelas doenças.

Como você avalia o governo Lula até agora no enfrentamento desta crise?

Quando ele entrou, há um ano, o presidente da República começou a fazer algo para nos ajudar. Ele pegou a situação muito problemática, principalmente dos yanomami, e disse que queria salvar a vida dos indígenas, combater a crise humaniária, a malária e o garimpo ilegal.

Ele não conseguiu resolver a crise porque a situação é de muita tragédia. Não é fácil resolver isso.

Mas a minha avaliação como representante da Fundação Hutukara Yanomami é de que não está melhorando. Continua grave. Ainda temos muita morte, muitos invasores, muito garimpo, desnutrição, falta de profissionais de saúde.

A situação está muito diferente daquela vivida por vocês durante o governo Bolsonaro?

Com o presidente Jair Bolsonaro foram quatro anos de pesadelo. Ele negligenciou a saúde indígena e de não indígenas. Foi um governo extremamente genocida. Foi uma situação muito difícil.

A maneira como ele coordenava o país era totalmente anti-indígena. Ele violou muito os direitos dos povos indígenas, da floresta, das demarcações, dos quilombolas, dos ribeirinhos. Ele não sabia como melhorar o país e a vida da população brasileira. Ele foi a favor da legalização de garimpos ilegais.

Bolsonaro tinha uma estratégia para acabar com a população indígena do Brasil.

O ministério dos Povos Indígenas está atuando da forma esperada?

A criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) foi parte de um plano de lideranças indígenas respeitadas no Brasil. Eles apresentaram o plano para Lula antes das eleições. O ministério é muito recente, ainda não posso criticar. Neste primeiro ano, o ministério ficou sem recursos humanos, sem dinheiro e sem autonomia.

É preciso muito planejamento e coordenação para administrar o MPI. A ministra Sonia Guajajara está cuidando de algo deste porte pela primeira vez, e é uma dificuldade porque é algo muito recente.

As demarcações de terras, saúde, educação e proteção de territórios indígenas precisam de dinheiro, por isso acreditamos que essas iniciativas foram mais difíceis de serem executadas neste um ano.

O povo yanomami será tema da escola de samba Salgueiro no carnaval carioca. Como isso pode influenciar a ideia que os outros brasileiros têm sobre os povos originários?

O nome do povo yanomami correu o mundo nos últimos cinco anos. Salgueiro nos procurou por causa da repercussão do sofrimento, da tragédia, das mortes, da negligência da saúde, da crise humanitária. A escola procurou o meu pai, Davi Kopenawa, para fazer uma grande homenagem ao nosso povo no carnaval, para chamar a atenção da sociedade brasileira.

O samba tem um papel artístico importante no Brasil. É importante para incentivar a população brasileira que participa do carnaval a pensar sobre alguns temas. E o samba da Salgueiro faz uma reflexão sobre a nossa luta de resistência.

Estamos nos organizando para chamar a atenção dentro deste tema, mostrar a nossa resistência, a nossa cultura, a luta por direitos, pelo nosso território. É importante para a sociedade conhecer quem são os yanomami.

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